“Deus, por que me abandonaste?”: o sentido espiritual e doutrinário da fala de Jesus segundo Joseval Carneiro

A célebre frase de Jesus na cruz, tradicionalmente interpretada como expressão de abandono, é analisada sob a ótica do espiritismo segundo Joseval Carneiro. O autor rejeita a ideia de ruptura com Deus, propondo que Cristo, em seu último ato, glorificava o Pai. A leitura reformula a compreensão do sofrimento como instrumento de fé e redenção.
Cena da crucificação de Jesus levanta debates sobre a frase proferida por ele. A interpretação espírita rejeita a ideia de abandono divino e propõe um novo entendimento teológico da dor e do sacrifício.

À sombra simbólica da cruz, ressurge um dos trechos mais enigmáticos da narrativa evangélica: “Eli, Eli, lamá sabactani?”, traduzido por muitos como “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”. O escritor Joseval Carneiro, na obra O que não disse Jesus, reinterpreta essa fala à luz da doutrina espírita, rejeitando o abandono divino e apontando para um clamor de glorificação.

A frase na tradição cristã

“Eli, Eli, lamá sabactani?” é registrada nos Evangelhos de Mateus e Marcos como sendo pronunciada por Jesus no momento final da crucificação. Tradicionalmente, ela tem sido compreendida como expressão de desespero, dor extrema ou até crise de fé no Pai Celestial. Essa leitura influenciou séculos de cristianismo dogmático, reforçando a ideia de sofrimento absoluto de Cristo e da separação temporária entre o homem e Deus.

A crítica espírita à noção de abandono

Para Joseval Carneiro, essa leitura tradicional seria incompatível com a coerência da missão e do ensinamento de Jesus. No capítulo “Senhor, por que me abandonaste?”, o autor sustenta que:

  • Jesus jamais afirmaria ter sido abandonado por Deus, pois tal declaração violaria os princípios de confiança e harmonia com o Criador pregados ao longo de sua vida pública;

  • A expressão teria sido mal traduzida ou mal compreendida devido às limitações semânticas da língua hebraica, segundo análises filológicas de estudiosos citados por Carneiro;

  • A intenção real do Cristo seria a de glorificar o Pai em seu momento final, exclamando: “Senhor, Senhor, como quero glorificar-Te!”

Abordagem linguística e contextual

Joseval recorre ao argumento da pobreza lexical do hebraico antigo, que atribuía múltiplos significados a um mesmo termo, como base para questionar a literalidade da tradução. Ele enfatiza que Jesus falava em aramaico e hebraico, mas usava o latim para se comunicar com soldados romanos, como ao proferir “consumatum est” – “tudo está consumado”.

Para Carneiro, Jesus concluiu seu ministério com elevação moral e plena consciência de sua missão redentora, e não com angústia existencial.

Implicações teológicas e espirituais

A leitura oferecida por Joseval Carneiro aponta para uma reconstrução da figura de Jesus não como um homem derrotado, mas como um espírito consciente, fiel ao Pai até o último instante, mesmo na dor.

Essa visão:

  • Rejeita o antropomorfismo teológico que projeta fragilidades humanas no Cristo;

  • Valoriza a harmonia entre dor e fé;

  • Consolida o princípio de que Deus jamais abandona nenhuma criatura, como prega o Espiritismo codificado por Allan Kardec.

Crítica e atualidade da mensagem

Ao reinterpretar uma das passagens mais dolorosas da Paixão, o autor baiano oferece não apenas um contraponto teológico, mas também uma ferramenta de consolo espiritual, ao sustentar que nem mesmo a dor extrema representa abandono, mas glorificação e missão cumprida.

Essa reflexão ganha relevância em tempos de sofrimento coletivo, como durante pandemias, guerras e crises sociais. A fé racional e a confiança na justiça divina são reafirmadas como alicerces para enfrentar a dor com dignidade.

Referência espiritual

“Nunca o mestre Jesus iria profanar tudo aquilo que fizera e dissera em toda sua vida, suscitando o abandono do Pai.”
(O que não disse Jesus, Joseval Carneiro, cap. 1)

Perfil do autor

Joseval Carneiro (joseval@plenus.neté ex-diretor do DETRAN-DF e do Conselho Estadual de Trânsito da Bahia, delegado de Polícia aposentado com especialização nos Estados Unidos, membro da Associação Bahiana de Imprensa (ABI) e vice-presidente da Academia de Cultura da Bahia.


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