Covid-19: As contradições do ser-fragmentado e as maneiras de controles Pandêmico | Por Ângelo Augusto Araújo

Novas cepas do coronavírus tipo SARS-CoV-2 aumentam letalidade da Covid-19.
Novas cepas do coronavírus tipo SARS-CoV-2 aumentam letalidade da Covid-19.

Em Epidemiologia[1], sabe-se que cepas virais agressivas tendem a própria extinção, eliminam os seus hospedeiros, caso não encontre maneiras de contaminar novos indivíduos, essas cepas virais sucumbirão juntos com os infectados. Outros conhecimentos acumulados em Epidemiologia são que: Para controlar uma doença infecciosa que necessita de um vetor para propagação, deve-se de imediato fazer o controle do vetor; quando é possível, a profilaxia do hospedeiro com vacinas; o tratamento, quando a doença desenvolve, estará relacionado com a especificidade da doença e a síndrome fisiopatológica implicada. Exemplos:

  • Quanto mais virulento (agressivo) for um vírus, maior probabilidade de matar o hospedeiro e eliminar, consequentemente, os meios de propagação, contudo, deve-se controlar o vetor.
  • Quanto mais infeccioso (transmissível) é o vírus, maior probabilidade de transmissão, então, contagia-se com maior facilidade, deve-se controlar o vetor.
  • Quando o vírus sofre mutações e adquire maior virulência e infecciosidade, os riscos de alastramento que causa doenças e mortes tornam-se maiores, assim como, diminuem as chances das terapias profiláticas (vacinas) funcionarem de forma adequada, deve-se controlar o vetor.
  • Quando o agente infecioso não tem como vetor o ser humano, a exemplo da Dengue, tenta-se controlar o contato com o mosquito (vetor), fazendo dedetizações e eliminando os focos de reprodução do vetor. Entretanto, quando agente infeccioso utiliza o ser humano como vetor, nesse caso o coronavírus, propõem-se as medidas de mitigações para controlar o vetor, evitando, assim, o contato com futuros hospedeiros, consequentemente as replicações e os riscos de mutações virais.

O conhecimento do homem pós-moderno faz parte de uma sequência de debates que se iniciou na década de 60[2]. Naquela ocasião já existiam questionamentos relacionados com o desenvolvimento da tecnociência e as consequências que traria para a visão holística da vida. Hodiernamente, filósofos como Edgar Morin, vêm debatendo a necessidade da extensão do conhecimento transdisciplinar, a Complexidade[3]. Mas, qual é a relação que existe com as contradições do ser-fragmentado e as maneiras de controle da pandemia? Para responder de maneira simples esse questionamento, diria que tem tudo a ver.

Para entender a resposta desse questionamento, será exposto algumas argumentações sobre a fragmentação do ser. As decepções com as propostas cientificista da modernidade, tal como, a ruptura com paradigmas éticos, conduziram o homem pós moderno[4] ao individualismo e ao amorfismo das relações, assunto debatido em artigo – O outro é a culpa de tudo[5]. Desde a década de 70, engendrou-se a educação tecnicista, a qual favorece visão direcional do ser para uma dimensão que o relaciona ao desempenho de uma função na sociedade. Com isso, observa-se, por exemplo, médicos altamente especializados, todavia, sem a percepção do todo, de todo contexto social que está envolvido. Será comum observar opiniões em posse de uma visão unidirecional, contraditória e fragmentada de todo contexto. As redes sociais vêm permitindo observações sistêmicas de inúmeros profissionais, de diversas áreas, propagarem fatos desestruturados e desconexos com a realidade. Essa pandemia, a qual trouxe o medo da contaminação, sofrimento e morte, projetou aos olhos de alguns, os descompassos da falta de conexão do ser com o todo, a falta de uma visão holística, pouca leitura e baixo senso crítico, assim como, vêm expondo algumas pessoas, consideradas de sucesso profissional, ao ridículo, divulgando ponderações acríticas sem medidas das complexidades e suas consequências.

Retomando aos aspectos pandêmicos, ou melhor, Sindêmicos.  A complexidade das soluções para uma Sindemia, composta pelos contextos social, econômico e sanitário, perpassam da simples avaliação, unilateral, de somente uma óptica. Nessa Sindemia, não dará apenas para observar um ponto de vista, evidentemente: se a análise é pela óptica econômica chega-se a uma solução; portanto, se a análise é pela óptica social chega-se, lógico, a outra conclusão. Todavia, por tratar-se de uma Sindemia que tem origem sanitária, a óptica etiológica sindêmica observada, deverá ter uma ponderação mais clara e objetivamente direcionada, mas sem desprezo para a visão do todo. Em todas as questões relacionadas as “técnicas” de resoluções dos problemas, estão mais do que óbvias, prioriza-se as etiologias (causas) dos problemas. No caso da Sindemia, a causa é a propagação do coronavírus pelo vetor humano. Para conter a propagação do agente infeccioso, como exposto no primeiro parágrafo, tem que se controlar o vetor e fazer a profilaxia dos possíveis hospedeiros.

No caso do Brasil, o qual encontra-se em estado Sindêmico, e a pandemia como etiologia completamente descontrolada[6], impondo grande riscos de contaminação, mortes e colapso do sistema de saúde, o agente infeccioso está adoecendo o país inteiro, o que impactará em um ciclo vicioso de afastamento e queda da produtividade, desastres econômicos, psicossocial e sanitário[7]. Hodiernamente, as poucas saídas que nos restam é a contenção do vetor e profilaxia dos possíveis hospedeiros: restrições severas, testes em massa, rastreamento e isolamento dos infectados, e vacinas para todos, assuntos deveras debatidos aqui[8],[9]. Entretanto, como conjugar as consequências econômicas sociais em um país subdesenvolvido e com grandes desigualdades?

Para responder este argumento, as propostas mais radicais encontradas no meio dos debatedores fragmentados são sustentadas na denegação da pandemia, ou seja, acreditar que a pandemia não existe, ou existe soluções mágicas que resolverão todos os problemas com baixo custo, o que é comum ao sentimento de desespero, transtornos de ansiedade, depressão e baixo senso crítico. Não tem como percorrer esse caminho sem que ocorra aumento do desastre humano, assunto deveras debatido desde o início da pandemia. Nessa óptica mais grosseira, diferentemente dos países que protegem os mais vulnerados (pessoas com maior possibilidade de morte, mas menor exposição ao vírus pelo respeito a recomendações de mitigação), poder-se-ia priorizar a imunização inversa, ou seja, dos mais expostos a cadeia de transmissão (Pessoas na idade produtiva e escolares, por apresentar maiores índices de contaminações, maior possibilidade de propagação da doença e maior desobediência das propostas de mitigações). Nessa lógica, mesmo assim, sem as medidas de restrições severas, sem o isolamento e proteção dos vulnerados, não deixaria de ocorrer o colapso do sistema de saúde, e os resultados dessa estratégia obter-se-ia apenas 3 meses após a vacinação em massa. O que não deve ocorrer, de forma alguma, é, exatamente, o que está acontecendo, deixar a pandemia totalmente descontrolada em prol da defesa da economia[10]: baixa testagem, ausência de rastreio e isolamento dos infectados, poucas campanhas com orientações comunitárias, baixo índice de restrições e pouca vacinação.

Em outra lógica, dos pensamentos mais comumente observados e orientados pela a OMS (Organização Mundial de Saúde)[11], mas que devem ser adaptados para cada realidade sociocultural. A proteção de todos, principalmente, dos vulnerados, pela quebra da cadeia de transmissibilidade, a qual tem que ser interrompida pelas políticas de mitigação (máscaras, asseios, distanciamento, restrições, testagem em massa, rastreamento e isolamento dos infectados) e imunização, profilaxia. Dessa forma será a base concreta para cura da Sindemia. Comumente, escuta-se falar: “Saúde em primeiro lugar, o resto a gente corre a trás”.

Portanto, para quem advogam a unilateralidade de pensamentos fragmentados, por não entender a complexidade da situação Sindêmica, apela-se para melhores reflexões e a não propagação de informações desconjuntadas, porque as informações soltas e em mentes fragmentadas terão interpretações diversas, as quais não ajudarão na conjunção e objetivação, que é a eliminação do coronavírus e ao retorno normal das nossas vidas. Então, as soluções apresentadas para a Sindemia, partem-se do princípio de que: a sequência de fatos que sucedem com repercussões econômicas, sociais e psíquicas, tem a etiologia a pandemia pelo novo coronavírus, a qual adoeceu o país inteiro, por conseguinte, tratar das consequências sem enfrentar a causa, será como tratar os sintomas da doença sem cuidar da causa.

*Ângelo Augusto Araújo, MD, MBA, PhD (angeloaugusto@me.com), médico, pesquisador, doutor em saúde pública e doutorando em Bioética pela Universidade do Porto.


Referências

[1] SZKLO, Moyses; NIETO, F. Javier. Epidemiology: beyond the basics. Jones & Bartlett Publishers, 2014.

[2] DE HOLLANDA, Heloísa Buarque. Pós-modernismo e política. Rocco, 1991.

[3] MORIN, Edgar et al. Ciencia con consciencia. Barcelona: Anthropos, 1984.

[4] KAPLAN, Ann. O mal-estar no pós-modernismo. Zahar, 1993.

[5] Disponível em: https://jornalgrandebahia.com.br/2021/02/o-outro-e-a-culpa-de-tudo-por-angelo-augusto-araujo/, acessado em: 16/03/2021

[6] Disponível em: https://www.rtp.pt/noticias/mundo/pandemia-de-covid-esta-descontrolada-no-brasil_v1304507, acessado em: 16/03/2021

[7] Disponível em: https://jornalgrandebahia.com.br/2021/01/brasil-e-a-covid-19-geracao-de-novas-variantes-exportacao-isolamento-e-risco-de-maior-catastrofe-humana-por-angelo-augusto-araujo/, acessado em: 16/03/2021

[8] Disponível em: https://jornalgrandebahia.com.br/2021/03/covid-19-as-viagens-psicodelicas-das-fases-coloridas-que-estabelecem-as-restricoes-por-angelo-augusto-araujo/, acessado em: 16/03/2021

[9] Disponível em: https://jornalgrandebahia.com.br/2020/04/covid-19-epidemiologia-o-caminho-da-salvacao-por-angelo-augusto-araujo/, acessado em: 16/03/2021

[10] Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/03/04/paulo-guedes-primeiro-a-saude-sem-saude-nao-ha-economia.htm, acessado em: 16/03/2021

[11] Disponível em: https://www.who.int/news-room/feature-stories/detail/a-guide-to-who-s-guidance, acessado em: 16/03/2021


Discover more from Jornal Grande Bahia (JGB)

Subscribe to get the latest posts sent to your email.

Facebook
Threads
WhatsApp
Twitter
LinkedIn

Discover more from Jornal Grande Bahia (JGB)

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading

Privacidade e Cookies: O Jornal Grande Bahia usa cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com o uso deles. Para saber mais, inclusive sobre como controlar os cookies, consulte: Política de Cookies.