O corte de gastos no governo | Por Mauro Malin

Jornal Grande Bahia, compromisso em informar.
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Existe uma questão de fundo apenas aflorada no noticiário de quinta-feira (10/02/2011) sobre o corte de gastos anunciado pelo governo: os limites estruturais ao crescimento do país. Em termos elementares, trata-se de saber se e como a demanda de bens e serviços pode crescer sem que a deficiência de oferta faça disparar a inflação. Como se sabe, a inflação pesa mais nos ombros dos mais pobres, reinstalando o mecanismo agravador das desigualdades que são a marca registrada da trajetória socioeconômica brasileira.

Dos jornais que têm influência nacional, só o Valor Econômico registrou em sua chamada na primeira página que se tratou do anúncio de algo que ainda não se sabe o que é. Apenas na semana que vem o governo detalhará como pretende reduzir 50 bilhões de reais de despesas em 2011.

A Folha de S.Paulo deu um título cuidadoso na página 4: “Governo promete corte recorde para frear inflação”. Mas, na manchete de primeira página, mandou às favas a precisão e trombeteou: “Temor da inflação faz governo cortar R$ 50 bi”. Como se a coisa anunciada já tivesse acontecido. Fato consumado. O mesmo fizeram o Globo − “Governo corta R$ 50 bi e Mantega diz que ‘vai doer’” – e o Estadão – “Dilma corta emendas do Congresso e preserva PAC”.

Puxar a rédea, que andou solta

Para o economista Raul Velloso, as emendas são o que o nome diz: acréscimos ao orçamento. Portanto, cortá-las não significaria reduzir o gasto previsto. Mencionam-se também proibições de convocação de aprovados em concursos públicos e de realização de novos concursos, de renovação de frotas de automóveis, medidas para reduzir gastos com viagens.

Nada disso impressiona de fato os economistas ouvidos pelos jornais, embora a maioria deles tenha transmitido uma impressão positiva a respeito da intenção governamental, que sinaliza senso de responsabilidade fiscal. Tanto mais necessária quanto foi deixada de lado no biênio 2009-2010, em resposta à crise financeira mundial, o que se prolongou depois como ingrediente da vitoriosa campanha eleitoral governista.

Também foi anunciada a contratação da Fundação Getúlio Vargas para dizer ao governo como pode economizar. Iniciativa um tanto risível. Os problemas de gestão no serviço público transcendem a esfera da ciência da administração: são problemas políticos. Há um precedente nada alentador: a reforma encomendada em 2009 pelo nobre presidente do Senado, José Sarney, à mesma FGV, depois da revelação de uma sucessão de escândalos administrativos na Casa. Deu em nada.

Dois espantalhos: a oposição e “a mídia”

A visão mais crítica a respeito do anúncio feito na quinta-feira (10/02) pelos ministros Guido Mantega e Miriam Belchior é da colunista Míriam Leitão. Depois de publicar diferentes opiniões sobre o tema que ocupou as manchetes, Míriam afirma: “Pior do que anunciar intenções e chamá-las de corte ou ajuste é a insistência com que o ministro da Fazenda subestima a inflação”. Mantega, criticou a jornalista, disse que o problema é passageiro e que “cumprir a meta de inflação não é cumprir o centro da meta”. Isso equivaleria a admitir, já em fevereiro, que a meta será abandonada.

O Estado de S.Paulo é o único dos grandes jornais a registrar que o anúncio do governo suscitou críticas também do PT, mas, evidentemente, partindo de um raciocínio diferente. Se para Míriam Leitão o governo ainda não tornou efetiva sua intenção de fazer seriamente a contenção de gastos, o líder petista e ex-ministro José Dirceu condenou o perfil do ajuste fiscal e afirmou que o partido não pode ficar refém de uma agenda traçada “pela oposição e pela mídia”, esses dois espantalhos convenientes.

Dirceu, informou a jornalista Vera Rosa, disse numa reunião a portas fechadas que o governo deveria cortar apenas gastos em custeio. Sabe-se, entretanto, que isso é o mais difícil. O “Painel” da Folha registra que um boato sobre corte de cargos de confiança na máquina federal produziu uma sucessão de telefonemas ao Planalto “com protestos preventivos”.

O anúncio da decisão governamental foi feito quando se abre o processo de discussão do novo salário mínimo, assunto que divide tanto governistas como oposicionistas. Os dois temas mobilizarão a mídia a partir de Brasília nos próximos dias.

*Por Mauro Malin | Observatório da Imprensa


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