Relatório publicado pela Transparência Internacional – Brasil sobre o cumprimento da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção (UNCAC, na sigla em inglês) pelo Brasil mostra que o país fortaleceu estruturas e importantes mecanismos anticorrupção desde a ratificação do tratado, em 2005, mas vem enfrentando, principalmente desde 2019, graves retrocessos que colocam em xeque todos estes avanços.
O país passa, no momento, pelo segundo ciclo do Mecanismo de Revisão de Implementação da UNCAC. Os países sorteados para conduzirem a revisão brasileira foram México e Portugal, com apoio técnico do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC). A avaliação havia sido suspensa por causa da pandemia da COVID-19, mas foi retomada recentemente.
A análise foi produzida pela representação brasileira da Transparência Internacional em parceira com a UNCAC Coalition, uma rede global de mais de 350 organizações da sociedade civil que monitoram o cumprimento da Convenção, e enviada à Controladoria-Geral da União (CGU), que a repassou formalmente aos países avaliadores e à ONU para que os dados e evidências possam ser utilizados pelos avaliadores em seu relatório final.
O relatório da Transparência Internacional – Brasil aponta, entre os principais progressos do Brasil desde a ratificação da Convenção, o fortalecimento institucional de órgãos como a Polícia Federal, a Controladoria-Geral da União e o Ministério Público Federal; a aprovação e a implementação da Lei de Acesso à Informação; o aprimoramento da Lei de Responsabilidade Fiscal; e avanços na integridade do serviço público, com o combate ao nepotismo e a regulação de indicações para cargos comissionados e cargos de diretoria e gerência de empresas estatais.
Esses marcos legais e institucionais vêm sofrendo graves retrocessos nos últimos anos. A interferência do governo federal em órgãos como a Polícia Federal, o Coaf e a Receita Federal, a perda de independência da Procuradoria-Geral da República, a imposição de sigilos ilegais e o esquema do “orçamento secreto” são alguns destaques. Com respeito à corrupção no sistema político, o relatório alerta para o aumento exponencial do recurso público para o financiamento partidário e eleitoral, acompanhado de enfraquecimento dos mecanismos de transparência e controle. Além disso, foram apontados os ataques sistemáticos do presidente Jair Bolsonaro a jornalistas e ativistas e campanhas de desinformação que ameaçam a integridade do processo eleitoral e o sistema democrático brasileiro.
Os retrocessos identificados no cumprimento da Convenção também têm impacto em áreas temáticas específicas, como na gestão ambiental. Dado que os crimes ambientais muitas vezes são viabilizados por práticas de corrupção e lavagem de dinheiro, os retrocessos mais gerais nessas áreas contribuíram com o aumento de tais ilícitos nos últimos anos. Além disso, o relatório aponta retrocessos específicos na governança ambiental, que aprofundam ainda mais o problema. Há evidência de menor transparência e qualidade de dados, especialmente a partir da interferência governamental no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE); redução dos espaços de participação social, como o ocorrido no Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA); e desmonte de órgãos ambientais, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), o que ameaça a capacidade de fiscalização e combate a crimes ambientais e práticas de corrupção e lavagem de dinheiro associadas.
Nesta terça-feira (20/09/2022), o presidente Jair Bolsonaro discursou na abertura dos debates de chefes de Estados na 77ª Assembleia-Geral das Nações Unidas (ONU), em Nova York. Em 2021, na mesma ocasião, o presidente afirmou que o Brasil estava “há 2 anos e 8 meses sem qualquer caso concreto de corrupção”, uma declaração recorrente que contraria investigações contra membros e ex-membros de seu governo pela Polícia Federal, Ministério Público e pela CPI da Covid-19, além de numerosas revelações apuradas pela imprensa sobre práticas associadas a corrupção e lavagem de dinheiro atribuídas ao próprio presidente e seus familiares. Ainda mais grave do que os casos individuais é o desmanche, vastamente documentado pelos relatórios da Transparência Internacional, dos marcos legais e institucionais de enfrentamento à corrupção no Brasil durante os quase quatro anos do governo de Jair Bolsonaro.
Diante destes retrocessos, os países revisores da UNCAC terão elementos para concluir que o Brasil não está cumprindo compromissos assumidos com a ratificação da convenção, o que pode prejudicar ainda mais a imagem e a inserção internacional do país, afetando inclusive o processo de adesão à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
“Se o Brasil não tomar medidas urgentes para reverter retrocessos e defender os avanços das últimas duas décadas, corre o risco de aprofundar seu isolamento na comunidade internacional. Os achados do relatório independente evidenciam um desmonte de órgãos, leis e práticas anticorrupção no país, indo no sentido contrário do mundo, que está ampliando e fortalecendo estes mecanismos”, alerta Vinicius Reis, um dos autores do relatório. A Convenção da ONU contra a Corrupção ganhou maior destaque recentemente, com o reforço das medidas anticorrupção e antilavagem de dinheiro por parte dos Estados Unidos e Europa contra oligarcas russos, que sustentam o regime de Vladimir Putin e sua campanha de guerra na Ucrânia. Assim como aconteceu após os atentados de 11 de setembro de 2001, as autoridades passaram a focar e atacar os vínculos entre corrupção, lavagem de dinheiro e o financiamento a ditaduras e o terrorismo internacional.
Entenda o mecanismo de revisão
A UNCAC é o único instrumento global vinculante de combate à corrupção, tendo sido ratificada por 189 países. A convenção foi assinada pelo Brasil em 2003 e ratificada em 2005. O tratado entrou em vigor para todos os países-membros em dezembro de 2005.
O Brasil passa pelo segundo ciclo de revisão, focado em dois capítulos específicos da convenção: o Capítulo II, que trata do fortalecimento institucional e das medidas de prevenção à corrupção, e o Capítulo V, que aborda os instrumentos e esforços para recuperação de ativos envolvidos em corrupção e lavagem de dinheiro.
O processo é conduzido pelo Mecanismo de Revisão de Implementação da UNCAC, sediado no Escritório das Nações Unidas sobre Droga e Crime, em Viena, na Áustria.
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