Celac terá vários desafios, afirmam especialistas

Chefes de Estado e de governo da América Latina e do Caribe reúnem-se em Caracas para fundar uma nova aliança regional. Dois especialistas analisam suas chances de êxito, seus desafios e sua relação com a UE

Os chefes de Estado e de governo dos 33 países da América Latina e do Caribe reúnem-se neste fim de semana 2 e 3/12 na Venezuela para fundar oficialmente a nova aliança regional, a Celac. Para o presidente venezuelano, Hugo Chávez, a cúpula é, ao mesmo tempo, uma oportunidade de voltar ao cenário internacional, depois de, como ele próprio conta, uma luta bem-sucedida contra o câncer.

Após a União dos Estados Sul-americanos (Unasul), da Comunidade dos Países Andinos, do Grupo do Rio e das alianças econômicas Mercosul e Alba, surge agora mais uma aliança na América Latina: a Celac – Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos.

“As alianças existentes, como o Mercosul e a Unasul, são regionalmente limitadas à América do Sul. A Celac, ao contrário, integra também a América Central e o Caribe”, explica Thomas Fritz, do Centro de Pesquisa e Documentação Chile-América Latina, sediado em Berlim. “Até agora, nenhuma dessas alianças existentes funcionou direito”, acrescenta Peter Rösler, vice-diretor da Associação América Latina das Empresas Alemãs (LAV, do alemão), demonstrando ceticismo frente à criação da Celac.

Segundo Rösler, já o Mercosul com seus quatro países-membros sofre com as tensões entre a Argentina e o Brasil, que frequentemente emperram o mercado comum com novas taxas de importação. “Agora surge mais uma organização, a mais ampla de todas do ponto de vista geográfico. Se a Celac funcionar, não terá sido má ideia, mas, tendo em vista as experiências até agora, é legítimo duvidar. Antes, deveria se dar um sentido às alianças já existentes”, continua Peter Rösler com ceticismo.

Nenhuma região do mundo, em princípio, oferece condições tão favoráveis à integração regional quanto a América Latina: do México à Terra do Fogo, cerca de 500 milhões de pessoas falam a mesma língua, exceto no Brasil. Todos os países da região têm uma história semelhante e a maioria conquistou, há 200 anos, a independência da Espanha. E, exceto Cuba, todos os países têm governantes eleitos democraticamente.

Concorrência para a OEA 

A Celac é agora, portanto, uma tentativa não somente de fortalecer a unidade da região, como também de se posicionar frente aos EUA. Pois, examinando com maior atenção, a comunidade dos países latino-americanos e caribenhos, com seus 33 membros, não é nada além do que a Organização dos Estados Americanos (OEA), fundada em 1948, só que sem os EUA e o Canadá. Para Rafael Correa, presidente do Equador, a Celac irá, “mais cedo do que tarde”, substituir a OEA. Suas palavras simbolizam a esperança de muitos. Ao contrário da OEA, Cuba pertencerá, por sua vez, à Celac.

No entanto, a questão da postura em relação aos Estados Unidos em breve poderá trazer tensões para a Celac. “O sinal de emancipação política de Washington parte apenas de alguns membros. Trata-se sobretudo de um desejo dos governos de esquerda. Neste sentido, a Venezuela é a força motriz”, observa Thomas Fritz. “O Brasil, ao contrário, assume uma posição mais de mediação, quando o assunto é uma maior autonomia da OEA. É muito distinta, por exemplo, a posição do Chile ou do Peru, que buscam claramente uma cooperação mais estreita com os EUA”.

O Chile, o Peru e a Colômbia mantêm acordos bilaterais de livre comércio com Washington. Junto com o México, esses três países trabalham, no momento, na criação de outra aliança regional – o Acordo do Pacífico. “Esses países, de economia de orientação mais liberal, irão criar um contraponto ao Mercosul, distanciando-se dos governos que apostam mais em uma intervenção estatal e em uma ativa política social”, analisa Thomas Fritz.

Para ele, o Mercosul continua sendo, contudo, a aliança regional mais bem estruturada, “com alfândegas internas abolidas e externas comuns. Estas são decisões que custaram aos países-membros abdicar de suas soberanias nacionais”, completa o especialista. No entanto, exatamente esses acordos são torpedeados pela “arbitrariedade dos governos”, critica Peter Rösler. “Falta a institucionalização das iniciativas de integração, faltam regras claras e sanções a quem não respeitar o acordo”, completa.

Prováveis tensões

A Celac terá muitas tarefas pela frente caso queira promover um consenso entre os interesses em parte contrários dos países latino-americanos. Um dos pontos difíceis, na opinião de Thomas Fritz, é a exigência dos governos de esquerda da criação de um conselho próprio de direitos humanos dentro da Celac. “A Venezuela e o Equador querem, com isso, se esquivar da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos da OEA, que criticou recentemente a legislação de mídia desses países.

Chávez e Correa revidaram tais críticas, taxando-as de intromissão em questões internas de seus países. “Com a criação de um conselho de direitos humanos da Celac, eles esperam ser deixados em paz”, diz Thomas Fritz. Uma política externa e de segurança comum a todos os países latino-americanos também parece pouco realista, considerando o quão díspares são neste sentido as posições frente aos EUA.

O acordo militar entre a Colômbia e os EUA, que possibilita a tropas norte-americanas o uso de pontos estratégicos no país sul-americano, é uma pedra no sapato de outros países do continente, sobretudo da Venezuela. Estes países temem que a presença militar dos EUA no coração da América do Sul, dependendo dos interesses de Washington, possa não se ater às fronteiras colombianas.

Novo parceiro para a UE? 

Thomas Fritz observa que a evolução da nova aliança como parceiro reconhecido internacionalmente vai depender “de sua força de institucionalização”. A primeira prova de fogo será a próxima cúpula UE-América Latina no próximo ano em Santiago do Chile. O prognóstico de Fritz é que, de qualquer forma, as alianças de longa data desta região continuarão sendo interessantes parceiros de negociações para a UE. Com o México e o Chile, a UE já assinou acordos bilaterais de associação; com os países andinos (Peru, Bolívia, Equador, Colômbia) e com os Estados da América Central há negociações em andamento.

A Europa, contudo, diz Fritz, terá que aceitar, a médio prazo, que sua importância econômica e política para a América Latina irá diminuir. “A América Latina tem grande interesse em diversificar os mercados e a Europa, como mercado comprador, não pode concorrer com emergentes como a China e a Índia”, observa o especialista. A China hoje já é o mercado de exportações mais importante para o Chile, para a Argentina e para o Brasil, lembra Peter Rösler. “O boom da economia chinesa demanda matérias-primas em uma proporção que nem a Europa nem os EUA poderiam suprir”, afirma ele.

Para assegurar sua demanda crescente de matéria-prima e de alimentos, a China deverá investir cada vez mais diretamente na América Latina. “Quando a China constrói fábricas na América Latina, como por exemplo no setor automobilístico, as empresas alemãs irão ter que enfrentar a concorrência da Ásia dentro do continente”, prevê Rösler.

*Com informações de Deutsche Welle.


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