A justeza da política de cotas | Por Juarez Duarte Bomfim

Baiano de Salvador, Juarez Duarte Bomfim é sociólogo e mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), doutor em Geografia Humana pela Universidade de Salamanca, Espanha; e professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).
Baiano de Salvador, Juarez Duarte Bomfim é sociólogo e mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), doutor em Geografia Humana pela Universidade de Salamanca, Espanha; e professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).

No dia da Consciência Negra (20/11/2008), as bancadas do governo e da oposição na Câmara dos Deputados aprovaram o projeto de lei que estabelece cotas sociais e raciais para o preenchimento de vagas nas universidades públicas federais. O projeto foi mandado ao Senado.

Na UFBA o sistema de cotas foi aprovado em 2004; na UEFS em 2006. Entre 2001 e 2008, 52 mil vagas foram oferecidas em 48 universidades que adotaram políticas de ações afirmativas em benefício de alunos da rede pública, afrodescendentes e índios. Passaram-se sete anos e até hoje não apareceu um só episódio ou estudo relevante capaz de desqualificar essas políticas.

A implantação do sistema de cotas beneficiou assim a milhares de estudantes e suas famílias que conquistaram o direito de ingressar em uma universidade pública, gratuita e de qualidade como são as redes de Instituições de Ensino Superior federal e estaduais.

O ProUNi – Programa Universidade para Todos, dirigido aos estudantes egressos do ensino médio da rede pública já atendeu cerca de 300 mil estudantes com bolsas integrais, reservando vagas para afrodescendentes, indígenas e pessoas com deficiência e, apesar das críticas, caracteriza-se por um importante mecanismo de inclusão social, estabelecendo oportunidades para vencer as desigualdades.

Tramita no STF o julgamento da inconstitucionalidade das cotas do ProUni, argüida pelos donos de universidades privadas e pelo partido de direita DEM. A iniciativa do governo já teve o voto favorável do relator, ministro Carlos Ayres Britto.

As políticas de ação afirmativa adquirem assim um importante papel de reparação social, criação de oportunidades de ascensão social dos mais pobres – que na Bahia são os afrodescendentes – de se capacitarem com boa formação universitária para inserção no mercado de trabalho e na sociedade – com dignidade.

Por outro lado, o sistema de cotas calou os adversários do ensino público superior gratuito, que o consideravam privilégio apenas das elites, que se adestravam convenientemente nas escolas privadas, para o acesso via vestibular.

Existem dois tipos de críticos das políticas de ação afirmativa: há aqueles que as condenam e aqueloutros que as consideram insuficientes.

Quanto ao primeiro grupo, dos que as condenam, argumentam coisas como é “uma discriminação às avessas”, que “não resolve o problema social” e beneficia apenas aqueles indivíduos que entram pelo sistema de cotas.

Argumentos que são puros sofismas intelectuais, pois não existe discriminação às avessas, pois discriminação é exercício de poder do mais forte sobre o fraco, e onde está o poder do afrodescendente pobre e favelado?

Quanto ao segundo argumento, que o sistema de cotas beneficia apenas aqueles que entram… obviamente se resolve ampliando quantitativamente o acesso dos excluídos ao ensino superior.

Um outro argumento, que beira o nonsense, é daqueles que admitem que o preconceito racial existe, mas que a política afirmativa não deve ser feita no ensino superior, e sim no ensino de base. Bingo! Descobriu-se a pólvora… porém três ou mais gerações de afrodescendentes vão ter que aguardar os primeiros resultados…

O segundo tipo de críticos é daqueloutros que consideram o sistema de cotas insuficiente. O movimento estudantil tem provado que através de mobilizações e pressões têm reconquistado direitos e vantagens antes existentes nas universidades públicas que foram reduzidos ou extintos quando da avalanche neoliberal da era FHC.

Residência estudantil, bandejão gratuito (ou subsidiado), assistência médico-odontológica ou social, bolsas, bibliotecas melhor equipadas têm mudado a realidade de dificuldades para desenvolver os seus estudos por aqueles estudantes de famílias de renda mais baixa.

A continuidade dessas lutas no campo democrático dos movimentos sociais e nos mecanismos institucional-eleitorais, elegendo quem preste, pode assegurar a manutenção das conquistas e ampliação das mesmas.

Durante a escravidão negra, críticas “bem-intencionadas” e “progressistas” foram feitas às leis do ventre livre e dos sexagenários, de fato bastante limitadas. Entretanto essas leis, embora limitadas, abriram caminho nos planos jurídico e das mentalidades para um salto maior, a libertação total dos escravos.

Libertação total dos escravos cheira a exagero semântico, já que nenhuma reparação social foi feita. Daí que a oportunidade é essa, é agora.

Por isso em boa hora é apresentado o projeto de lei de cotas sociais e raciais, e pressurosamente esperamos a sua aprovação, pois quando é instituída uma política pública qualquer e, melhor ainda, respaldada na forma de lei federal, isso tem servido para acabar com resistências e adquirir consenso social que, no caso, terá o salutar efeito de combate ao racismo e elitismo subrepticialmente implícito no discurso daqueles que condenam equivocadamente as políticas de ações afirmativas.

*Juarez Duarte Bomfim, sociólogo e mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), doutor em Geografia Humana pela Universidade de Salamanca, Espanha; e professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).


Discover more from Jornal Grande Bahia (JGB)

Subscribe to get the latest posts sent to your email.

Facebook
Threads
WhatsApp
Twitter
LinkedIn

Deixe um comentário

Discover more from Jornal Grande Bahia (JGB)

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading

Privacidade e Cookies: O Jornal Grande Bahia usa cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com o uso deles. Para saber mais, inclusive sobre como controlar os cookies, consulte: Política de Cookies.