A ética econômica e os conflitos de valores, conciliação | Por Ângelo Augusto

Em 2015, o Papa Francisco propôs a teoria da Ecologia Integral, cujo enunciado encontra-se na encíclica ‘Laudato Si: sobre o cuidado da casa comum’.
Em 2015, o Papa Francisco propôs a teoria da Ecologia Integral, cujo enunciado encontra-se na encíclica ‘Laudato Si: sobre o cuidado da casa comum’.

“De acordo com o pensamento Gramsciano, o sistema econômico hegemônico difunde e influencia a formação dos valores culturais, sociais e práticas políticas em uma sociedade” [1]

A sociedade ocidental vive em meio aos conflitos existenciais [2] postos pelos valores religiosos cristãos, ética predominante, e pelo sistema econômico hegemônico, a qual cria os indivíduos homines economici. Nos princípios cristão, estabelece-se como ética da redenção: “amar ao próximo como a si mesmo”. Inserido em um sistema econômico hegemônico que conduz a atitudes individualistas, o homem contemporâneo carrega consigo esse conflito de difícil conciliação.

Os valores e práticas coletivas pregadas pelo pensamento cristão, conduz a sociedade a romperem com os sentimentos hedonistas individuais e propõem o gozo comunal e a busca eudaimônica para todos. Como pensar em amar ao próximo, se tenho que o superar? “Amar ao próximo como a si mesmo” representa tratá-lo sem indiferença, de forma igual, propor oportunidades para que o próximo tenha dignidade e possa viver tão bem quanto a qualquer outro individuo.

O sistema econômico predominante, capitalista na sua forma neoliberalista (neoclássico), segundo Hinkelammert[3], propõe uma ética da irresponsabilidade. Apoiada na economia de mercado, a qual desconsidera os valores humanos e da natureza, a racionalidade meio-fim que é a “irracionalidade do racionalizado”, por conseguinte, conduzirá ao esmagamento da natureza e vida humana. No pensamento do sistema econômico hegemônico, tido como economia de mercado, o problema, segundo Polanyi[4], é que o mercado se tornou o único mecanismo de integração social. No pensamento do sistema econômico hegemônico que conduz ao homem a atitudes individualista, assim como aumenta a insegurança do amanhã, o estabelecimento da relação com o outro está contida em um processo de exploração dos mais vulneráveis, por conseguinte, apoiado no consumismo, conduz a destruição dos recursos finitos da natureza, a economia descrevendo a sua própria ética e modelizando a moral social.

Na década de 60, surgiu os movimentos de contraculturas, que propunha um pensamento plantado nas bases ecológicas. Nesses pensamentos advém a origem de uma nova economia, dita como Economia Ecológica[5]. Nas bases fundacionais do pensamento dessa nova economia, estão elencadas as relações harmônicas percebidas na natureza, as observações de diversos ecossistemas, a visão ecológica da natureza-em-si. Nessa concepção rompe-se com os pensamentos individualistas, propõe a relação harmônica coletiva e sustentável.

Romper com os valores éticos hegemônicos plantados pelo sistema econômico, individualista, representa uma mudança de concepção cultural e social de extrema importância, tanto para a sustentabilidade humana quanto a do planeta. Tratando-se de valores hegemônicos, a ética cristã, em meio as contradições, sintetiza no seu processo de amadurecimento, novos caminhos, como os propostos pelo Papa Francisco no ‘Laudato Si: sobre o cuidado da casa comum’ [6].

Portanto, os conflitos existenciais do homem contemporâneo estão fundados nas bases da insustentabilidade econômica vigente, crise pós-moderna, a qual na sua lógica conduz a autodestruição da vida humana e destruição do planeta, somado a ética religiosa predominante, que por outro lado propõe pensamentos humanitários, coletivos, ambientais e sustentável. Em uma posição conciliatória, estabelecida nos princípios da sustentabilidade e da Justiça, o “laudato si” propõe a economia com mercado, não de mercado, a qual integralize a todos, universalize os direitos e deveres de modo equitativo, contemplando todo o planeta e as diferentes formas de vida. Esse processo de transformação e construção cultural terá que envolver tanto a esfera social e política, mirando o futuro melhor para todos, em uma ética ecológica integral [7].

*Ângelo Augusto Araújo, MD, MBA, PhD (angeloaugusto@me.com).


Referências

[1] KATZ, Hagai. Gramsci, hegemonia, e as redes da sociedade civil global. Redes. Revista hispana para el análisis de redes sociales, v. 12, n. 1, 2007.

[2]
MOREIRA, Jacqueline de Oliveira. A alteridade no enlaçamento social: uma leitura sobre o texto freudiano” O mal-estar na civilização”. Estudos de Psicologia (Natal), v. 10, n. 2, p. 287-294, 2005

[3] HINKELAMMERT, Franz Josef. Por una economía orientada hacia la vida. Economía y sociedad (2003), no. 22-23, 2003

[4] BLOCK, Fred. Karl Polanyi and the writing of the Great Transformation. Theory and society, v. 32, n. 3, 2003.

[5] MARTINEZ-ALIER, Joan. Economia ecologica. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa de Pós-Graduação em Economia, 1996.

[6] SUESS, Paulo. A proposta do Papa Francisco para o Sínodo Pan-amazônico de 2019: sinodalidade, missão, ecologia integral. Perspectiva Teologica, v. 51, n. 1, p. 15-15, 2019.

[7] ALVES, José Eustáquio Diniz. A encíclica Laudato Si’: ecologia integral, gênero e ecologia profunda/The Encyclical Laudato Si’: integral ecology, gender and deep ecology. Horizonte, v. 13, n. 39, p. 1315, 2015.


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