Medicina profilática distópica, a causa da doença | Por Ângelo Augusto

Campanhas preventivas de saúde estão sendo executadas de maneira apelativa, usando o medo, dentre outras abordagens, como estratégia para conscientizar as pessoas sobre os cuidados preventivos.
Campanhas preventivas de saúde estão sendo executadas de maneira apelativa, usando o medo, dentre outras abordagens, como estratégia para conscientizar as pessoas sobre os cuidados preventivos.

Nos últimos anos, com a melhoria do conhecimento médico sobre o corpo humano e das etiologias das doenças, observa-se frequentemente apelos promocionais para cuidados preventivos. De longe, sabemos que a prevenção certamente é a melhor maneira de cuidar e tratar das doenças potenciais. Não se questiona aqui, o papel importante sobre o debate médico relacionado com a visão estatística das potencialidades eminentes de doença, todavia, esse artigo propõe-se destacar a maneira como as campanhas preventivas estão sendo executadas.

Cotidianamente, visualizam-se anúncios em outdoors, banners de sites, matérias de jornais enfatizando as necessidades preventivas apoiadas no medo das experiências de um processo desastroso com a saúde. Alguns anúncios, de um modo geral, tornam-se apelativos, transformando o processo de checagem dos possíveis futuros transtornos, uma verdadeira “via crucies” para os pacientes, os quais ficam somente aliviados quando completam o ciclo de análise que serão submetidos. Alguns dos pacientes chegam a perder noites de sono e aumentam a possibilidades de somatização dos problemas.

Observando o processo de conhecimento técnico da medicina no decorrer dos anos, assim como o estímulo para manter o foco nas questões preventivas, percebe-se a existência de fatores que podem estar concorrendo para que ocorra o processo degenerativo e distópico do potencial das profilaxias:

  1. O primeiro fator a observar está vinculado a análise estatística bruta das publicações médicas, ou seja, o potencial da análise, vista dentro de uma óptica superficial, a qual são desconsideradas diversas variáveis, tendo em vista que a população escolhida para estudo nem sempre tem a semelhança da original, ou seja, da qual o estudo foi realizado. Desse modo, muitas das variáveis que não são consideradas em uma determinada população, podem se tornar fator impactante da reprodução de semelhanças entre as populações. Ainda, destacando a análise bruta, a simples observação das experiências estatísticas passadas não é uma condição para repetição dos fatos. Nesse ponto, simplesmente, pode se enfatizar os transtornos relacionados com as notificações e o correto diagnóstico. Vale ressaltar que a potencial arma da estatística precisa ser melhor estudada nos cursos de formação médica, assim como reflete a nossa insuficiência de conhecimento, no intuito de tentar conduzir o experimentalismo suportado pela repetição, destacando-se a diversidade do individuo.
  2. Um outro fator que poderá suportar esse processo degenerativo e distópico, é a superespecialização. O crescimento do número de especialista superespecializados, que distorce a necessidade da atenção médica primária, no que refere a resolução dos problemas da saúde coletiva, gera uma gama extensa de especialista que quando somando a má intepretação estatística e aos conflitos de interesse, conduz a super observação recorrentes e anúncios alarmantes de toda comunidade referente aos super cuidados(1). Ainda nessa óptica, observa-se interesse de terceiros que estimulam e convencem os profissionais a se somarem a esses cuidados. Além do mais, existem a pressão dos riscos potenciais de judicialização médica, a qual empurram a demanda dos super cuidados, caso os procedimentos não sejam adotados como “recomendados”.

Portanto, a problemática trazida para o debate e, de fato, conduzida para os conselhos de entidades médicas, tem por objetivo não desconsiderar a importância dos processos preventivos, profiláticos. Porém para que a medicina não perca o seu vínculo utópico, no sentido de que sempre possa favorecer uma boa saúde, e passe a ser uma questão distópica (medo existencial, refletido pelos transtornos de ansiedade, depressão e somatização) e degenerativa (desconsideração da relação humana e do propósito fundamental sobre os reais cuidados, coisificação), espera-se uma vigia mais intensa, coerência da propaganda médica(2), coordenação das atividades, vínculo da informação somados a programas de educação comunitária e estímulo a atenção básica como o real “gatekeeper(3)”, ou seja condutor das ações de grande importância.

No modelo atual de conduta, percebe-se ações desordenadas, aleatórias, somadas aos interesses particulares que rumam para o processo distópico e degenerativo.

A ferramenta profilática é um instrumento de grande importância para a saúde coletiva, porém as formas de divulgações devem ser usadas com sensatez e precisão, ponderando sempre os impactos que causarão. Caso contrário, em breve a empresa Pantone(4), que desenvolve cores para a indústria, ficará sem opções para a medicina.

*Ângelo Augusto Araújo, MD, MBA, PhD (angeloaugusto@me.com).


Referências

1 – Disponível em: https://www.scielo.br/j/bioet/a/JwTkfyWwgd4pfMffJzWMvHq/, acessado em: 03/02/2023

2 – Disponível em: https://www.scielo.br/j/bioet/a/r3Kbgt5Pj9Jwz3Wm7gSzsdt/?format=pdf&lang=pt acessado em: 03/02/2023

3 – Palavra inglesa usada para o médico que faz a triagem de procedimentos.

4 – https://www.pantone.com.br


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