Uma investigação sigilosa conduzida pela Polícia Federal a pedido do Superior Tribunal Federal (STF) apontou que o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos), filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), é um dos articuladores de um esquema ilegal de propagação de notícias falsas. A informação foi publicada neste sábado (25/04/2020) pelo Jornal Folha de S.Paulo.
Segundo a reportagem, Bolsonaro vinha cobrando informações a respeito desta investigação, por telefone ou em reuniões, do então diretor Maurício Valeixo, que teria resistido aos assédios presidenciais. Valeixo foi exonerado do cargo na sexta-feira (24), o que acabou provocando a saída do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.
De acordo com a Folha, dentro da Polícia Federal não há dúvidas de que Bolsonaro já estava ciente de que a investigação havia chegado até seu filho número 2. Dessa forma, imaginou que trocar Valeixo poderia facilitar o caminho para obter mais informações sobre a investigação do Supremo ou até trocar os delegados envolvidos.
O inquérito do STF foi aberto em março do ano passado pelo presidente Dias Toffoli para apurar o uso de fake news contra os ministros da corte.
Carlos Bolsonaro reage
Após a publicação da reportagem, Carlos compartilhou o texto em uma rede social acompanhado da seguinte mensagem: “Esquema criminoso de… NOTÍCIAS FALSAS O nome em si já é uma piada completa! Corrupção, tráfico, lavagem, licitações? Não! E notaram que nunca falam que notícias seriam essas? É muito mais fácil apontar manipulação feita pela grande mídia. Matéria lixo!”.
O vereador acrescentou: “Não é necessário esquema de notícia pra falar o que penso sobre drácula, amante, botafogo, nervosinho, aproveitadores, sabotadores, ou sobre quem quer que seja! Há quem faça isso, e são aqueles que mais acusam. Sabemos quem é amiguinho dos jornalistas que direcionam ataques!”.
Para o lugar de Valeixo, no comando da PF, Bolsonaro escolheu Alexandre Ramagem, hoje diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência). Ramagem é amigo de Carlos Bolsonaro, exatamente um dos alvos do inquérito da PF que tramita no STF.
Os dois se aproximaram durante a campanha eleitoral de 2018, quando Ramagem atuou no comando da segurança do então candidato presidencial Bolsonaro após a facada que ele sofreu em Juiz de Fora (MG).
Carlos foi quem convenceu o pai a indicar Ramagem para o lugar de Valeixo. Os dois ficaram ainda mais próximos quando Ramagem teve cargo de assessor especial no Planalto nos primeiros meses de governo. Carlos é apontado como o mentor do chamado “gabinete do ódio”, instalado no Planalto para detratar adversários políticos.
Segundo aliados de Moro, ao mesmo tempo que a PF avançava sobre o inquérito das fake news, Bolsonaro aumentava a pressão para trocar Valeixo.
A exoneração de Valeixo do cargo de diretor-geral da corporação levou Moro a pedir demissão. Ele acusou Bolsonaro de tentar interferir politicamente na polícia.
Na quinta-feira (23), Moro e Bolsonaro haviam se encontrado e a pauta da reunião foi a saída de Valeixo. A demissão de Moro foi antecipada pela Folha no mesmo dia.
Nos últimos meses, o presidente pediu a Valeixo informações sobre os trabalhos da polícia, em reuniões e por telefone. Segundo a Folha apurou, Bolsonaro nunca recebeu dele dados sigilosos.
Bolsonaro enviou mensagem no início da manhã de quinta a Moro com um link do site Antagonista com uma notícia sobre o inquérito das fake news intitulada “PF na cola de 10 a 12 deputados bolsonaristas”.
“Mais um motivo para a troca”, disse o presidente a Moro se referindo à sua intenção de tirar Valeixo.
Moro respondeu a Bolsonaro argumentando que a investigação, além de não ter sido pedida por Valeixo, era conduzida por Moraes, do STF.
STF blinda investigação e PGR determina nova investigação
O mesmo grupo de delegados do inquérito das fake news comanda a investigação aberta na terça-feira (21), também por Moraes, para apurar os protestos pró-golpe militar realizados no domingo passado e que contaram, em Brasília, com a participação de Bolsonaro.
Assim como no caso das fake news, o ministro do STF determinou que os delegados não podem ser substituídos. O gesto é uma forma de blindar as apurações dos interesses pessoais e familiares do presidente da República.
Há uma expectativa dentro do Supremo de que os dois inquéritos, das fake news e dos protestos, se cruzem em algum momento. Há suspeita de que empresários que financiaram esse esquema de notícias falsas também estejam envolvidos no patrocínio das manifestações.
Coincidentemente, Bolsonaro apertou o cerco a Valeixo após a abertura dessa nova investigação.
Dentro do STF, pessoas próximas a Moraes avaliam que ele deve encerrar logo a investigação das fake news para se dedicar à dos protestos.
O inquérito foi aberto a pedido do procurador-geral, Augusto Aras, e envolveria pelo menos dois deputados apoiadores de Bolsonaro.
O objetivo de Aras é apurar possível violação da Lei de Segurança Nacional por “atos contra o regime da democracia brasileira por vários cidadãos, inclusive deputados federais, o que justifica a competência do STF”.
Interlocutores do procurador-geral afirmam que, inicialmente, Bolsonaro não será investigado. Alertam, porém, que, caso sejam encontrados indícios de que o chefe do Executivo ajudou a organizar as manifestações, ele pode vir a ser alvo do inquérito.
Em sua decisão, Moraes cita a Constituição e salienta que o ato, como descrito pelo PGR, “revela-se gravíssimo, pois atentatório ao Estado Democrático de Direito brasileiro e suas Instituições republicanas”.
Apurações no entorno de Bolsonaro
Inquérito das fake news
Em março de 2019, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Dias Toffoli, anunciou a abertura de um inquérito para investigar a existência de fake news que atingem a honra e a segurança dos membros da corte e de seus familiares. Paralelamente, em setembro do mesmo ano, a CPMI das Fake News foi instaurada no Congresso.
Desde então, a família Bolsonaro tem se colocado contrária ao funcionamento da comissão, que investiga perfis que fazem parte do arco de apoio do presidente da República. Tanto a apuração do STF quanto a da comissão, com a ajuda de um policial federal, envolvem a suspeita de que o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) estejam por trás do “gabinete do ódio” supostamente mantido pelo Palácio do Planalto para atacar desafetos políticos
Caso Queiroz
Em agosto do ano passado, Bolsonaro anunciou que trocaria o superintendente da Polícia Federal no Rio, Ricardo Saadi, por questões de gestão e produtividade. A corporação passava por momento delicado na ocasião, especialmente após vir à tona o caso Fabrício Queiroz, policial militar aposentado e ex-assessor de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Assembleia do Rio. Ele é o pivô da investigação do Ministério Público do Estado que atingiu o senador, primogênito do presidente.
A suspeita da promotoria é de que o dinheiro seja de um esquema de “rachadinha” —quando funcionários são coagidos a devolver parte de seus salários aos deputados. Esse caso específico não está com a PF, mas o órgão tocava investigações envolvendo personagens em comum
Partidos do centrão
O isolamento político de Bolsonaro o levou a começar a negociar com os partidos do centrão (PP, PL, Republicanos, PTB, Solidariedade e PSD). Vários integrantes das siglas que formam o bloco são alvos da Operação Lava Jato, que teve em Sergio Moro seu principal personagem até o final de 2018.
Alguns parlamentares suspeitam que o afastamento de Maurício Valeixo do comando da Polícia Federal e o consequente enfraquecimento de Moro tenha entrado no acerto que Bolsonaro tem costurado com o bloco
Ato pró-golpe
A pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, corre uma investigação sobre os atos antidemocráticos dos quais Bolsonaro participou no domingo (19), em Brasília. O presidente pode ter cometido mais um crime de responsabilidade ao discursar na manifestação que pedia um novo AI-5 e o fechamento do Congresso.
A investigação mira empresários e ao menos dois deputados federais bolsonaristas por, possivelmente, terem organizado e financiado os eventos. Os nomes são mantidos em sigilo.
*Com informações do Jornal Folha de S.Paulo e Carta Capital.