Outrora considerado uma potência ambiental, o Brasil sofre com desmonte de suas políticas de conservação desde a ascensão de Jair Bolsonaro. Neste Dia Internacional do Meio Ambiente (05/06/2021), o país não tem o que comemorar: relatos invasões e violência em unidades de conservação e terras indígenas dominam os noticiários; alertas de desmatamento registrados via satélite mostram alta de 41% no mês de maio em relação ao mesmo período de 2020.
“Estamos indo na contramão de tudo o que foi construído pelo Brasil durante muitos anos. É muito difícil construir a solidez das políticas ambientais, preservar e implementar. Mas desmontar é muito rápido. E recuperar isso talvez seja um exercício hercúleo”, afirma Thelma Krug, pesquisadora aposentada do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Com a redemocratização, as últimas décadas foram marcadas pela criação e implementação de políticas ambientais no país que detém a maior floresta tropical do mundo e que, ao mesmo tempo, é um dos maiores produtores de commodities agrícolas.
“Todo o arcabouço ambiental foi criado pra valer após Constituição. Da Política Nacional de Recursos Hídricos ao licenciamento ambiental e Política Nacional de Mudanças Climáticas”, diz Tasso Azevedo, coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima (SEEG) e do Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo no Brasil (MapBiomas).
Especialistas e pesquisadores ouvidos pela DW Brasil são unânimes: o movimento agora é no sentido contrário. “É a primeira vez que temos um período em que o governo age deliberadamente contra a agenda ambiental. Essa que essa é a novidade”, pontua Azevedo.
A seguir, a DW lista as principais conquistas ambientais do Brasil nas últimas décadas e como elas vêm sendo ameaçadas.
Meio Ambiente e a Constituição Federal
Depois de duas décadas de regime militar, a Constituição Federal de 1988 tentava limpar os resquícios do longo período de perseguições, censura e autoritarismo.
Junto a garantias de direito à liberdade, à vida, a Carta destinou um capítulo inteiro ao meio ambiente. Passava a ser obrigação do Estado defender e preservar o ambiente ecologicamente equilibrado para todos os brasileiros, inclusive para as gerações que ainda virão.
Além da proteção à natureza, a Constituição criou embasamento legal em torno dos direitos indígenas, quilombolas e povos tradicionais. “Era também uma resposta ao que acontecia na Ditadura Militar, em que o meio ambiente foi profundamente afetado, populações indígenas e quilombolas foram perseguidas e dizimadas”, lembra Carlos Nobre, climatologista associado ao Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP).
As décadas que se seguiram foram usadas para implementar o que previa a Constituição. A demarcação de terras indígenas, por exemplo, foi acelerada durante os dois mandatos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 2002 – até hoje o governo que mais executou esse tipo de processo.
Mas, desde que Jair Bolsonaro assumiu a presidência, em 2019, notícias sobre demarcações deram espaço a pedidos de investigação e denúncias. “Em todas as áreas, incluindo os direitos indígenas, o atual governo não está cumprido a Constituição”, afirma Tasso Azevedo.
Um dos casos mais recentes envolve ameaças aos indígenas Yanomami, em Roraima e Amazonas, e Munduruku, no Pará, que sofrem com ataques violentos e invasões de suas terras. Após a denúncia das violações feita pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso determinou que o governo federal adote medidas imediatas para garantir a proteção desses territórios e de seus povos.
Sistema de Monitoramento da Amazônia
A partir de 1988, o programa de monitoramento via satélite da maior floresta tropical do mundo, que tem 60% de sua porção no território brasileiro, passou a ser contínuo. A análise, feita desde então pelo Inpe, mostrou que o Brasil já desmatou mais de 800 mil quilômetros quadrados de Floresta Amazônica até 2020, área três vezes maior que o estado de São Paulo.
O programa, porém, começou às avessas: ainda durante a Ditadura Militar, no fim dos anos 1970, a vigilância via satélite tinha o objetivo de fiscalizar se a vegetação estava sendo destruída como o programado, já que o governo incentivava a substituição da mata nativa por fazendas.
Anos mais tarde, o país passou a sofrer uma grande pressão internacional por conta do aumento do desmatamento e os dados do programa foram fundamentais para criação de políticas de controle.
“O Brasil foi pioneiro em estruturar sistemas de monitoramento de florestas tropicais introduzindo novas ferramentas e abordagens, ao longo do tempo, para ampliar as questões de monitoramento. Adicionalmente, o Inpe teve um papel importante na comunicação com a sociedade ao tornar públicos os dados”, aponta Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília (UnB).
Foi essa transparência que permitiu que imprensa e organizações da sociedade civil soubessem o que acontecia no bioma. E quando os satélites indicaram uma alta no ritmo de corte da floresta no primeiro ano do governo Bolsonaro, a tentativa foi de desqualificar os dados.
Ricardo Galvão, diretor do instituto à época, foi exonerado ao defender o trabalho de monitoramento feito há mais de 30 anos. Semanas antes, Bolsonaro havia dito que os dados de alerta eram mentirosos e que Galvão estaria “a serviço de alguma ONG”.
Lei de Crimes Ambientais
Dez anos após a promulgação da Constituição, a Lei de Crimes Ambientais (n.º 9.605 de 12 de fevereiro de 1998) criou os instrumentos para punir quem destrói o meio ambiente. A legislação definiu as responsabilidades, centralizou e uniformizou as penas.
“Ela ajudou a melhorar a fiscalização com uso de imagens de satélite, por causa dela mais agentes ambientais foram contratados”, exemplifica Paulo Barreto, pesquisador sênior do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia, Imazon.
Uma das consequências foi a criação da lista pública de áreas embargadas por aqueles que descumprirem a lei, ou seja, que cortam a floresta ilegalmente. Desde 2008, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) permite a consulta das propriedades penalizadas. O guia oferece a localização e dados da infração para que bancos, por exemplo, considerem essas informações antes de ceder crédito.
Esse instrumento, na opinião de Barreto, foi importante para envolver o setor privado na luta contra o desmatamento ilegal. “O setor privado que compra de produtores de áreas embargadas passou a ter também responsabilidade. Isso trouxe grandes frigoríficos e traders de grãos para o jogo”, pontua Barreto, destacando ainda a importância da Moratória da Soja, de 2006, um acordo entre empresas e produtores que vetava a compra do grãos vindos de áreas desmatadas sem licença.
*Com informações do DW.
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