Denúncia de corrupção leva à renúncia do Ministro da Educação do Governo Bolsonaro; Milton Ribeiro foi gravado dizendo que montou um esquema ilegal de liberação de recursos

Milton Ribeiro foi gravado dizendo que montou um esquema ilegal de liberação de recursos, comandado por dois pastores, a pedido de Jair Bolsonaro.
Milton Ribeiro foi gravado dizendo que montou um esquema ilegal de liberação de recursos, comandado por dois pastores, a pedido de Jair Bolsonaro.

O escândalo no Ministério da Educação – mais um dos vários casos de corrupção no governo Jair Bolsonaro – só cresce, o que tornou insustentável a permanência de Milton Ribeiro no comando da pasta. O ministro acabou forçado a entregar sua carta de demissão a Jair Bolsonaro nesta segunda-feira (28/03/2022).

O caso veio à tona no último dia 18, quando o Estado de S. Paulo denunciou a existência de um gabinete paralelo com poder de apontar quais Prefeituras receberiam recursos do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). No comando desse gabinete, estariam dois pastores: Gilmar Santos, presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil, e Arilton Moura, seu assessor na entidade.

Três dias depois, em 21 de março, a Folha de S. Paulo divulgou áudio no qual Milton Ribeiro afirmava que priorizava as indicações feitas pelo pastor Gilmar porque esse era “um pedido especial que o presidente da República fez”.

Após a saída de Ribeiro ser confirmada, o ex-ministro da Educação Fernando Haddad (PT) lembrou que o governo Bolsonaro, que vem destruindo o MEC, vai para seu quinto ministro. “Em meio à destruição do MEC, vamos para o quinto ministro em menos de quatro anos. Propina em ouro e distribuição de Bíblia com foto do ministro. Volta do analfabetismo de crianças e jovens e nenhuma política pública anunciada. E a justiça querendo calar o grito contra tudo isso”, escreveu no Twitter (leia outras reações de parlamentares do PT abaixo).

O mais recente episódio dessa novela grotesca foi revelado na manhã desta segunda-feira pelo Estado de S. Paulo. Segundo o jornal, em julho de 2021, durante evento organizado pelo MEC em Salinópolis (PA), houve a distribuição de Bíblias que continham as fotos de Milton Ribeiro e dos pastores Gilmar e Arilton.

Os três estavam estavam presentes no evento, que contou ainda com a participação de Marcelo Ponte, presidente do FNDE. Ainda de acordo com o Estadão, o prefeito de Salinópolis, Kaká Sena (PL), apontado como o patrocinador das Bíblias, discursou na ocasião e agradeceu pelo “momento ímpar”, em que foi possível “aproveitar e sugar ao máximo o MEC, o FNDE”.

Pedidos de propina

Mesmo depois do áudio em que confessava o crime e envolvia Bolsonaro diretamente, Milton Ribeiro negou ter dito o que disse. E Jair Bolsonaro disse que “colocaria a cara no fogo” por Ribeiro.

Desde então, diversos prefeitos passaram a denunciar que os pastores amigos do ministro faziam pedidos de propina para liberar as verbas do FNDE. Um prefeito disse que o pastor Gilmar cobrou 1kg de ouro. Outro, vejam só, afirmou que a propina seria a compra de Bíblias para serem distribuídas na cidade que ele governa.

Após as denúncias, vários pedidos de investigação e afastamento de Milton Ribeiro foram feitos, inclusive por parlamentares do PT. Tanto a Polícia Federal quanto o Supremo Tribunal Federal abriram inquérito para investigar o caso. E Ribeiro é esperado para se explicar perante a Comissão de Educação do Senado na próxima quinta-feira (31).

A crise envolvendo pastores

As denúncias envolvendo a gestão de Ribeiro começaram há pouco mais de duas semanas com reportagens publicadas pelos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo.

Segundo elas, dois pastores evangélicos estariam cobrando propina de prefeitos em troca de acesso ao ex-ministro e para acelerar o processo de liberação de verbas do Fundo Nacional para Desenvolvimento da Educação (FNDE).

Em um áudio divulgado pela Folha de S.Paulo, Ribeiro disse que sua prioridade era beneficiar as cidades mais necessitadas e, depois, os gestores que fossem próximos aos dois pastores. Ainda de acordo com o áudio, ele afirma que essa priorização havia sido pedida pelo presidente Jair Bolsonaro.

Após as denúncias, Ribeiro deu entrevistas negando ter cometido qualquer irregularidade e que ele mesmo havia encaminhado duas denúncias sobre o caso para a Controladoria Geral da União (CGU). Em uma carta divulgada nesta segunda-feira, Ribeiro ele voltou a dizer que não cometeu nenhum ato irregular.

“Tenho plena convicção que jamais realizei um único ato de gestão na minha pasta que não fosse pautado pela correção, pela probidade e pelo compromisso com o erário. As suspeitas de que uma pessoa, próxima a mim, poderia estar cometendo atos irregulares devem ser investigadas com profundidade”, afirmou.

Na quinta-feira (24/03), Bolsonaro chegou a demonstrar apoio a Ribeiro durante uma transmissão ao vivo em suas redes sociais. Ele disse que as críticas ao ministro eram uma “covardia” e que ele colocaria sua “cara no fogo” pelo então ministro.

Na mesma transmissão em que Bolsonaro disse que colocaria sua “cara no fogo” por Ribeiro, ele também reclamou de pessoas próximas que estariam indicando nomes para substituir o ministro.

“Tem gente que fica buzinando: ‘Manda o Milton embora que a gente tem alguém pra indicar aqui’. Duvido botar para o público o nome, não faz isso porque se der errado a culpa é minha”, disse o presidente.

Centrão de olho

Fortalecido, o Centrão é o grupo favorito dentro do governo para emplacar o novo comando do MEC. O nome mais especulado para assumir o lugar de Ribeiro é o do diretor de ações educacionais do FNDE, Garigham Amarante Pinto.

Ele também atuou como assessor de parlamentares do atual PL, partido do presidente.

A pressão para obter o comando do MEC durante o governo Bolsonaro é mais um movimento de uma sequência que se intensificou a partir de 2020, quando o bloco começou a emplacar alguns nomes para cargos importantes na estrutura do ministério.

O principal deles é o presidente do FNDE, Marcelo Lopes da Ponte, que assumiu o cargo em 2020 e era chefe de gabinete de Ciro Nogueira. O ministro da Casa Civil é hoje um dos principais estrategistas da campanha à reeleição de Bolsonaro. Na época, a ala conhecida como ideológica do governo reagiu e fez críticas sobre o avanço do Centrão em direção ao ministério.

O FNDE funciona como se fosse uma espécie de “banco” vinculado ao MEC e é responsável pelo repasse de verbas destinadas à educação básica em todo o país. Em 2022, o órgão tem um orçamento de R$ 64 bilhões para 2022.

Para o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, Daniel Cara, a brecha para o Centrão aberta pela queda de Milton Ribeiro é motivo de preocupação.

“O Centrão sempre desejou a pasta da Educação. Eles já tinham o comando do FNDE e agora podem ter o ministério inteiro. Isso tem implicações porque antes eles só controlavam os repasses de recursos. Agora, poderão ter acesso ao órgão que formula as políticas públicas de educação”, afirmou.

Segundo Daniel Cara, a eventual chegada do bloco ao comando do MEC pode ter impactos diretos em setores como a regulação da educação superior privada.

“Há muito interesse de alguns setores ligados ao Centrão nos setores que controlam a abertura de novos cursos universitários. Creio que podemos esperar uma grande pressão para a abertura de cursos, especialmente de Medicina, porque são cursos que dão maior retorno financeiro para centros universitários”, disse.

*Com informações da BBC News.


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