Nem o Ópio, nem trincheiras | Por Aloísio Vilela de Vasconcelos

O arqueólogo e professor Aloisio Vilela de Vasconcelos relata sua viagem a Juazeiro do Norte, terra de Padre Cícero, descrevendo a força da fé popular, os intensos contrastes sociais e a experiência do transcendente vivida por romeiros que buscam esperança e consolo espiritual. Entre reflexões críticas sobre teorias culturais e a presença do sagrado, o autor retrata a cidade como símbolo de devoção, sofrimento e resistência do povo nordestino.
Romaria em Juazeiro do Norte revela contraste social e força da fé popular, onde milhares encontram alívio espiritual e esperança diante das adversidades do sertão.

Mesmo carregando as mazelas que fazem questão de não me deixar em paz desde meados de dezembro, sacudi o mal estar para um lado, rezei o Credo, tomei a maçaranduba do tempo e fiz uma viagem.

Uma viagem, não para uma das artérias ou veias que irrigam o coração do imperialismo, mas para a terra do “Patriarca do Nordeste”, do “Protetor dos Pobres”: fui ao Juazeiro do Meu “Padinho Ciço”.

Para fazer esta viagem não sentei na poltrona da luxuosa primeira classe de um super avião. Não, não fiz isso. Fui de automóvel rasgando as ermas vastidões do nosso sofrido chão, parando aqui e acolá, numa ébria tentativa de encontrar a Shangri-La nordestina e assim poder metrificar a distância entre o fim dos pesadelos e o início dos sonhos.

Ilusão, pura ilusão, porque quanto mais me aproximava de meu objetivo, mais minha esperança se tornava inútil e fugidia, pois nada via além da ilimitada extensão dos mais profundos contrastes sociais.

Pregam os partidários de determinadas teorias que quando o homem perde a fé no próprio homem como agente minimizador da dor e do sofrimento de seu semelhante há uma inequívoca tendência a se acreditar no transcendente e, como conseqüência, um aumento exponencial na crença em algo intangível.

Assim, através da contundente negação da manifestação de forças superiores inatingíveis, se explica o que ocorre em diversos locais do mundo.

Sinceramente não sei quem mais enfermo e acamado culturalmente, se a teoria que isto propõe ou quem a ela está apegado e se contenta com suas irrisórias veleidades.

Sei, sim, que quem quer que vá à “Meca do Nordeste” – cidade para onde milhares e milhares de romeiros que se sentem completamente abandonados, como o Galileu ao ser crucificado, curam as chagas do desespero através das chagas da fé – em época de romaria, ao ver a multidão de coração cristão banhada em lágrimas que uníssona canta, por mais resistente que seja sua blindagem, acredito que se sentirá possuído pelo forte pensamento medieval, invasivo, nazificante: um só Deus, uma só Fé, um só Povo.

Por Deus, ali há algo estranho no ar e não é ópio. Algo que barra e tange o desespero. Que conforta e alivia. Que robustece o espírito. É o Transcendente. Ali pulsa o Transcendente. Pulsa com tanta intensidade que chegamos a senti-Lo, a quase apalpá-Lo.

Mas, um momento: não é “nas trincheiras que o homem encontra Deus”?

Interessante, lá não vi “trincheiras”, vi milhares e milhares de altares, pois o que somos, senão o mais sublime altar que Deus utiliza para se manifestar?

Aloisio Vilela de Vasconcelos, arqueólogo e professor adjunto II da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).


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