Há uma espécie perigosa de senso comum segundo o qual não se deve discutir o que ocorre entre quatro paredes. É como se no interior da casa de cada um tudo fosse permitido. E é nesse interior que se esconde um impressionante caudal de violência, que deve inegavelmente ser discutido pela sociedade e objeto de leis que o reprimam. Há, de modo particular, uma brutalidade criminosa e cotidiana contra mulheres e crianças.
Entre janeiro e maio deste ano 370 pessoas, em Salvador, foram vítimas de violência sexual – 330 do sexo feminino, 40 do sexo masculino. Sintomaticamente 284 das vítimas tinham idade inferior a 18 anos. E mais: a maioria dos casos refere-se ao que se conhece como violento atentado ao pudor (133), seguido pelo estupro (107). Tais crimes são praticados por pais, padrastos, namorados, companheiros, pessoas da mais absoluta intimidade das vítimas.
Esses dados são do programa Viver, da Secretaria de Segurança Pública da Bahia, voltado para o atendimento especializado a vítimas dessa espécie de violência, e foram publicados em A Tarde (08/06/2008). Dos casos atendidos pelo Viver, 74 foram praticados por vizinhos, 33 por pais, 24 por namorados, 18 por tios, 17 por primos, 12 por amigos, sete por irmãos, seis por maridos e quatro por avôs. Numa dessas ocorrências, o autor é o próprio filho.
Nada do que é humano me é estranho. Que é de indignar, no entanto, é. No mínimo 90% das ocorrências contra mulheres e crianças acontecem dentro da própria residência das vítimas. Arrisco dizer, pelo que se conhece das relações humanas, que as estatísticas devem estar subestimadas. Não por culpa do programa, mas pelo fato de que muitas vítimas seguramente não denunciam. Por medo, por complacência com o agressor, por submissão ou por outros fatores, que só Freud explicaria.
Defendo que a sociedade deve enfrentar esse problema. E o Estado deve investir ainda mais no enfrentamento dele. Deve haver leis que reprimam tais crimes, como há, e deve haver um trabalho de educação que vá forjando uma nova mentalidade, que elimine a violência contra a mulher, contra a criança, contra o adolescente.
Ninguém deve ser obrigado a fazer sexo, muito menos crianças e adolescentes. Vejam que até maridos praticam estupros, obrigam violentamente suas mulheres a praticar sexo, quem sabe acreditando numa espécie de dever da espécie feminina, independentemente da vontade dela. E olhe que estamos falando apenas daquelas que tiveram a ousadia de denunciar.
Os movimentos vinculados à defesa das crianças e adolescentes, os dedicados às causas feministas, os que se aplicam na defesa de uma sociedade de paz, têm que estar mais atentos ainda a essa espécie de violência. Combatê-la culturalmente, mas também recorrendo à lei. O inimigo mora ao lado. Às vezes, na mesma cama. E tem que ser denunciado, sob pena da conivência.
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