Referendo na Bolívia alimenta temores de crise interna

A votação, marcada para o dia 4 de maio de 2008, poderá dar ao Departamento, situado no leste do país, na fronteira com o Brasil, o status de autônomo.

Na prática, isso significaria mais controle sobre a posse de terras e recolhimento de impostos, além de maior independência para outras tomadas de decisão.

O governo do presidente Evo Morales considera o referendo ilegal, já que não conta com a aprovação da Corte Nacional Eleitoral.

Com medo da violência, bispos católicos vêm tentando, sem sucesso, estabelecer o diálogo entre os políticos de esquerda, do governo, e as autoridades de Santa Cruz e de outros quatro Departamentos que reivindicam mais autonomia do governo central.

Os religiosos dizem estar muito preocupados com a “distância crescente entre as regiões, classes sociais e grupos étnicos” e alertam para “conseqüências imprevisíveis de morte e dor”.

Precipício

A Bolívia tem um longo histórico de governos fracos e organizações civis fortes que pressionam o Estado para que atenda suas exigências.

“Na Bolívia, nós estamos acostumados com os precipícios, mas dizem que sempre voltamos para trás quando chegamos à beira”, disse Rosanna Barragan, historiadora e diretora do Arquivo de La Paz.

Morales quer dar mais poderes aos indígenas

Ela explica que o conflito atual não é novidade. Há décadas que os líderes do rico Departamento de Santa Cruz, que reúne 25% da população boliviana, vêm pedindo mais autonomia para controlar seus recursos naturais e mais poderes na tomada de decisões.

Mas para a historiadora, a situação atual representa uma das piores crises internas já vividas pelo país.

O estopim aconteceu em dezembro, depois que foi aprovado o texto de uma nova Constituição durante uma sessão especial da Assembléia Constituinte, da qual a oposição diz ter ficado de fora.

O rascunho da nova Carta Magna ameaça os negócios e as elites agrárias de Santa Cruz. As propostas para limitar as posses de terra e promover a reforma agrária provocaram fortes reações dos latifundiários locais.

Há também uma dimensão étnica neste conflito. O texto da nova Constituição prevê a concessão de grandes poderes aos grupos indígenas da Bolívia, que representam 60% da população do país, de acordo com o último censo.

Outros três Departamentos, Beni, Pando e Tarija, também devem realizar referendos para obter mais autonomia. Outros dois, Chiquisaca e Cochabamba, estão considerando fazer o mesmo.

Desde 2005, os governadores dos Departamentos passaram a ser escolhidos pelo voto direto – em vez de serem apontados pelo governo central. Isso deu aos governadores mais força política, principalmente aos que são de partidos de oposição.

Sanções

O referendo sobre a autonomia de Santa Cruz deve ser aprovado com ampla maioria, apesar de analistas preverem um alto índice de abstenção.

O governador de Santa Cruz, Ruben Costas, já afirmou que deve reverter algumas decisões do governo, em particular a que prevê o desvio de rendas obtidas com a exportação de gás para financiar um novo plano nacional de Previdência.

Se conseguir a autonomia, Santa Cruz terá mais poderes para recolher seus impostos, administrar sua própria reforma agrária e criar uma força policial.

“Os estatutos de autonomia podem levar a uma condição de separação”, diz John Crabtree, pesquisador associado ao Centro latino-americano da Universidade de Oxford.

Mas Crabtree e outros analistas concordam que uma separação por completa não está em jogo, e que apenas uma pequena minoria da província a aprovaria um racha total com o governo de Morales.

Além disso, seria muito difícil para as províncias conseguirem independência sem o apoio da Argentina e do Brasil.

Muitos observadores avaliam que o objetivo principal das elites de Santa Cruz não é dividir o país, mas manter a pressão sobre o governo e garantir que a nova Constituição nunca seja aprovada.

Por sua vez, o governo também pressiona as autoridades locais, tendo suspendido as exportações de óleo de cozinha e congelado o repasse de verbas federais para o Departamento.

Até agora, nenhum líder regional foi preso e tampouco houve um envio de forças de segurança para tentar impor a vontade do governo.

Isso poderá mudar, no entanto, se os bolivianos de Santa Cruz decidirem ocupar suas usinas produtoras de gás.


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