Livro revela identidade e estrutura de atuação de torturadores durante a Ditadura Militar no Brasil

Obra recupera perfis e trajetórias de agentes repressivos entre 1964 e 1985.
Obra recupera perfis e trajetórias de agentes repressivos entre 1964 e 1985.

Em abril de 2025, foi lançado no Brasil o livro Torturadores, das historiadoras Mariana Joffily e Maud Chirio, que reconstrói a identidade, as carreiras e a função institucional dos torturadores do regime militar brasileiro (1964–1985). A publicação resulta de uma pesquisa iniciada há 14 anos e propõe uma análise sistemática sobre a atuação de militares envolvidos na repressão política.

A obra, lançada pela editora Alameda, tem como foco os agentes que operaram o sistema repressivo estatal durante a ditadura militar brasileira, com base em fontes militares, arquivos públicos e registros da imprensa. Segundo as autoras, o objetivo foi reconstituir perfis de indivíduos que estiveram diretamente envolvidos em práticas de tortura, destacando seu papel no funcionamento institucional da repressão.

Mariana Joffily, pesquisadora da Universidade do Estado de Santa Catarina, afirma que o propósito era encarnar a repressão política a partir de seus executores diretos. A coautora Maud Chirio, da Université Gustave Eiffel, destaca que, embora esses agentes tivessem sido invisibilizados na historiografia tradicional, seus nomes estavam presentes em arquivos militares e registros oficiais.

O estudo demonstra que esses indivíduos não foram marginalizados pelas instituições militares após o fim do regime, mas seguiram valorizados e protegidos. Os autores identificaram que a anistia e a omissão institucional colaboraram para o apagamento público de suas atuações, enquanto internamente, no Exército, esses agentes permaneceram reconhecidos como combatentes de uma guerra interna.

Segundo Haroldo Ceravolo, editor da Alameda, a nomeação dos torturadores expõe a estrutura do sistema repressivo como uma política de Estado e não como atos isolados. O livro revela como os agentes recebiam elogios formais em documentos oficiais, como as folhas de alteração do Exército, mesmo com histórico de envolvimento em práticas ilegais.

A publicação discute ainda o funcionamento em rede do aparato repressivo, no qual os torturadores eram parte de um sistema hierárquico e organizado, com suporte de superiores e das estruturas institucionais. Segundo Chirio, a pesquisa rejeita uma abordagem psicológica individualizada e propõe uma leitura sociológica e histórica, examinando como os contextos de formação e carreira moldaram as práticas dos agentes.

Os autores localizaram documentos que mostram a integração da tortura como prática sistemática e parte da doutrina de segurança nacional, especialmente durante o período pós-AI-5. O estudo também identifica diversos tipos de atuação entre os agentes, incluindo operadores diretos, analistas estratégicos e burocratas repressivos.

A obra aborda o uso de eufemismos nos documentos oficiais, com expressões como “obtenção de informações” e “neutralização de ameaças”, que ocultavam o uso sistemático da tortura sob uma linguagem técnica e militarizada. Essa retórica, segundo as autoras, dissociava o ato de sua conotação violenta e moralmente condenável.

A pesquisa identificou agentes com carreiras desenvolvidas na repressão, atraídos por recompensas simbólicas, promoções e reconhecimento institucional, além de outros que participaram pontualmente, mas ainda assim atuaram dentro do sistema. Os autores destacam a importância de analisar a posição ocupada pelos indivíduos dentro da estrutura militar para compreender suas ações.

A publicação de Torturadores representa um marco para a historiografia da ditadura militar no Brasil, ao propor uma abordagem que relaciona o papel do Estado com a legitimação da violência sistemática. O trabalho fornece subsídios para discussões sobre responsabilização institucional e memória histórica.

*Com informações da RFI.


Discover more from Jornal Grande Bahia (JGB)

Subscribe to get the latest posts sent to your email.

Facebook
Threads
WhatsApp
Twitter
LinkedIn

Deixe um comentário

Discover more from Jornal Grande Bahia (JGB)

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading

Privacidade e Cookies: O Jornal Grande Bahia usa cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com o uso deles. Para saber mais, inclusive sobre como controlar os cookies, consulte: Política de Cookies.