Schiller e Goethe: uma amizade de amor e ódio

Baseada em contradições, amizade entre Schiller e Goethe possibilitou uma das maiores trocas artísticas da literatura alemã. Em uma relação de amor e ódio, a amizade dos escritores teve grande influência em suas obras.

Ora, um coração e uma alma – não! Isso ambos não queriam. […] O que realmente conta, diz Goethe, é o trabalho conjunto e o laço afetivo em determinada área, no caso, a poesia”. Assim explica o filósofo e biógrafo de Schiller, Rüdiger Safranski, a relação de amizade entre os escritores alemães Friedrich Schiller e Johann Wolfgang von Goethe em seu novo livro Goethe und Schiller. Geschichte einer Freundschaft (Goethe e Schiller: história de uma amizade), ainda não lançado no Brasil.

Embora Schiller e Goethe tenham se encontrado pela primeira vez em 1779, foi somente 15 anos depois que selaram amizade, possibilitando rapidamente uma forte aliança para o trabalho de ambos. Para Safranski, o que mais chamou atenção na história dos escritores foram as contradições que, na verdade, criaram algo em comum entre eles.

Por isso, Safranski descreve em seu livro detalhadamente o início dessa amizade, quando estas contradições já eram visíveis e se mostravam insuperáveis. Dez anos mais jovem do que Goethe, Schiller tentava chamar a atenção do já famoso poeta, que por sua vez simplesmente o ignorava. “Eu o via como uma orgulhosa puritana, em quem alguém deveria fazer um filho para humilhá-la diante do mundo”, afirmou Schiller sarcasticamente sobre Goethe. A frase está logo no começo do livro de Safranski e foi escrita pela primeira vez em uma carta de Schiller ao seu amigo Christian Gottfried Körner.

Amor e ódio

Safranski comenta que, desde o início, Schiller tinha uma grande ambição: ele queria ter uma relação de igual para igual com Goethe e, para tal, estaria pronto para lutar e abrir os caminhos que o levariam ao poeta. Do outro lado, Goethe permanecia reservado e inacessível.

Segundo o autor do livro, era um caso de amor e ódio que, segundo Safranski, tinha raízes mais profundas, pois Schiller acreditava piamente que “como um protegido da natureza, tudo caía nas mãos de Goethe. E ele próprio tinha de lutar.”

Enquanto Schiller passou sua vida com doenças, Goethe gozava de saúde. A vida financeira do poeta também era mais vantajosa, pois, além de ter nascido em uma família rica, ao ocupar o cargo de conselheiro privado do Duque de Weimar enriqueceu mais, conquistou influência e poder e, portanto, tinha tempo suficiente para se dedicar à criação artística.

Já Schiller não tivera a mesma sorte e se contentava com um humilde salário de professor de História em Jena, na Turíngia, cargo oferecido a ele justamente pelo Goethe, que mesmo assim não lhe dava atenção. Embora Schiller tivesse inveja de Goethe, este por sua vez o encarava como um concorrente.

“Primeiramente ele [Goethe] lembrava de si mesmo no seu tormento e na sua fase de ímpeto através do jovem Schiller”, afirma Safranski. Para ele, Goethe via Schiller como um “ladrão” e isso não o agradava, bem como a sensação que isso lhe provocava. Quando o poeta voltou da Itália, todos falavam de Schiller, o que certamente o incomodou.

Amizade criada pelo trabalho

Em um texto cheio de detalhes e divertido, Safranski desenvolve a aproximação gradativa de duas personalidades diferentes. Schiller, o analista e filósofo, que aborda o mundo das ideias; e Goethe, “o homem dos olhos”, como Schiller dizia, que observava a natureza e com ela experimentava. Até que finalmente os dois se encontram, no momento em que Schiller convida Goethe para trabalhar em sua revista Die Horen. A partir de então, surge uma forte relação profissional que mais tarde se transformaria em uma profunda relação emocional.

Safranski afirma que é raro ver este tipo de relação entre duas figuras de tamanha importância. “Nós não temos nas ciências humanas alemãs uma situação comparável, com exceção talvez de Karl Marx e Friedrich Engels, que também tinham uma relação de trabalho e de amizade muito íntima”.

Ao escrever o romance Wilhelm Meister (Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister), Goethe confiou o manuscrito a Schiller, que o analisou com muita perspicácia e registrou suas críticas em cartas enviadas ao amigo. Safranski aponta que, embora o filósofo tenha considerado o romance genial, ele achou o personagem principal fraco. Para ele, Wilhelm Meister não obteve o destino nem a sorte que merecia. “Então se percebe que o que ele um dia pensou sobre Goethe agora estava presente na figura de Wilhelm Meister, e este Goethe ele amava”, explica Safranski.

Grandes poetas também são somente seres humanos. Em seu livro, Safranski esclarece justamente como os sentimentos influenciam o intercâmbio artístico. Ainda que a vida privada não seja o ponto principal de sua pesquisa, o seu livro abre uma empolgante visão da produção literária de dois grandes escritores alemães.


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