Lições de paixão | Por Emiliano José

Emiliano José recebe apoio da Fenaj e do Sinjorba.
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Acabei de ler O Vermelho e o Negro. Recebi lições de paixões. De exercício político sobre paixões. Sthendal foi um ser atormentado. Quem quer que se debruce por sobre a história dele encontrará um ser apaixonado. Cultivava o vício de apaixonar-se. E bastava que o objeto de sua paixão atendesse aos seus clamores para que ele, incontinente, o deixasse de lado. Foram muitas as mulheres de Sthendal.

Os homens também são objeto dele em O Vermelho e o Negro. Os homens daquela circunstância histórica, daquela França entre o fim dos anos 20 e início dos anos 30 do século XIX. Seu livro é direto, áspero, segundo sua própria confissão. Quando disse que Sthendal era um viciado em paixões, quem sabe estivesse querendo fazer uma ligação direta entre o autor e sua obra. Ou quase dizer que, no caso, era autobiográfica.

E certamente todos os que lidam com literatura hão de me condenar em tentar fazer uma ligação tão direta. E terão razão. Não há tanta relação entre a vida de um autor e sua criação literária. Vargas Llosa e sua notável obra, com óbvias tinturas à esquerda, não seria, assim, o homem de direita que é na vida real. Tantos outros autores evidenciaram que a criação literária não depende de maneira literal da vida concreta de cada um deles.

Vou e volto. Mas, também, não é possível separar tanto a vida da arte. A arte imita a vida. Ou será a vida que imita a arte? Às vezes as coisas do mundo nos surpreendem de tal maneira que nos perguntamos quando a ficção pode alcançar o tanto de inusitado que a realidade nos oferece. Sthendal – um dos 171 pseudônimos de Marie-Henri Beyle – é cruel e denso na caracterização da paixão em seu romance.

A depender do olhar, o leitor pode concluir que depois de conquistada a amada, ou o amado, resta apenas um despojo. E ele próprio agiu dessa maneira com as inúmeras paixões que viveu. Sofreu muito com o desprezo. Desprezou muito depois que conquistou. Chorou com o abandono. Abandonou e fez sofrer. Curioso tenha seus méritos literários reconhecidos apenas no século XX, apesar de tanto talento. É o olhar de cada época. A história a desconhecer ou reconhecer seus artistas.

Seu desconcertante personagem, Julien Sorel, surpreende sempre. Aparece como um ser maquiavélico nas artes da paixão, cheio de jogos e artimanhas, aspirando ardentemente à ascensão social, próprio de sua origem camponesa. Mas termina ele próprio refém da paixão. Condenado, morre feliz por saber-se amado por aquela de quem havia tentado tirar a vida, a Senhora de Rênal, e que, apesar disso, continuou a amá-lo perdidamente, tentando livrá-lo da condenação à morte. Sthendal terá sido um crítico da paixão, ao menos no decorrer de O Vermelho e o Negro, mas ao final do romance, reconcilia-se com ela. Não quis desesperançar os que se apaixonam. E a humanidade seguiu apaixonando-se, apesar de tudo.


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