Solidão e política | Por Emiliano José

Emiliano José é jornalista, escritor e deputado federal pelo PT/BA. (Foto: Carlos Augusto (Guto Jads) - Jornal Grande Bahia)
Emiliano José é jornalista, escritor e deputado federal pelo PT/BA. (Foto: Carlos Augusto (Guto Jads) - Jornal Grande Bahia)
Emiliano José é jornalista, escritor e deputado federal pelo PT/BA. (Foto: Carlos Augusto (Guto Jads) - Jornal Grande Bahia)
Emiliano José é jornalista, escritor e deputado federal pelo PT/BA. (Foto: Carlos Augusto (Guto Jads) – Jornal Grande Bahia)

Está em Aristóteles ser o homem um animal político. Assim, com essa compreensão, o ser humano seria inerentemente político. Hannah Arendt irá contrariar essa formulação, ou enriquecê-la, ao defender que a política surge não no homem, mas sim entre os homens. A liberdade e a espontaneidade dos diferentes homens são pressupostos necessários para o surgimento de um espaço entre eles onde só então se torna possível a política. Isso explica a sua noção de que o sentido da política é a liberdade.

O homem, por isso, ao fazer política sempre necessariamente contracenando com outro, tornou-se dotado, de uma maneira especialmente misteriosa, do dom de fazer milagre – a saber, ele pode agir, tomar iniciativas, impor um novo começo. Esse agir, esse começar de novo, esse contracenar permanente com outros homens, é o que se denomina política, o que possibilita a civilização, permite um começar de novo, o surpreender, o avançar nas conquistas democráticas.

Faço essa introdução tomando de empréstimo noções de Hannah Arendt para repor a importância e a dignidade da política, que vem sendo permanentemente bombardeada nos tempos que vivemos, com ou sem razão. Em geral, nesse bombardeio, misturam-se alhos com bugalhos, e a crítica justa perde-se junto com equívocos que terminam por desqualificar inteiramente a política, como se ela não fosse uma necessidade da vida entre os homens.

Ao dizer que a política nasce entre os homens, Hannah Arendt está dizendo que ninguém faz política solitariamente, como parece óbvio, mas nem sempre o é. O objetivo da política é a garantia da vida em sentido mais amplo, ela dirá. Quanto mais quando a vida, toda a humanidade, está sob ameaça permanente desde meados dos anos 1940, com a invenção da bomba atômica, referência permanente dela, em vários de seus livros. Só a política pode salvar a todos, ao tentar, insistentemente, criar marcos civilizatórios democráticos capazes de eliminar a ameaça atômica.

Penso nas tantas pessoas que dizem descartar a política, que imaginam saídas individuais. Nos que cultivam a idéia de recolhimento ao núcleo familiar, numa solidão que os livre da política, que os alheie da dureza do mundo, que lhes dê paz. A solidão, boa eventual e momentaneamente para os que queiram deparar-se consigo mesmos, pode ser, também, a perda de confiança no outro, a abstinência diante do mundo, o medo da pluralidade, da confrontação com a riqueza dos diferentes, base da vida política.

Quem se recusa a viver no deserto, e o deserto são as condições nem sempre serenas da existência, quem não compartilha seu destino com os demais, com a pluralidade humana, não modifica a existência, não constrói o oásis, o mundo onde podemos nos mover em liberdade – são metáforas mais que apropriadas também de Hannah Arendt, e uma crítica dura aos que se alienam da existência, aos que recusam a política. Creio que a política nos ensina a conviver com o deserto e com o oásis, com a alternância dessas condições.

É no espaço público que o homem assume a responsabilidade pelo mundo, compartilha com os outros essa responsabilidade, coloca sobre seus ombros o destino comum. É com a política que ele abre caminho constantemente para uma convivência fraterna, o que não quer dizer isenta de conflitos e de diferenças, partes constitutivas da vida democrática, parte da política. Penso nos tantos que imaginaram ter encontrado seus oásis com o exercício de qualquer espécie de solidão. Podem até imaginar ter encontrado a paz por algum tempo.

Mas, o deserto volta a bater à sua porta, com sua aspereza e sua beleza. Sua impressionante diversidade, a maravilha da pluralidade sob a aparência da aridez. O mundo reclama o concurso de todos. Não há saída à margem, por mais que se tente. A preocupação com o mundo, o exercício da política, pressupõe algo como uma obrigação, um dever de se preocupar, como chega a dizer Hannah Arendt literalmente. Dela: “que a esperança repouse sobre aqueles que vivem apaixonadamente sob as condições do deserto e que podem agir com coragem: pois o que eles fazem é político”.

Viva a política!

*Emiliano José é jornalista, escritor e deputado federal pelo PT da Bahia.


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