‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’ em Cannes; “Obra de Glauber resiste ao tempo”, diz Paloma Rocha

Cena do filme 'Deus e o Diabo na Terra do Sol', de Glauber Rocha.
Cena do filme 'Deus e o Diabo na Terra do Sol', de Glauber Rocha.

O longa ‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’ retorna ao festival quase 60 anos depois de sua primeira exibição, em 1964, quando Cannes e o mundo descobriam o genial diretor baiano e o Cinema Novo brasileiro. Foi a primeira participação de Glauber no festival francês, que iria recompensá-lo com o Fipresci da Crítica Internacional por “Terra em Transe”, em 1967, e com o prêmio de melhor direção por “O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro”, em 1969.

A versão em 4k será apresentada em Cannes por Paloma Rocha, cineasta e filha de Glauber, e pelo produtor e cineasta Lino Meireles, que participou do projeto de restauração do filme.

A ideia de fazer a nova versão foi de Meireles, que queria “trazer para o digital filmes não muito acessíveis de Glauber”. Ele entrou em contato com Paloma, que propôs “Deus e o Diabo”. “Eu sabia que o negativo estava na Cinemateca Brasileira e conversei com o Lino sobre a importância de restaurar esse filme dentro do projeto de preservação da obra do Glauber”, diz ela.

A restauração contou ainda com a participação de Walter Lima Júnior, assistente de direção do filme, com o fotógrafo Luis Abramo e com o engenheiro de som José Luiz Sasso. “Foi um trabalho minucioso”, conta Paloma Rocha. A nova versão revela detalhes imperceptíveis da cópia em DVD que estava disponível até agora.

“Na minha opinião, é uma nova revelação. Eu vi coisas que eu nunca tinha visto ou ouvido no filme”, afirma a filha do diretor baiano, morto em 1981 aos 42 anos.

“Nada foi mudado. A gente apenas transformou o negativo original em digital”, indica Meireles. A intenção com o restauro é que as pessoas em Cannes, e depois no resto do mundo, “possam assistir ao filme como ele foi projetado aqui em 1964″. O ciclo se renova, diz ele. “‘Deus e o Diabo na Terra do Sol’ volta para o mundo”, celebra o produtor e cineasta brasiliense.

Crítica social

Paloma Rocha acha “inexplicável” o filme do pai ser o único longa brasileiro selecionado para o Festival de Cannes este ano. “Nós atravessamos esse processo cultural e econômico que o Brasil está passando nesse momento, e o filme chega pela própria força dele, a própria resistência”, avalia.

Glauber Rocha “volta ao seu certame original, que é o certame dos grandes cineastas do mundo”, destaca. “Que isso sirva de estímulo aos jovens diretores brasileiros”, espera a cineasta.

“Deus e o Diabo na Terra do Sol” é o primeiro longa da trilogia da Terra, de Glauber, que faz uma crítica social feroz com uma estética própria. Ele conta a história do vaqueiro Manuel que, explorado, abandona a fazenda onde trabalhava para seguir um beato e termina o filme integrando o bando do cangaceiro Corisco.

“A pretensão do Cinema Novo era explicar o Brasil para conscientizar o espectador”, recorda Meireles. “O que o Glauber faz no ‘Deus e o Diabo’ é mostrar mitos populares, a visão de um Brasil que busca uma liderença”, explica. “Ele refletia o Brasil do passado para fazer o país caminhar para um outro futuro”, estima o produtor.

“Todos os filmes tratam da mesma coisa: do mundo rico e do mundo pobre, do colonialismo”, acrescenta Paloma Rocha. “No caso, a briga pela terra que está acontecendo até hoje, e também da autocolonização, que é a questão do messianismo, que também está presente no Brasil de hoje”, aponta a cineasta. “É uma ideologia muito viva”, destaca a filha de Glauber. “Praticamente, o Brasil de hoje está traduzido neste filme”, conclui.

*Com informações de Adriana Brandão, da RFI.


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