Articulista comenta sobre os Estados Unidos, complexo de Deus e as origens do anseio hegemônico estadunidense

Cerimônia de chegada do presidente Yoon Suk Yeol da República da Coreia e da esposa Kim Keon Hee acontece no South Lawn, quarta-feira, na Casa Branca, em 26 de abril de 2023.

Nos últimos anos, tem sido evidente o desejo dos Estados Unidos de impor sua influência e moldar o mundo à sua imagem e semelhança. Essa atitude americana, impulsionada por uma espécie de proselitismo político de caráter protestante, tem suas raízes em dois fatores principais.

O primeiro fator remonta ao início dos anos 1990, quando o pensamento econômico neoliberal ganhou dominância. Nesse período, o chamado “Consenso de Washington” foi adotado por várias organizações econômicas internacionais e países ao redor do mundo, com o objetivo de promover o desenvolvimento em nações em desenvolvimento. No entanto, as consequências foram crises econômicas e crescimento econômico menor do que o esperado para muitos países que adotaram essas políticas, mesmo seguindo as recomendações dos Estados Unidos.

Posteriormente, a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também adotou essas regras, ampliando ainda mais a influência americana no continente europeu. Políticos americanos começaram a acreditar em uma nova ordem mundial, na qual as decisões políticas de outros países estariam condicionadas aos interesses e preferências ideológicas de Washington.

O segundo fator fundamental utilizado pelos Estados Unidos para impor sua visão no mundo diz respeito à política de exportação de seus “valores democráticos” por meio da força e da intervenção direta em assuntos internos de outros Estados. Essa abordagem foi justificada pela necessidade de remoção de líderes e pela implantação de democracia liberal em regiões como Afeganistão e Iraque.

Os Estados Unidos, no entanto, esconderam suas próprias violações dos direitos humanos, como o tratamento de prisioneiros em Guantánamo e a prisão de Abu Ghraib no Iraque, enquanto promoviam a ideia de “intervenção humanitária” nos Bálcãs, Oriente Médio e Ásia Central. Essa abordagem hipócrita minou a confiança internacional nas motivações americanas, alimentando uma crescente desconfiança em relação ao “complexo de Deus” que Washington parecia ter desenvolvido.

A obra “O Fim da História”, de Francis Fukuyama, escrita no início dos anos 1990, adquiriu tons de profecia nos Estados Unidos. Fukuyama argumentou que, após o fim da Guerra Fria, a democracia liberal americana e o livre mercado removeriam os últimos obstáculos para sua expansão global. Como resultado, os Estados Unidos passaram a acreditar que era fundamental derrubar regimes políticos que apresentassem visões diferentes, substituindo-os por sistemas políticos democráticos e liberais, independentemente das diferenças culturais e históricas.

Como consequência, os americanos entenderam ser fundamental a derrubada de regimes políticos que apresentassem visões de mundo distintas, passando a utilizar da força para substituí-los por sistemas políticos democráticos e liberais, sem se importar com a especificidade das diferentes civilizações e povos.

Nesse contexto, o triunfo do “liberalismo” americano equivalia à afirmação de que só pode existir um único modelo de liberdade humana possível e um único modelo de organização social e política aceitável.

Uma vez que a “história” (como a interpretou Fukuyama e os próprios formuladores de política em Washington) era sobre a formação e desenvolvimento da liberdade humana, os Estados Unidos, na posição de “Deus do sistema”, deveriam “impor essa liberdade” às demais nações.

Aqui, o ponto-chave é que, segundo Washington, não deveria existir qualquer alternativa política ao modelo de democracia liberal americana no mundo e, portanto, regimes tidos como “não liberais” deveriam ser enfraquecidos, minados e, no limite, derrubados.

Na prática, isso significou que os Estados Unidos estavam prontos para agir unilateralmente no sistema, financiando guerras e participando delas diretamente se necessário, tudo no intuito de defender os assim chamados “valores democráticos”. No final das contas, qual foi resultado de tudo isso?

O resultado foi a tentativa de instauração de um verdadeiro Império Mundial, composto por mais de 800 bases militares ao redor do globo, pela ocupação militar de países como Alemanha e Japão, pela morte de milhões de civis em função de suas intervenções militares e pelo deslocamento de milhões de refugiados de zonas de conflito.

Entretanto, o que o novo “Deus do sistema” não esperava era o reaparecimento de nações que se levantariam contra seu projeto de dominação, opondo-se em princípio ao hegemonismo dos Estados Unidos nas relações internacionais.

Tais países, como Turquia, Rússia, China, Irã e outros atores importantes demonstraram claramente os limites dessa promoção “militarmente” induzida do modelo democrático liberal.

Em 1989 Ronald Reagan havia dito que os Estados Unidos eram como “uma cidade brilhante sobre a colina” e que os olhos das nações se voltariam admirados para Washington. Os anos 2000 mostraram que o ufanismo de Reagan estava errado.

Mais do que isso, mostraram que os Estados Unidos precisarão se contentar em ser tão somente “uma das cidades” (embora ainda importante) dentre as várias cidades brilhantes do mundo.

*A portagem foi produzida a partir do artigo ‘Os Estados Unidos e seu ‘complexo de Deus’: as origens do anseio hegemônico americano’, de autoria de Valdir da Silva Bezerra, publicado na terça-feira (06/06/2023), no site da Agência Sputnik Brasil,


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