O envenenamento como fonte de lucro | Por Thiago Vieira

O episódio revela como a fragilidade na fiscalização e as brechas legais permitem que o crime organizado explore lacunas para lucrar com atividades criminosas. A adulteração de bebidas com metanol demonstra o nível de audácia e crueldade das quadrilhas, que arriscam vidas em larga escala. A reação do Congresso, ao discutir a transformação desse crime em hediondo, é um passo importante, mas evidencia também uma postura reativa, que só se manifesta após mortes ocorridas. O desafio agora será garantir que a lei seja aplicada de forma efetiva, evitando que a impunidade alimente novos episódios de envenenamento coletivo.
Brasil enfrenta crise de envenenamento por metanol em bebidas falsificadas, com sete mortes confirmadas. Congresso discute tornar a prática crime hediondo; autoridades reforçam fiscalização.

Nos últimos meses, o Brasil tem enfrentado uma onda alarmante de intoxicações por metanol ligadas à falsificação de bebidas alcoólicas. Entre agosto e outubro de 2025, foram notificadas dezenas de casos, concentrados principalmente em São Paulo, mas também em Pernambuco. Pelo menos sete pessoas já perderam a vida, e muitas outras apresentaram sintomas graves após consumir bebidas adulteradas.

As investigações sugerem que o crime organizado esteja desviando metanol — um produto originalmente usado para adulterar combustíveis — para a produção clandestina de bebidas. Em operações de fiscalização, foram apreendidas garrafas de vodca e outros destilados com lacres falsificados e adulterações grosseiras.

Diante da gravidade, autoridades federais e estaduais intensificaram a fiscalização e abriram inquéritos policiais. Um projeto de lei avança no Congresso para classificar a falsificação de bebidas com substâncias tóxicas como crime hediondo. Enquanto isso, a população é orientada a comprar apenas de estabelecimentos confiáveis, checar lacres e selos fiscais, exigir nota fiscal e nunca consumir produtos de procedência duvidosa.

Mas afinal, o que é o metanol? Trata-se de um álcool simples, incolor e inflamável, usado na indústria para fabricar solventes, plásticos, resinas e combustíveis. À primeira vista, parece com o etanol, o álcool presente nas bebidas. A diferença é que o metanol é um veneno letal: no organismo, ele se transforma em substâncias que causam acidose grave, danos ao nervo óptico e ao sistema nervoso central. Os efeitos podem surgir com pequenas quantidades, provocando náusea, dor abdominal, visão borrada e até cegueira irreversível e morte.

Esse cenário revela a dimensão do risco: não se trata apenas de uma fraude comercial, mas de um envenenamento coletivo em troca de lucro. Pessoas foram deliberadamente expostas a um produto letal. É urgente que os responsáveis sejam identificados, investigados e punidos com o rigor da lei.

Este texto é, ao mesmo tempo, uma forma de informar e de desabafar. Porque é inconcebível que vidas sejam tratadas com tamanho descaso. Que as vítimas e suas famílias encontrem amparo, e que tragédias como essa jamais voltem a acontecer.

*Thiago Vieira, médico oncologista clínico, atua no diagnóstico e tratamento de diversos tipos de câncer. Comprometido com a assistência integral ao paciente oncológico, dedica-se também à educação em saúde e à divulgação científica, com o propósito de tornar a informação médica mais acessível e próxima da comunidade.

*Contato através do e-mail: thiagosanvieira@hotmail.com


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