O advogado, jornalista e professor Joseval Carneiro examina a célebre frase bíblica “Senhor, por que me abandonastes?”, tradicionalmente associada às últimas palavras de Jesus na cruz: “Eli, Eli, lama sabactani”. A expressão, consagrada ao longo dos séculos como símbolo máximo de sofrimento, aparece nos Evangelhos como um clamor que, segundo a tradução usual, revelaria angústia e sensação de abandono.
Na análise, Joseval Carneiro questiona se essa interpretação corresponde, de fato, ao sentido original do texto. Ele destaca que, conforme estudos filológicos, o termo “sabactani” apresenta polissemia, podendo significar não apenas “abandonar”, mas também “glorificar”. Essa ambivalência linguística abre espaço para uma leitura distinta, segundo a qual Jesus não expressaria desespero, mas afirmaria sua disposição de exaltar o Pai no momento derradeiro.
A reflexão sobre o contexto da crucificação
Joseval Carneiro sustenta que não haveria, no momento final da crucificação, coerência narrativa ou espiritual para que Jesus expressasse desespero ou um sentimento de abandono. Ele recorda que, segundo os Evangelhos, Cristo:
- Prometeu ao “bom ladrão”: “Ainda hoje estarás comigo no Paraíso”;
- Entregou o espírito ao Pai, reafirmando confiança absoluta;
- Confiou Maria ao apóstolo João, gesto de continuação e cuidado;
- Jamais murmurou contra a vontade divina, mesmo sob intensa dor.
Esses elementos, conforme argumenta, tornam improvável a ideia de blasfêmia ou desespero. Para o autor, a leitura literal — e exclusivamente negativa — de “sabactani” não se sustenta quando confrontada com o conjunto do relato bíblico.
A polissemia da palavra e a interpretação alternativa
Joseval Carneiro compara o possível equívoco de tradução a exemplos do português, como a palavra “manga”, que assume múltiplos sentidos (fruta, peça de roupa, parte de pasto ou forma verbal). Da mesma forma, “sabactani” poderia carregar significados distintos, dependendo do contexto.
Segundo ele, essa ambiguidade linguística abriu margem para uma compreensão equivocada ao longo dos séculos. A interpretação tradicional, difundida pelas traduções vulgata e posteriores versões bíblicas, teria consolidado a ideia de abandono, obscurecendo outros sentidos possíveis.
A contribuição do general-filólogo Milton O’Relly
A versão destacada por Joseval Carneiro atribui ao General Milton O’Relly, especialista em estudos filológicos, uma explicação alternativa para a expressão. Conforme citado no artigo, O’Relly interpreta “sabactani” como:
“Senhor, Senhor, como quero glorificar-Te.”
Essa leitura altera completamente o sentido da exclamação de Jesus, deslocando a frase do plano do sofrimento para o plano da oferta espiritual e da glorificação. Carneiro adota essa explicação como mais coerente com o conjunto da narrativa bíblica e com a compreensão teológica tradicional de Cristo como modelo de entrega, não de desespero.
O debate teológico e a permanência do tema
A discussão trazida por Joseval Carneiro reabre um campo vasto de debates exegéticos e linguísticos sobre o Novo Testamento. A frase “Eli, Eli, lama sabactani” aparece em Mateus 27:46 e Marcos 15:34, sendo fonte de divergência interpretativa desde os primeiros séculos do cristianismo.
A hipótese de que “sabactani” signifique glorificação encontra resistência entre biblistas, mas abre espaço para interpretações simbólicas do sofrimento de Cristo, aproximando a expressão de uma oração de entrega, e não de abandono.
*Advogado, jornalista, escritor e professor, Joseval Carneiro (joseval@plenus.net) reúne sólida trajetória no serviço público e na vida intelectual baiana. É delegado de Polícia aposentado, com especialização realizada nos Estados Unidos, e exerceu as funções de diretor do Detran do Distrito Federal e do Conselho Estadual de Trânsito da Bahia. Integra a tradicional Associação Bahiana de Imprensa (ABI) e ocupa a vice-presidência da Academia de Cultura da Bahia, destacando-se por sua atuação jornalística, produção literária e dedicação às instituições culturais.
Share this:
- Click to print (Opens in new window) Print
- Click to email a link to a friend (Opens in new window) Email
- Click to share on X (Opens in new window) X
- Click to share on LinkedIn (Opens in new window) LinkedIn
- Click to share on Facebook (Opens in new window) Facebook
- Click to share on WhatsApp (Opens in new window) WhatsApp
- Click to share on Telegram (Opens in new window) Telegram
Relacionado
Discover more from Jornal Grande Bahia (JGB)
Subscribe to get the latest posts sent to your email.




