Novo PNE necessita atender desigualdades educacionais, segundo especialistas

Especialistas discutem a necessidade de políticas efetivas para garantir equidade no acesso e permanência escolar para populações vulneráveis durante audiência pública na Comissão de Educação e Cultura.
Especialistas discutem a necessidade de políticas efetivas para garantir equidade no acesso e permanência escolar para populações vulneráveis durante audiência pública na Comissão de Educação e Cultura.

A audiência pública da Comissão de Educação e Cultura (CE) ocorrida nesta segunda-feira (23/09/2024), abordou o novo Plano Nacional de Educação (PNE) 2024-2034, com foco nas desigualdades educacionais que afetam principalmente populações indígenas, negras e quilombolas. O evento, que marcou o quinto debate sobre o projeto de lei do governo (PL 2.614/2024), foi conduzido pelo senador Flávio Arns (PSB-PR). Durante a discussão, os participantes destacaram que o novo PNE deve incluir ações práticas que assegurem a equidade no acesso e na permanência escolar, além de simplesmente inserir dispositivos no texto legal.

O projeto de lei estabelece 18 objetivos, entre os quais se destaca a promoção do acesso à educação de qualidade em todas as etapas e modalidades para a educação escolar indígena, do campo e quilombola. No entanto, especialistas enfatizaram que a implementação dessas diretrizes deve ser acompanhada de políticas públicas concretas que atendam às especificidades e vulnerabilidades dessas populações. Adriana de Cássia Moreira, coordenadora da União de Núcleos de Educação Popular para Negras e para a Classe Trabalhadora (Uneafro), destacou a influência das desigualdades regionais, socioeconômicas e raciais no acesso à educação, e defendeu que o novo PNE deve contemplar as dificuldades enfrentadas por essas famílias para manter crianças e jovens na escola.

Os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) evidenciam a discrepância na matrícula em creches entre diferentes classes sociais. Segundo as informações, 26% das crianças de zero a três anos pertencentes aos 25% mais pobres estão matriculadas em creches, enquanto o índice sobe para 55% entre os 25% mais ricos. Adriana Moreira ressaltou a necessidade de garantir vagas em creches, especialmente para famílias em situações vulneráveis, como aquelas com membros privados de liberdade.

A questão do analfabetismo também foi abordada, com Adriana Moreira destacando que as taxas entre pretos e pardos são significativamente superiores às de pessoas brancas, conforme o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Enquanto 10,1% dos negros e 8,8% dos pardos não sabem ler e escrever, a taxa entre brancos é de 4,3%. A taxa entre indígenas é quase quatro vezes maior. Apesar da redução das diferenças entre brancos e negros nas taxas de analfabetismo entre 2010 e 2022, a especialista enfatizou a importância de considerar a equidade racial e de gênero como elementos centrais no novo PNE.

A necessidade de políticas de alfabetização que considerem a raça e o gênero foi destacada por Moreira, que argumentou que a atual Política de Alfabetização na Idade Certa não tem conseguido mitigar as desigualdades, pois se baseia em um modelo educacional que ignora as especificidades culturais das populações vulneráveis. A especialista argumentou que a proposta de “alfabetização na idade certa” deve ser reformulada para incluir diretrizes que atendam às realidades e desafios enfrentados por crianças em situação de vulnerabilidade.

Mônica Castagna Molina, representante do Fórum Nacional de Educação do Campo (Fonec), enfatizou a importância de respeitar as decisões tomadas na Conferência Nacional de Educação (Conae) no desenvolvimento do novo PNE. Ela apontou a necessidade de políticas afirmativas para garantir o acesso ao ensino fundamental e médio para populações do campo, indígenas e quilombolas. A falta de equidade na educação dessas populações é uma questão premente, conforme destacou, ressaltando a importância de priorizar as periferias urbanas, as comunidades tradicionais e as zonas rurais.

Flávio Arns lembrou a relevância do Projeto de Lei Complementar (PLP) 235/2019, que propõe a criação do Sistema Nacional de Educação (SNE), para alinhar as políticas educacionais em todas as esferas governamentais. O senador enfatizou que a responsabilidade pela execução do PNE é tripartite e requer a colaboração entre a União, estados e municípios. Ele destacou a importância de definir claramente as responsabilidades de cada ente em relação à formação de professores para a educação do campo e quilombola.

O Censo Escolar de 2022 revelou que, das 178,3 mil escolas de ensino básico no Brasil, apenas 1,9% estão localizadas em terras indígenas e 2% oferecem educação indígena por meio das redes de ensino. Arlindo Baré, coordenador do Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena (FNEEI), apresentou uma série de demandas urgentes para a educação indígena, incluindo a necessidade de garantir o acesso e a permanência dos alunos nas instituições educacionais, bem como a priorização do orçamento para políticas de educação nos territórios étnicos.

O fechamento de escolas do campo foi um ponto de preocupação expressado por Mônica Castagna Molina, que citou a diminuição significativa do número de instituições educacionais nessa área ao longo dos anos. Desde 1999, o número de escolas do campo caiu de 102 mil para menos de 40 mil, refletindo na redução do número de matrículas. Molina afirmou que essa situação contribui para a desistência escolar e compromete a continuidade da educação nas comunidades rurais.

Em relação à educação quilombola, foi mencionado que a taxa de analfabetismo entre essa população é 2,7 vezes maior do que a média nacional. Shirley Pimentel de Souza, professora quilombola e integrante do Coletivo Nacional de Educação da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), destacou que a oferta de uma educação de baixa qualidade e o fechamento de escolas são fatores que levam à desistência escolar, citando o impacto negativo do ambiente escolar violento e da falta de recursos.

Por fim, os especialistas ressaltaram a importância de capacitar professores indígenas e quilombolas, assim como a necessidade de garantir a permanência desses profissionais nas escolas das comunidades. Um plano de carreira adequado pode ajudar a reduzir a vulnerabilidade desses professores em relação a pressões políticas locais, garantindo a continuidade do trabalho educacional nas comunidades.

O novo PNE, que estabelece diretrizes para a educação nos próximos dez anos, apresenta 58 metas e 252 estratégias para sua implementação. O PNE vigente, de 2014 a 2024, foi prorrogado até 31 de dezembro de 2025, enquanto o novo projeto de lei segue em tramitação.

*Com informações da Agência Senado.


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