Direito Autoral | Por José Luiz Herência

Um dos segmentos do Direito que mais tem sofrido o impacto das novas tecnologias é o direito autoral. A rápida expansão da internet e a facilidade para a difusão de obras intelectuais protegidas no ambiente digital trouxe um imenso desafio para os legisladores. Dezenas de países, alguns com legislações até recentes, debatem e aprovam novas emendas e ajustes em suas leis com frequência nunca antes imaginada.

No Brasil, o caso é ainda mais complexo. Além dos desafios do século 21, temos questões do século 20 ainda não solucionadas. Essa foi uma das razões que nos motivaram a lançar em 2007 um fórum nacional para debater a revisão da nossa legislação referente ao assunto. .

Claro que propor mudanças num tema tão polêmico e apaixonante desperta reações alarmistas e a difusão de inúmeras visões distorcidas. Nem mesmo o talentoso compositor e pesquisador das raízes africanas da nossa cultura, Nei Lopes – por nós agraciado com a Ordem do Mérito Cultural em 2006 – escapou de incorrer em equívocos na crítica que dirigiu ao ministério em artigo publicado no Correio Braziliense de 19/12/2009. Por atribuir a nós intenções que jamais estiveram em pauta nas nossas discussões, somos obrigados fazer esclarecimentos.

Em primeiro lugar, é bom lembrar que, quando falamos de direito autoral, não falamos só de obras musicais, mesmo que reconheçamos a pujança do setor musical no nosso país. Logo não faz sentido dizer que o Ministério da Cultura pretende criar uma Musibrás para gerir os direitos dos compositores.

Não cabe ao Estado gerir direitos privados. O que propomos é a criação de um órgão que, no âmbito do Estado, seja uma instância administrativa para a resolução de conflitos, entre outras atribuições. Dessa forma, os autores que tiverem os direitos violados poderão ser poupados de longas e custosas disputas judiciais.

Outra atribuição que propomos para esse futuro órgão, que é quase uma regra na grande maioria dos países democráticos, é a supervisão externa das entidades de gestão coletiva. Essa supervisão visa aumentar a legitimidade dessas entidades, atestando sua idoneidade, sua transparência e estimulando o seu aperfeiçoamento. Os autores serão os maiores beneficiados com essa supervisão, com suas associações cada vez mais fortes, confiáveis e reconhecidas. Nada melhor para dissuadir a inadimplência no pagamento de direitos.

Não há qualquer proposta que subtraia do autor o direito exclusivo de dispor de suas criações. A proposta de instituição na nossa lei de uma licença não voluntária, debatida no III Congresso de Direito de Autor e Interesse Público, que ocorreu em São Paulo em 9 e 10 de novembro, trata de coisa completamente diversa. Além de não ser aplicável às obras musicais, destina-se unicamente a permitir a difusão de livros esgotados e das chamadas obras órfãs (de autores não identificados). Mesmo assim, somente nos casos em que haja comprovado interesse público. Trata-se de excepcionalidade que nada tem de inconstitucional, pelo contrário, visa harmonizar o direito autoral com outros direitos humanos fundamentais, como os de acesso à educação, à informação, à cultura e ao conhecimento. Dezenas de legislações pelo mundo contêm previsão similar.

Acabamos de encaminhar ao Congresso Nacional o projeto de nova lei de financiamento à cultura. E já tramita de forma acelerada o projeto que institui o Vale Cultura, fundamental para ampliar o acesso da população brasileira aos bens e serviços culturais. Em breve colocaremos em consulta pública a nossa proposta de anteprojeto de lei para a revisão da Lei de Direito Autoral (9.610/98), fruto de dois anos de amplo debate, transparente e democrático. Esperamos assim que, ao final de 2010, tenhamos novo ordenamento jurídico que possibilite de forma indubitável o pleno exercício dos direitos culturais por todo o povo brasileiro.

*Por José Luiz Herência é Secretário de Políticas Culturais do Ministério da Cultura


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