Na Bahia, monopólio no consignado persiste após proibição

Jornal Grande Bahia, compromisso em informar.
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Servidores públicos de sete Estados e 40 cidades, num total de 2,5 milhões de pessoas, estão atrelados a contratos condenados pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo BC.

Sete meses após o Banco Central (BC) proibir o monopólio bancário nas operações de crédito consignado, sete Estados e cerca de 40 cidades ainda mantêm contratos de exclusividade com instituições financeiras. A circular nº 3.522, de 14 de janeiro de 2011, proibiu a celebração de quaisquer convênios, contratos e acordos “que impeçam ou restrinjam o acesso de clientes a operações de crédito ofertadas por outras instituições, inclusive aquelas com consignação em folha de pagamento”. No entanto, os governos da Bahia, Maranhão e Mato Grosso do Sul e as prefeituras de São Paulo, São Bernardo e Campinas, entre outros, mantiveram cerca de 2,5 milhões de servidores sem alternativa, em afronta ao Código de Defesa do Consumidor e à Constituição.

Entidades de servidores públicos, empregados em instituições de crédito e a Associação Brasileira de Bancos (ABBC) desencadearam uma série de ações na Justiça para restabelecer a livre concorrência, mas os governos e bancos conveniados alegam que a circular só valeria para contratos posteriores à circular. Tribunais de Justiça estaduais, Tribunais Regionais e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) têm opinado sobre a matéria e, na maioria dos casos, cancelado os contratos, mas bancos e estados recorrem e utilizam artifícios protelatórios.

É o caso da Bahia, onde o TJ-BA derrubou o monopólio, mas o governo Jaques Wagner usa de artimanhas jurídicas para manter um vínculo com o Banco do Brasil, que detém exclusividade sobre a folha de pagamentos e sobre a oferta de crédito bancário. O contrato entre a Bahia e o BB foi assinado em julho de 2010, com validade até 2015. Desde então, os servidores baianos não têm opção de escolha, apesar de outros bancos praticarem taxas de juros inferiores.

Diante do impasse, a Federação Interestadual dos Servidores Públicos (Fesempre) recorreu ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), órgão vinculado ao Ministério da Justiça que tem a função de coibir cartéis e monopólios. Além de se posicionar a respeito do monopólio nas operações de crédito consignado, o Cade poderá tomar uma decisão inédita ao julgar o impasse de jurisdição sobre o órgão que deve regular a livre concorrência no setor financeiro.

Segundo o advogado Vicente Bagnoli, que defende a Fesempre, a tendência do Conselho é buscar um acordo, para que os bancos cancelem os contratos de exclusividade. A palavra final será dada pelo procurador geral do Cade, Gilvandro Araújo. O conselheiro relator, Vinícius Carvalho, evita comentar o tema. “Vou esperar o parecer da Procuradoria para depois analisá-lo”, limita-se a dizer. O Cade é a última instância, na esfera administrativa, responsável pela decisão final sobre a matéria concorrencial.

Sete Estados, três capitais e cerca de 40 cidades de porte médio e pequeno ainda mantêm servidores atrelados. São eles: BA, DF, ES, MA, MS, PI, RN, Natal (RN), Porto Velho (RO) e São Paulo (capital). Entre as cidades estão Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano, Guarulhos, Santos, Mauá, Diadema, Rio Claro, Araras, Uberaba, Matozinhos, Patos de Minas, Ituiutaba, Cabo Frio e Vila Velha.

A conquista das folhas custa caro aos bancos. A Prefeitura de São Paulo, por exemplo, concedeu a gestão da folha e a reserva de mercado para o Banco do Brasil em 2009. Para ter esse privilégio, o BB empenhou R$ 750 milhões.

Polêmica

A grande polêmica jurídica gira em torno do entendimento da medida do BC como declaratória (retroativa) ou constitutiva, ou seja, válida a partir da data de publicação. Críticos do monopólio como o jurista Miguel Reale Jr. e o desembargador federal Emiliano Zapata, do TRF, entendem que cabe ao empregado, e não ao empregador, escolher a instituição consignatária. Indo além, Reale Júnior diz que os contratos de exclusividade ferem a Constituição Federal, a legislação ordinária e o Código de Defesa do Consumidor, particularmente no princípio da portabilidade do crédito.

“Ao se pronunciar sobre o assunto, por meio da circular, o Banco Central declarou que quaisquer condutas que sobrepujem os contornos ali traçados não se coadunam com ordem jurídica vigente”, afirma o advogado Rafael Buzzo de Matos.

Em Minas, o Ministério Público determinou que o Estado suspendesse a exclusividade, sendo prontamente acatado. Já o Ministério Público Federal classificou como ilegal contrato entre o Banco do Brasil e a Prefeitura de Matozinhos (MG) e determinou a rescisão de todas as cláusulas, aditivos ou anexos contratuais referentes à exclusividade. Segundo o MPF, a Lei 10.820/2003 assegura ao mutuário o direito de optar por qualquer entidade bancária, de sua livre escolha, no momento de contratar um empréstimo.

Conforme o Código de Defesa do Consumidor, é abusiva toda cláusula contratual que ofenda os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence, no caso, os princípios da livre concorrência e da defesa do consumidor.

O deputado Nelson Marquezelli, corregedor da Câmara dos Deputados, apresentou requerimento à Mesa da Câmara dos Deputados, no dia 9 de fevereiro de 2011, solicitando o desarquivamento do Projeto de Lei nº 6.902/2010 que, em resumo, proíbe definitivamente todos os contratos de exclusividade.

História e mercado

O crédito consignado surgiu em 2005, como alternativa para a oferta de crédito para trabalhadores do serviço público ou privado que mantivessem convênio com instituições financeiras. No início, poucos bancos se interessaram, mas foram descobrindo o filão gradativamente. Hoje, o consignado representa uma carteira de R$ 149 bilhões, atingindo cerca de 60% dos servidores públicos, aposentados e pensionistas do INSS.

O Banco do Brasil (BB) ocupa o primeiro lugar entre as instituições de crédito, com cerca de 33% do mercado. Entre os bancos privados o líder é o BMG, com 18% do total das operações. O Banco Central não divulga o market share, com a lista dos principais players do setor, mas sabe-se que o mercado é dividido por cerca de 10 instituições de crédito, como Bradesco, Caixa, Itaú e Bonsucesso.

Pesquisa do Ibope mostrou que o crédito consignado alcança 91% de aprovação entre um de seus principais públicos, os aposentados e pensionistas do INSS. Pesquisas mostram ainda que 60% dos usuários utilizam os recursos obtidos por meio do consignado para quitar outras dívidas, cujas taxas de juros eram muito mais elevadas, principalmente com lojas e bancos, além de débitos com cartão de crédito, empréstimos e cheque especial e para o pagamento de contas da casa, dívidas com terceiros e impostos.

A principal vantagem do consignado são os juros baixos, possíveis devido ao baixo risco de calote. O servidor pode comprometer até 30% da remuneração e a prestação é recolhida pelo órgão estatal e transferida diretamente ao banco conveniado. Levantamentos mostram que, onde o mercado é livre, as taxas de juros tendem a cair, devido à concorrência. Onde existe exclusividade, o banco detentor da folha pratica taxas superiores a 2% ao mês.


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