Humanização da Justiça | Por João Baptista Herkenhoff

Fachada da sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília.
Fachada da sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília.
Fachada da sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília.
Fachada da sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília.

Creio que humanizar a Justiça deve ser preocupação de todos aqueles que lidam com o Direito: magistrados, advogados, membros do Ministério Público.

O ofício de jurista não se pode desligar do ser humano e fundar-se em abstrações. Os juristas estão vocacionados para a comunicação e o encontro.

No escritório… O cliente abre sua alma ao advogado. Relata segredos que a ninguém relatou. Deposita na consciência do outro seus direitos, suas preocupações, seus temores, sua vida.

No gabinete do juiz… Não apenas pleitos, demandas, requerimentos são ali depositados. Também lágrimas, dores, esperanças, apelo de ser ouvido.

O magistrado que se enclausura numa atitude excessivamente técnica fechará caminho para qualquer aproximação com ele. Não ouve as partes. Só reconhece existência legal aos autos: “o que não está nos autos não está no mundo”.

O apelo de ser escutado, além de um atributo inerente à condição humana, é também um direito de cidadania, como colocou Clémerson Merlin Clève, no seu ensaio “O cidadão, a administração pública e a nova Constituição”.

A humanização da Justiça exige a apropriação e o entendimento do universo de direitos de que as pessoas são portadoras. Freqüentemente, o que o cidadão comum quer saber é se tem ou não tem direito, em face de uma situação concreta. Não deseja, em princípio, litígio. Foi sábia a Constituição de 1988 quando determinou que caiba à Defensoria Pública proporcionar orientação jurídica, ao lado de seu dignificante papel de defesa dos necessitados. (Art. 134 da Constituição da República Federativa do Brasil).

Vejo como providência que humaniza a Justiça colocar os juízes perto dos litigantes. Se o habitante da periferia tem de subir escadas de mármore, para alcançar suntuosas salas, em palácios ainda mais suntuosos, a fim de pleitear e discutir direitos, essa difícil caminhada leva a uma ruptura do referencial de espaço, que é referencial de cultura, referencial de existência.

Agrava-se o constrangimento imposto ao cidadão, se juízos ou tribunais praticam o desrespeito de exigir determinado vestuário ou calçado para comparecer à Justiça.

Quando exercia a judicatura numa das varas de Vila Velha (ES), um operário mandou indagar, pelo porteiro dos auditórios, se trajando um macacão, e ainda mais, sujo de graxa, podia falar com o juiz.  Mandei que entrasse e disse, em voz alta, o que me pareceu ser uma lição de cidadania que, como juiz, não poderia omitir.

– “O senhor mandou perguntar se podia entrar nesta sala, vestido com um macacão sujo de graxa. Eu não digo apenas que o senhor pode, mas digo que o senhor honra este Fórum com sua presença, vestido com um macacão sujo da graxa do seu trabalho”.

O humanismo, na seara jurídica, não depende só de Leis e de Códigos. Depende da mudança de costumes e hábitos vigentes na vida judiciária, ainda viciada pelo formalismo, pela pompa sem sentido, pela vaidade, pelo mistério que esconde quando devia revelar.

A humanização da Justiça, da linguagem das partes, do próprio ambiente judiciário é uma empreitada para todos nós.

*João Baptista Herkenhoff, Juiz de Direito aposentado, pelestrante e escritor. E-mail: jbpherkenhoff@gmail.com


Discover more from Jornal Grande Bahia (JGB)

Subscribe to get the latest posts sent to your email.

Facebook
Threads
WhatsApp
Twitter
LinkedIn

Discover more from Jornal Grande Bahia (JGB)

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading

Privacidade e Cookies: O Jornal Grande Bahia usa cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com o uso deles. Para saber mais, inclusive sobre como controlar os cookies, consulte: Política de Cookies.