A declaração oficial da 16ª cúpula do Brics, divulgada na quarta-feira (23/10/2024), destaca a urgência de reforma dos organismos internacionais, em especial do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e do Fundo Monetário Internacional (FMI). O objetivo é ampliar a representação e a influência dos países menos desenvolvidos no cenário global.
O documento, intitulado Declaração de Kazan em referência à cidade russa onde a cúpula foi realizada, possui 43 páginas e abrange 134 itens, abordando temas centrais da agenda internacional, como as mudanças climáticas, a regulação da inteligência artificial e os conflitos em diversas regiões do mundo.
A declaração enfatiza a construção de uma nova ordem mundial multipolar, que favoreceria uma distribuição mais equitativa do poder global.
“A multipolaridade pode expandir as oportunidades para países em desenvolvimento e mercados emergentes, desbloqueando seu potencial construtivo e garantindo benefícios para todos”, afirma o texto.
Os líderes do Brics solicitam reformas na governança global para refletir a nova realidade econômica e geopolítica. O grupo manifestou apoio à reforma das instituições de Bretton Woods, visando a inclusão de países em desenvolvimento em posições de liderança, alinhando suas capacidades com sua contribuição para a economia global.
“Apelamos à reforma das instituições de Bretton Woods, incluindo a expansão da representação de países em desenvolvimento”, destaca a declaração.
Na reunião, que contou com a participação por videoconferência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da China, Xi Jinping, reiterou a importância da cooperação entre os países do Sul Global e a reforma das instituições internacionais.
“O ritmo da reforma da governança global tem estado em descompasso com as rápidas mudanças no equilíbrio do poder internacional”, afirmou Xi. Ele enfatizou que a cúpula deve estabelecer diretrizes para a cooperação entre os Brics e abrir um novo capítulo para a unidade no Sul Global.
O conceito de Sul Global refere-se a países em desenvolvimento e emergentes, predominantemente localizados no Hemisfério Sul. Segundo Paulo Borba Casella, coordenador do Grupo de Estudos sobre o Brics da Universidade de São Paulo (USP), a Declaração de Kazan inova ao mencionar a possibilidade de expansão do bloco com a inclusão de novos membros. Casella observou que a construção de um mundo multipolar ainda requer uma organização eficiente.
“A ideia pode ser promissora, mas depende da forma como os países do Brics e seus novos aliados se organizam”, disse.
O documento reafirma a intenção de expandir a parceria do Brics com países em desenvolvimento e mercados emergentes.
“A expansão da parceria do Brics continuará a promover o espírito de solidariedade e verdadeira cooperação internacional”, informam os países membros. Além disso, a declaração menciona a necessidade de implementar mecanismos de financiamento e comércio utilizando moedas locais, buscando reduzir a dependência do dólar americano. “Incentivamos o uso de moedas nacionais para transações financeiras entre os países do Brics e seus parceiros comerciais”, acrescenta o texto.
O conflito armado é abordado na declaração, que menciona os principais conflitos globais, incluindo os da Ucrânia, Líbano, Sudão e Palestina. Em relação à guerra na Faixa de Gaza, os membros do Brics expressaram preocupação com a escalada do conflito, pedindo um cessar-fogo imediato e a libertação dos reféns, além de condenar o deslocamento forçado de civis e os ataques a instalações humanitárias.
“Confirmamos nosso apoio à admissão do Estado da Palestina como membro pleno da ONU, em um compromisso inabalável com a coexistência de dois estados, fundamentada no direito internacional”, afirmam os líderes do Brics. O texto também expressa preocupações em relação ao Líbano, condenando as mortes de civis e os danos à infraestrutura civil devido aos ataques israelenses. “Apelamos ao fim imediato da guerra”, afirmam os países, caracterizando as ações de Israel como terrorismo.
Em relação à guerra na Ucrânia, iniciada com a invasão russa em fevereiro de 2022, a declaração pede que todos os estados envolvidos atuem de acordo com os princípios da Carta da ONU, expressando satisfação com as iniciativas de mediação voltadas para a resolução pacífica do conflito.
A declaração também critica as sanções econômicas impostas unilateralmente por potências ocidentais, que afetam países como Venezuela, Rússia, Irã, Cuba e China. Paulo Borba Casella, professor de direito internacional da USP, apontou que a declaração omite que algumas sanções são consequências da invasão russa na Ucrânia.
“A Declaração não menciona que as sanções existem em função de ações específicas que motivaram a resposta internacional”, concluiu.
Cúpula do BRICS e o papel da Rússia no cenário internacional
Encerrada em 24 de outubro, a 16ª Cúpula do BRICS, realizada em Kazan, demonstrou a relevância da Rússia no contexto internacional, desafiando a narrativa ocidental sobre seu isolamento. O evento reuniu representantes de 36 países e discutiu temas cruciais para o desenvolvimento das nações do Sul Global.
O pesquisador Marco Fernandes, do Instituto Tricontinental, avaliou que a Rússia teve um desempenho notável na presidência do BRICS, conduzindo cerca de 200 reuniões ao longo do ano. Segundo Fernandes, a cúpula foi um “sucesso diplomático”, reforçando a presença russa no cenário global e contrabalançando as alegações de isolamento.
A ampliação do BRICS foi uma das principais deliberações. Cinco novos membros permanentes foram confirmados: Irã, Egito, Etiópia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. Além disso, 13 países foram convidados a se tornarem parceiros associados. Argélia, Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Turquia, Uganda, Uzbequistão e Vietnã deverão decidir se aceitam a proposta. A adesão de nações como Cuba é vista como uma oportunidade para impulsionar parcerias econômicas, especialmente através do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) do BRICS.
Fernandes salientou que a entrada de economias emergentes, como Malásia e Indonésia, também é positiva, pois essas nações têm potencial significativo para aumentar a influência do BRICS, que passaria a representar aproximadamente 43% do PIB global. O grupo se tornaria um ator crucial em questões energéticas e alimentares, controlando quase 50% das reservas de petróleo e 60% das reservas de gás do mundo. O BRICS seria responsável por 74% do arroz, 44% do milho, 48% da soja e 56% do trigo global, conforme as estimativas.
A cúpula também discutiu a criação de um sistema de pagamento alternativo ao SWIFT e a viabilização de negociações em moedas locais, buscando reduzir a dependência do dólar. O professor Laerte Apolinário Júnior, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), destacou a presença da Turquia como um marco, sendo o primeiro país da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) a estabelecer relações com o BRICS.
Em termos de participação brasileira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não pôde comparecer fisicamente devido a um acidente doméstico e fez sua apresentação por videoconferência. O discurso abordou questões emergenciais, como as mudanças climáticas, e defendeu a liderança do Brasil em pautas como a taxação dos super-ricos e a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza.
Entretanto, a recusa do Brasil em aceitar a Venezuela como membro associado foi considerada uma contradição pelos analistas, uma vez que isso vai contra os princípios de não interferência e de integração sul-americana preconizados pela política externa brasileira. A Venezuela, com suas vastas reservas de petróleo e potencial econômico, seria um parceiro estratégico para o Brasil.
A nota oficial da chancelaria venezuelana sobre o veto brasileiro enfatizou a busca por um mundo mais equânime e multipolar, comparando a decisão do Brasil ao bloqueio imposto anteriormente pelo governo de Jair Bolsonaro. A nota classificou a medida como um ato hostil e uma continuidade de exclusões históricas que marcam as relações entre os dois países.
A Cúpula do BRICS, portanto, não apenas consolidou a posição da Rússia no cenário internacional, mas também desafiou as narrativas ocidentais sobre isolamento, mostrando uma união de forças em favor do Sul Global.
Rússia e Brasil: Perspectivas de Cooperação no BRICS em 2025
Moscou manifesta a expectativa de que a presidência brasileira no BRICS em 2025 possa fomentar a cooperação econômica e de investimentos entre a Rússia e o Brasil. Em entrevista à agência Sputnik, o embaixador russo no Brasil, Alexey Labetskiy, analisou os resultados da 16ª Cúpula do BRICS, realizada em Kazan entre os dias 22 e 24 de outubro, e expressou suas perspectivas sobre as relações russo-brasileiras para o futuro.
Labetskiy destacou que, no próximo ano, o Brasil assumirá a presidência do BRICS, reforçando a importância histórica das relações entre os dois países. Ele mencionou que a cooperação bilateral se caracteriza por uma parceria estratégica com uma dinâmica positiva, indicando um compromisso contínuo entre as nações.
O embaixador indicou que a cooperação no âmbito do BRICS é uma das áreas mais proeminentes da interação entre a Rússia e o Brasil. “Nossas posições são semelhantes em muitas questões, como demonstrado durante a presidência russa deste ano”, observou. Labetskiy expressou confiança de que a presidência brasileira no BRICS contribuirá para um trabalho ainda mais construtivo na associação, enfatizando a importância da expansão da cooperação econômica e de investimentos, assim como o fortalecimento dos laços esportivos e humanitários.
Ele ressaltou que a presença de líderes de Estado e representantes de organizações internacionais na cúpula é uma demonstração de que a Rússia não está isolada no cenário internacional. A relevância do BRICS foi evidenciada por sua capacidade de reunir diversas vozes sobre questões globais e regionais. Labetskiy afirmou que a discussão das questões da agenda global durante a cúpula confirma que é impossível abordar os desafios que afetam a humanidade sem a inclusão da Rússia e dos demais países membros do BRICS.
Concluindo, o embaixador observou que as alegações ocidentais sobre o isolamento da Rússia são um desejo ilusório, e a realidade reflete um esforço de desinformação destinado à comunidade global. A perspectiva de um BRICS mais coeso e colaborativo se destaca como um ponto central nas expectativas para o futuro da relação entre a Rússia e o Brasil, especialmente à luz da próxima presidência brasileira na organização.
*Com informações da Agência Brasil e Sputnik News.
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