A filosofia do ser fragmentado: Pedagogia da Libertação, os caminhos de superação da Pedagogia Liberal Tradicional | Por Ângelo Augusto

Artigo debate a fragmentação do ser na sociedade de mercado e correlaciona com os processos e teorias educacionais.
Artigo debate a fragmentação do ser na sociedade de mercado e correlaciona com os processos e teorias educacionais.

Hodiernamente, as discussões ideológicas político-sociais, em meio as grandes desigualdades sociais e pandemia, permeiam os debates entre os seres fragmentados que compõem parte da sociedade. As contendas são compostas das desconexões dos fragmentos, pedaços isolados das informações, os quais tornam-se pouco fundamentados, de difíceis ligações nas contextualizações que constituem o todo, dentro dos aspectos culturais, sociais, sanitários e econômicos. Os seres-aí no mundo (SEIBT, 2010; MARQUES, 1998), nesse processo de alienação, desencontrados, subjugam questões importantes, reduzem e superficializam o conhecimento, absorvem o movimento dominante, perdem as suas identidades e autonomias (MÉSZÁROS, 2017), assim como, desconhecem seus posicionamentos no mundo, a sua relação social e com o planeta (FRANCO, 2011).

Nas bases estruturais da formação educacional do indivíduo, filosoficamente, estariam plantadas as filosofias essencialistas e não essencialistas (TARGA, 2015). Nas teorias educacionais filosóficas essencialistas, a educação do indivíduo é mirada, basicamente, em dois propósitos: a) filosófico – ideológico, ao qual a educação é direcionada a busca da essência do ser, no sentido do ideal voltado a imutabilidade do homem, dentro de um processo evolutivo, o ser é transformado pela educação. b) Ainda, de acordo com a filosofia educacional essencialista, a mira vira-se, também, à transformação do ser em um fiel religioso, o ser que deve enquadrar-se em uma ética e moralidade, dentro de um processo de regramento com a objetivação de atingir um propósito modelador de comportamento. Na filosofia educacional não essencialista, traduzindo a base rousseauniana, o foco passa a ser as potencialidades essenciais dos indivíduos, as quais devem ser observadas de forma natural, guiadas dentro de um processo pedagógico negativo que, com as bases fincadas na razão e sentimentos, a educação seria capaz de constituir o homem como ser autônomo (DE PAIVA, 2005).

Partindo dos princípios filosóficos essencialistas e não essencialista, nos transcorreres dos processos históricos, observam-se a educação sofrer modificações compostas pela temporalidade (ARANHA, 2006). Na modernidade, seguindo um rito epistemológico cientificista somados aos interesses da classe econômica em ascensão, a burguesia, funda-se a linha liberalista, com as estruturas de pensamentos essencialistas, as quais direciona a educação do homem para dois diferentes propósitos, dualismo: A educação da elite – intelectualismo e criticismo; e a educação popular – instrumentalização, mercado de trabalho (GARCIA, 2012). Na contemporaneidade, em meio a crise do pós-modernismo, resgatando as bases da educação não essencialista e somados as teorias educacionais histórico-sociais, aparecem a filosofia pedagógica progressista, definitivamente conhecida como Pedagogia histórico-social (TARGA, 2015).

A Pedagogia liberal tradicional, como enfatizado no parágrafo anterior, de cunho cientificista (behaviorismo), traz nas suas raízes essencialistas, os princípios que irão moldar o comportamento humano para uma finalidade social, instrumentalização (ARANHA, 2006). Tem uma estrutura magistrocêntrica, livresca, verticalizada, expositiva, a qual trata a relação professor, detentor do conhecimento, aluno, depositário das informações, de forma assimétrica (FREIRE, 2018). Na construção do processo de formação do educando, objetiva-se excluir a subjetividade, produzindo seres humanos com baixos sensos críticos, alienados de todo o contexto sociocultural. Na metade do século XX, seguindo o mesmo processo de formação voltado a atender as necessidades econômicas e manutenção do status quo, aparece a Pedagogia Tecnicista (ARANHA, 2006), a qual tem a finalidade de produzir técnicos especializados em determinadas questões, seres humanos alienados, com construção mecânica da consciência e instrumentalizado para o trabalho produtivo.

Na outra vertente pedagógica histórico-social, seguindo as ideias de integralização dialética / fenomenológica, no intuito de romper com a instrumentalização da formação humana, observando a educação não essencialista rousseauniana, após uma experiência da alfabetização de adultos em 45 dias, aparece no cenário nordestino brasileiro a Pedagogia da Libertação (TARGA, 2015). Tida como Pedagogia Progressista, histórico-social, parte da proposta de integralização dialética / fenomenológica composta pela relação horizontalizada, professor-aluno e o mundo sociocultural que o cercam (ANDREOLA, 2001). Nessa integralização, representada por trocas contínuas e problematizações, objetiva-se a desalienação do individuo, a percepção do seu posicionamento sociocultural, melhora do senso crítico, criatividade e a consequente libertação dos dogmas sociais que foram impostos de forma descendentes (FREIRE, 2018).

No Brasil, a estrutura filosófica pedagógica predominante é a liberal tradicional, em sua vertente tecnicista. Na maioria das escolas observa-se, como denominado por Paulo Freire, a Pedagogia Bancária (FREIRE, 2018). Como observado no quarto parágrafo, os estudantes tornam-se apenas repetidores e reprodutores de informações. Não se estimulam a criatividade, a subjetividade e criticidade, como consequência, a autonomia é desconsiderada (ANDREOLA, 2001). Portanto, surgem os seres de menores idades (KANT, 1985), heterônomos, de baixo sensos críticos, fragmentados, os quais, nos debates ideológicos político-sociais, demonstram desconexões dos pensamentos, representados pelas poucas fundamentações dos argumentos. Em muita das vezes, pela condução tecnicista da formação educacional do individuo, observa-se pessoas superqualificadas, que atingiram o grau máximo de formação, contudo, em uso de palavras “ocas”, desprovidas de conteúdo e significação político-social, sem a capacidade transformadora (TARGA, 2015). Conclui-se que os caminhos para a integração, tornar-se complexa a educação, os pensamentos, argumentações e suas fundamentações, apontam para as observações das individualidades do ser. Dentro do naturalismo rousseauniano (DE PAIVA, 2005), deve-se romper com os paradigmas da tradição pedagógica, fomentar a pedagogia negativa e a integralização dialética / fenomenológica, esse é um dos caminhos apontados para repensar o formato educacional dominante, no intuito de alcançar verdadeiros cidadãos com bons senso crítico em uma sociedade mais justa e igualitária, a Pedagogia da Libertação (ANDREOLA, 2001; FREIRE, 2018).

*Ângelo Augusto Araújo, MD, MBA, PhD (angeloaugusto@me.com).


Referências

ANDREOLA, Balduino A. Radicalidade ética da pedagogia do oprimido. Canoas, La Salle, p. 75-87, 2001.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. Moderna, 3ª Ed. São Paulo, 2006.

DE PAIVA, Wilson Alves. Festa popular e educação: um estudo de caso sob as reflexões de Rousseau. Brasília, Linhas críticas, v. 11, n. 21, p. 201-216, 2005.

FRANCO, Tânia. Alienação do trabalho: despertencimento social e desrenraizamento em relação à natureza. Salvador, Caderno CRH, v. 24, n. SPE1, p. 171-191, 2011.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da libertação em Paulo Freire. Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 2018.

GARCIA, Ronaldo Aurélio Gimenes. John Locke: por uma educação liberal. Campinas, Revista HISTEDBR On-Line, v. 12, n. 47, p. 363-377, 2012.

JÓFILI, Zélia. Piaget, Vygotsky, Freire e a construção do conhecimento na escola. Educação: teorias e práticas. Recife, v. 2, n. 2, p. 191-208, 2002.

KANT, Immanuel et al. O que é esclarecimento. Petrópolis, Vozes, p. 100-117, 1985.

MARQUES, Ilda Helena. Sartre e o Existencialismo. Revista Eletrônica Metavoia São João Del Rei: FUNREI. São João Del Rei, n. 1, p. 75-80, 1998.

MÉSZÁROS, István. A teoria da alienação em Marx. São Paulo, Boitempo Editorial, 2017.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio, São Paulo: Martins Fontes, 1995.

SEIBT, Cezar Luís. Temporalidade e propriedade em Ser e Tempo de Heidegger. Revista de Filosofia Aurora. Curitiba, v. 22, n. 30, p. 247-266, 2010.

TARGA, D. C. Filosofia, Educação e Sociedade. Palhoça: Unisul Virtual, 2015.


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