
A recorrente tentativa de uso da Justiça como forma de cercear a liberdade de imprensa através de ações civis e criminais tem sido rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de forma consiste e recorrente. Exemplo de como devem julgar os juízes e Tribunais com relação a processos em que envolvem o direito à informação e os direitos de personalidade podem ser observados na exposição do voto do ministro Celso de Mello, ao analisar o conflito legal estabelecido no caso do empresário Daniel Valente Dantas versus jornalista Paulo Henrique dos Santos Amorim.
Não obste dizer que nas ações julgadas improcedentes contra jornalistas cabe não apenas a condenação da parte contrária aos custos processuais e honorários advocatícios, como, também, fica o litigante que acionou o jornalista sujeito a ação civil por danos morais, a partir de proposição da ação improcedente, e por proposição de ação judicial que viola princípios do Estado Democrático de Direito vinculados a liberdade de imprensa.
A análise do relator
Relator da ação de reclamação nº 15.243, o ministro Celso de Mello analisou os efeitos vinculantes do julgamento da ação ao resultado do exame da Arguição por Descumprimento de Direito Fundamental (ADPF) 130/DF, relatado pelo Ministo Ayres Britto.
Segundo o ministro Celso de Mello, a crítica que meios de comunicação social dirigem às pessoas públicas não deve sofrer as limitações externas que ordinariamente impõem os direitos de personalidade, dado o caráter preferencial dos direitos fundamentais ligados à liberdade de expressão e informação. Assim, não caracterizará hipótese de responsabilização civil a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgar observações em caráter mordaz, irônico, ou então veicular opiniões em tom de crítica severa, principalmente se o alvo dessas críticas ostentar a condição de pessoa pública, e a informação estiver orientada ao interesse geral da coletividade.
– Essa matéria foi efetivamente debatida no julgamento da ADPF 130, em que também se analisou a questão sob a perspectiva do direito de crítica, cuja prática se mostra apta a descaracterizar o ânimo de injuriar ou de difamar, em ordem a reconhecer essa prerrogativa aos profissionais de imprensa. – Afirma Celso de Mello.
O voto pela liberdade de imprensa
A seguir são destacadas algumas afirmações e citações apresentadas pelo relator, Ministro Celso de Mello:
– Admissível, preliminarmente, o ajuizamento de reclamação nos casos em que se sustente, como na espécie, transgressão à eficácia vinculante de que se mostra impregnado o julgamento do Supremo Tribunal Federal proferido no âmbito de processos objetivos de controle normativo abstrato, como aquele que resultou do exame da ADPF 130/DF, Rel. Min. Ayres Britto.
– Legitimidade ativa para a reclamação na hipótese de inobservância do efeito vinculante. Assiste plena legitimidade ativa, em sede de reclamação, àquele – particular ou não – que venha a ser afetado, em sua esfera jurídica, por decisões de outros magistrados ou Tribunais que se revelem contrárias ao entendimento fixado, em caráter vinculante, pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos processos objetivos de controle normativo abstrato instaurados mediante ajuizamento quer de ação direta de inconstitucionalidade, quer de ação declaratória de constitucionalidade.
– A Declaração de Chapultepec – ao enfatizar que uma imprensa livre é condição fundamental para que as sociedades resolvam seus conflitos, promovam o bem-estar e protejam sua liberdade, não devendo existir, por isso mesmo, nenhuma lei ou ato de poder que restrinja a liberdade de expressão ou de imprensa, seja qual for o meio de comunicação – proclamou, entre outros postulados básicos, os que se seguem:
- I – Não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão e de imprensa. O exercício dessa não é uma concessão das autoridades, é um direito inalienável do povo.
- II – Toda pessoa tem o direito de buscar e receber informação, expressar opiniões e divulgá-las livremente. Ninguém pode restringir ou negar esses direitos.
- VI – Os meios de comunicação e os jornalistas não devem ser objeto de discriminações ou favores em função do que escrevam ou digam.
- X – Nenhum meio de comunicação ou jornalista deve ser sancionado por difundir a verdade, criticar ou fazer denúncias contra o poder público.
– Todos sabemos que o exercício concreto, pelos profissionais da imprensa, da liberdade de expressão, cujo fundamento reside no próprio texto da Constituição da República, assegura ao jornalista o direito de expender crítica, ainda que desfavorável e em tom contundente, contra quaisquer pessoas ou autoridades (Pet 3.486/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
– Ninguém ignora que, no contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, mostra-se intolerável a repressão estatal ao pensamento (que também se exerce mediante imposição de condenações civis), ainda mais quando a crítica – por mais dura que seja – revele-se inspirada pelo interesse coletivo e decorra da prática legítima de uma liberdade pública de extração eminentemente constitucional (CF, art. 5º, IV, c/c o art. 220).
– Não se pode desconhecer que a liberdade de imprensa, enquanto projeção da liberdade de manifestação do pensamento e de comunicação, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, entre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, (a) o direito de informar, (b) o direito de buscar a informação, (c) o direito de opinar e (d) o direito de criticar.
– A crítica jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, pois o interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as figuras públicas, independentemente de ostentarem qualquer grau de autoridade.
– Não induz responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgue observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, veicule opiniões em tom de crítica severa, dura ou, até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem dirigidas ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de autoridade governamental, pois, em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender.
– Por isso que a crítica que os meios de comunicação social, inclusive em ambiente digital, dirigem às pessoas públicas, por mais acerba, dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos da personalidade.
– É importante acentuar, assim, que não caracterizará hipótese de responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística, ainda que em ambiente digital, cujo conteúdo divulgar observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, veicular opiniões em tom de crítica severa, dura ou, até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem dirigidas ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de autoridade governamental, pois, em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender.
– Essa garantia básica da liberdade de expressão do pensamento, como precedentemente mencionado, representa, em seu próprio e essencial significado, um dos fundamentos em que repousa a ordem democrática. Nenhuma autoridade, nem mesmo a autoridade judiciária, pode prescrever o que será ortodoxo em política – e em outras questões que envolvam temas de natureza filosófica, ideológica ou confessional – ou estabelecer padrões de conduta cuja observância implique restrição aos meios de divulgação do pensamento, como sucede, p. ex., nas hipóteses em que o Judiciário condena o profissional de imprensa a pagar indenizações pecuniárias de natureza civil, muitas vezes arbitradas em valores que culminam por inibir, ilegítima, indevida e inconstitucionalmente, o próprio exercício da liberdade fundamental de expressão do pensamento.
– E a razão é uma só: “o direito de pensar, falar e escrever livremente, sem censura, sem restrições ou sem interferência governamental”, representa, conforme adverte HUGO LAFAYETTE BLACK, que integrou a Suprema Corte dos Estados Unidos da América, “o mais precioso privilégio dos cidadãos (…)” (“Crença na Constituição”, p. 63, 1970, Forense).
– Diz o voto condutor do Juiz William Brennan: ‘(…) o debate de assuntos públicos deve ser sem inibições, robusto, amplo, e pode incluir ataques veementes, cáusticos e, algumas vezes, desagradáveis ao governo e às autoridades governamentais.’”
– Em suma: …a liberdade de manifestação do pensamento, que representa um dos fundamentos em que se apoia a própria noção de Estado Democrático de Direito e que não pode ser restringida, por isso mesmo, pelo Estado, seja mediante censura, mesmo que praticada em sede jurisdicional, seja, ainda, mediante imposição ao profissional de imprensa de condenação ao pagamento de indenização civil.
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