
Ao alcançar a iluminação, o grande yogue obteve todo o conhecimento transcendental e os poderes sobrenaturais e passou a ser conhecido pelos aldeões das vilas tibetanas como “o santo que voava”.
De infância abastada, Milarepa perdeu o pai ainda criança. No leito de morte, o pai pediu que o menino, sua irmã e sua mãe fossem cuidados pelos tios, que deveriam também administrar todas as posses da família até a maioridade de Mila.
Cruéis e malvados, os tios lhes roubaram todas as posses, e eles se tornaram servos dentro de sua própria casa.
Quando atingiu a idade adulta, sua mãe envia Milarepa para aprender a arte da magia negra com um poderoso feiticeiro da região, com o intuito de vingança dos parentes que os levaram à degradação social e escárnio público. E o adverte:
— Se você voltar e não cumprir o meu desejo de vingança, me matarei em sua frente!
Após longa iniciação na arte da magia negra, Milarepa se torna um Grande Feiticeiro e volta à sua terra natal. Do alto das montanhas avista a vila onde habitava sua mãe e os seus inimigos. Levanta as mãos para o alto e convoca o vento e a tempestade para destruir tudo lá embaixo — parentes, animais, casas e lavoura.
Jura que os tios traidores e larápios não terão descendentes vivos. Resolve poupá-los da morte, para sofrerem e chorarem a perda de todos os seus nove filhos.
Quando os parentes estão reunidos para comemorarem a próspera colheita daquele ano, Milarepa faz o salão de festas ruir, soterrando 35 deles. Os tios sobrevivem.
Raios, trovões e forte chuva de granizo desceu sobre a terra, destruindo toda a colheita. Grassou enorme fome na localidade. Animais morreram. As casas foram destruídas, menos a de sua mãe e sua irmã. O Grande Feiticeiro traçou um risco protetor da área onde estava situada a modesta residência.
Revoltada, a população se reuniu para linchar sua mãe e sua irmã. Porém, temendo represálias do terrível feiticeiro, mudaram de ideia. Ninguém jamais voltou a dirigir-lhes a palavra.
Logo após esses feitos, Milarepa se arrepende amargamente. Sai à procura de um guru para lhe guiar no caminho da luz, no caminho do bem e da fraternidade.
Encontra Marpa, o Tradutor, discípulo dileto de um grande santo indiano, Naropa. Mila conta ao guru Marpa todas as suas agruras. É aceito como discípulo e chamado por todos de Grande Feiticeiro.
A partir de então, Marpa, o Tradutor, o submete a duras provas de persistência, lealdade e fidelidade ao guru. Por sete vezes Milarepa é convocado a erigir casas, torres, templos e, logo depois, insatisfeito, Marpa manda derrubar, orientando Mila a devolver pedra por pedra ao local de origem, antes da construção.
Milarepa se resigna e aceita todas as provações. Compreende que a Lei do Karma cai sobre ele, o único responsável por suas más ações do passado, e agora colhe o que plantou.
Seu guru, Marpa, age como quem despreza e desconfia do Grande Feiticeiro aceito como discípulo. Não lhe transmite os ensinos e está sempre testando a sua perseverança e paciência.
Depois de longos anos de observação e testes, finalmente Marpa lhe concede os ensinos. Milarepa se torna um bom aluno e progride no caminho da evolução espiritual.
Os 84 mil sutras (ensinos) do Buda Sakyamuni começam a ser transmitidos a Milarepa. Quando ele se despede de Marpa, o Tradutor, seu amado guru, este o orienta a levar vida ascética e meditativa.
Milarepa renuncia a tudo deste mundo, inclusive renuncia a ser um mendicante. Passa a viver nas cavernas do Himalaia, entre o Tibet e Nepal, e a se alimentar de um tipo de urtiga que nasce espontaneamente na região, que cozinha como sopa. E diz: “quem meditar nessas cavernas encontrará em abundância todos os requisitos da vida, lenha, água, raízes e ervas”.
Esta parca e frugal alimentação deu uma tonalidade verde à sua pele, e aquele asceta esquelético, desnudo, de pelos esverdeados, era confundido com um ser fantasmagórico e assustador chamado bhuta pelos caçadores que esporadicamente o encontravam.
Aos que se escandalizavam com a sua nudez e seu horrendo aspecto ele dizia que deviam era escandalizar-se com os seus próprios pecados.
Praticando com disciplina e determinação as austeridades que Marpa, seu guru, lhe orientou, Milarepa atingiu a almejada libertação em uma única existência.
Ao alcançar a iluminação, o grande yogue obteve todo o conhecimento transcendental e os poderes supranormais e sobrenaturais (sidhis) e passou a ser conhecido pelos aldeões das vilas tibetanas como “o santo que voava”.
Obteve o poder de se transformar em qualquer forma desejada e de voar pelo ar. Podia atravessar o universo sem impedimentos, em todas as direções. Podia se multiplicar em centenas de corpos, todos dotados dos mesmos poderes sobrenaturais.
Fala Milarepa: “cada uma de minhas formas multiplicadas podia atravessar o espaço, ir a algum Céu de Buda ouvir os Ensinamentos e, então, voltar e pregar o Dharma a muitas pessoas. Eu podia também transformar o meu corpo físico numa flamejante massa de fogo, ou numa vastidão de água corrente ou parada. Ao perceber que eu havia obtido infinitos poderes fenomênicos, enchi-me de felicidade e encorajamento” de pregar o Dharma (a vida correta) a todos os seres humanos e não-humanos, dos reinos do Céu, da Terra e do Mar.
Quando se torna um mestre-ensinador, é através de lindos cânticos e da poesia cantada que Milarepa transmite os virtuosos ensinos búdicos:
“No interior do templo do Monte Bodhi, meu corpo,
No interior de meu peito, onde está o Altar,
No interior da câmara superior e triangular dentro de meu coração,
O Cavalo da Mente, movendo-se como o vento, salta.
Que laço pode ser usado para prender esse Cavalo?
E em que poste deve ele ser amarrado?
Que Comida se lhe deve dar quando faminto?
Que Bebida se lhe deve dar quando sedento?
Em que estábulo se deve colocá-lo quando enregelado?
Para prender o Cavalo, utilizai, como laço, a Unidade de Propósito;
Deve-se amarrá-lo, quando agarrado, ao Poste da Meditação;
Deve-se alimentá-lo, quando faminto, com os Ensinamentos do Guru;
Deve-se dar-lhe de beber, quando sedento, do Fluxo da Consciência;
Deve-se recolhê-lo, quando enregelado, ao Estábulo da Vacuidade.
Como sela, utilizai a Vontade; como Brida, o Intelecto;
Prendei Nele, como Cilhas e Rabichos, a Fixidez Imóvel;
Passai-lhe, como Cabresto e Focinheira, os Ares Vitais.
Seu cavaleiro é o Jovem de Intelecto [a Aguda Vigilância]:
O Elmo que ele porta é o Altruísmo Mahayanico;
Sua Cota de Malha é o Saber, o Pensamento e a Contemplação;
Em suas costas carrega a Concha da Paciência;
Segura nas mãos a longa Lança da Aspiração;
E em seu flanco empunha a Espada, a Inteligência;
O polido Bambu da Mente (ou Causa) Universal,
Endireitado pela ausência de raiva ou ira,
Farpado com os Tufos das Quatro (Virtudes) Ilimitadas,
Pontilhado com a aguda Cabeça da Flecha do Intelecto,
E armado no flexível Arco da Sabedoria Espiritual,
E aí fixado, na Abertura do Sábio Caminho e do Método Correto,
Ele se lança à plena compreensão da Comunhão Total;
E assim arremessadas, as flechas caem sobre todas as Nações.
Elas atingem os Piedosos,
E matam o Duende do Egoísmo.
E assim são dominados os Inimigos e as Más Paixões,
E assim são protegidos os vossos Parentes.
Esse Cavalo corre pela Extensa Planície da Felicidade;
Seu Objetivo é a obtenção do Estado de todos os Conquistadores.
Seus traseiros deixam para trás o apego à vida samsárica;
Sua dianteira busca o lugar seguro da Libertação.
Correndo tal carreira, sou conduzido ao Budado;
Julgai se isto é igual à vossa concepção de Felicidade:
Eu não desejo a Felicidade do mundo.”
Namastê!
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