Acabou Chorare. Morre o poeta e compositor Luiz Galvão (22.04.1937 – 22.10.2022)

Luiz Galvão (22.04.1937 – 22.10.2022) Foto: Sora Maia/Divulgação
Luiz Galvão (22.04.1937 – 22.10.2022) Foto: Sora Maia/Divulgação

Já no Século XXI, recebo notícias que o poeta Luiz Galvão havia conhecido a luz da Hoasca (ayahuasca) e se tornou sócio de uma instituição ayahuasqueira, desde os anos 1990.

Até que em 2014 converso longamente com o poeta Luiz Galvão, após uma sessão no Salão do Vegetal, (re)apresentados por um amigo comum, e a minha frente fala, conta causos, declama poesias um senhor que, apesar da idade, tinha espirito de moleque risonho.

O poeta e compositor Luiz Dias Galvão, fundador do grupo musical Novos Baianos, morreu na madrugada de sábado, 22.10.2022 no Instituto do Coração (Incor), em São Paulo – SP, onde estava internado desde setembro.

Galvão lutava contra as sequelas de  um infarto, de 2017, e no dia 12 de setembro, ele foi vítima de um novo infarto em sua casa na capital paulista.

De que morreu Galvão? Aborrecido, o escritor Jorge Amado assim falava de sua frágil saúde, na idade provecta: é a Porra da Idade Chegando. Assim, ‘chegando’, no gerúndio. Este também provecto autor faz uma pequena correção do tempo verbal: é a Porra da Idade que Chegou.

É ferro na boneca

Os Novos Baianos surgem em 1968, e as músicas são assinadas por Moraes e Galvão. Em 1970 eles lançam o LP (disco) ‘É Ferro na Boneca’ (é no gogó neném), uma citação ao popular programa de rádio “Resenha do Meio-dia”, do radialista França Teixeira. Este era um programa tropicalista, pois começava executando o hino ao Senhor do Bonfim, na versão de Caetano Veloso.

Quando a numerosa banda musical se transfere para o Rio de Janeiro, eles vão residir numa chácara no estilo comunidade hippie, em Jacarepaguá. Desta época, Caetano Veloso lembra: “sendo (Luiz Galvão) de Juazeiro, atraiu João Gilberto para a casa coletiva em que viviam os membros do grupo. E isso definiu o caminho rico que se pode resumir no álbum Acabou Chorare mas se redobrou em muito mais”.

Este ‘casamento’ dos jovens roqueiros com o genial bossa-novista João Gilberto vai revolucionar a Música Popular Brasileira e influenciar gerações de cantores e compositores que passam a fazer um rock nacional misturado com ritmos musicais genuinamente brasileiros. No caso dos Novos Baianos, preferencialmente o samba. E surge o antológico disco Acabou Chorare (1972).

Novos Baianos Futebol Clube

Luiz Galvão era aficcionado por futebol. Leio nas redes sociais que a família quer enterrá-lo envolto na bandeira do Vasco da Gama. Em 1973 o grupo lança o disco Novos Baianos Futebol Clube. E se autodeclaram uma equipe, um time. No futebol, na vida e na música.

Lembro do entardecer nos verões do Porto da Barra, início dos anos 1980. Um concorrido ‘baba’ (pelada, jogo de futebol na areia da praia) ocorria diariamente. Reunia artistas e simples homens do povo. Luiz Galvão era figura contumaz e entusiasmada destas peladas.

Contarei nesta breve comunicação alguns causos, puxados pela memória distante. Se algo não condizer 100% com o rigor dos (possíveis) fatos, peço antecipadamente desculpas à família.

A poderosa TV Globo havia combinado de gravar um vídeo com a banda na chácara de Jacarepaguá. Para passar no Fantástico. No dia agendado a equipe de TV chega ao sítio com vários veículos, equipamentos de filmagem e som sofisticados etc… Encontram o sítio vazio. Cadê a banda?

Os Novos Baianos haviam esquecido totalmente do compromisso profissional para atender um irrecusável convite para uma pelada com vizinhos das proximidades…

Caia na estrada e perigas ver

O disco ‘Caia na estrada e perigas ver’ é de 1976, já sem a presença do band leader Moraes Moreira, que iniciara carreira solo. Baby Consuelo (Baby do Brasil) e Paulinho Boca de Cantor também começam a investir nas suas carreiras individuais. Logo depois, Pepeu Gomes e A Cor do Som. Passam-se alguns anos e o grupo se dissolve.

Luiz Galvão (22.04.1937 – 22.10.2022) Foto: Facebook
Luiz Galvão (22.04.1937 – 22.10.2022) Foto: Facebook

Vote em Galvão para liberar o morrão

Vamos ter notícias de Luiz Galvão em 1982, quando ele se lança candidato pela oposição (PMDB) a deputado federal. A luta pelo fim da Ditadura Militar (1964-1985) estava nas ruas, e esta campanha eleitoral precede as grandes manifestações pelas ‘Diretas Já’ para presidente da República, que ocorreram em 1983.

Parte considerável da campanha eleitoral de Luiz Galvão se dava entre estudantes, no Campus Universitário da UFBA. Sempre ao lado do também poeta e compositor Jorge Mautner, Galvão promovia debates por muitas faculdades, e este que vos escreve e sua trupe (grupo de amigos), os acompanhava aonde eles iam. Esse encontros tinham caráter de happening (festa), principalmente nas ‘rodas de fumo’ que se formavam após o evento, onde nos confraternizávamos.

No último comício eleitoral da campanha, no Largo do Campo Grande (Salvador – Bahia), praça lotada, antes dos candidatos a senador Waldyr Pires e a Governador Roberto Santos, os demais candidatos discursaram. Na vez de Luiz Galvão, assim ele explicou as desigualdades sociais brasileiras (lembrança de memória):

– Um número muito grande de brasileiros passam necessidades, uma grande maioria. Enquanto uma “biatinha” assim concentra quase toda a renda nacional – juntando os dedos polegar e indicador numa curtíssima distância.

Neste ano (1982), Luiz Galvão lança o seu livro ‘Geração Baseada’. Estive presente à noite de autógrafos na livraria Civilização Brasileira, no Farol da Barra (Salvador – Bahia).

Você pode fumar baseado

baseado em que você pode fazer quase tudo.

Porque o mal não se entra pela boca do homem.

O mal é o que sai da boca do homem.

(Pepeu, Baby, Galvão)

Mistério do Planeta

Já no Século XXI, recebo notícias que o poeta Luiz Galvão havia conhecido a luz da Hoasca (ayahuasca) e se tornou sócio de uma instituição ayahuasqueira, desde os anos 1990.

Até que em 2014 converso longamente com o poeta Luiz Galvão, após uma sessão no Salão do Vegetal, (re)apresentados por um amigo comum, e a minha frente fala, conta causos, declama poesias um senhor que, apesar da idade, tinha espirito de moleque risonho.

Besta é tu, besta é tu, poeta. Por que há outro mundo. E espero do fundo do meu coração que Deus e o Mestre lhe botem em um bom lugar.

Escreve Paulo Wenderson Moraes:

“Devo um tanto, em minhas composições, ao poeta Luiz Galvão, cuja agilidade no pensamento nos faz voar alto e pousar no último galho da árvore para admirar o mistério do universo. Fico sentido pela ausência material que a partir de hoje fará falta, mas fico feliz por um dia ter jogado bola com ele e seus filhos (…). Por ter ouvido de seus lábios a história de Acabou Chorare (…) Grato pela sua presença no planeta que iluminou o nosso caminho (…). Vá em paz Poeta juazeirense e que a família e amigos encontrem a conformação na eterna ligação espiritual”.

Axé.

Amém.

Novos Baianos – Poesias – Luiz Galvão


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