Com base em documentos oficiais e relatos de fontes, o Jornal Grande Bahia (JGB) dá sequência à série de reportagens sobre o Caso Faroeste, investigação que expôs um dos maiores conflitos fundiário-jurídicos do Brasil, situado no Oeste da Bahia, em Formosa do Rio Preto, área correspondente à Fazenda São José.
As terras em disputa possuem alto valor comercial devido às condições singulares de solo e clima, que proporcionam até 30% mais produtividade agrícola por hectare em comparação a outras regiões do mundo. Esse diferencial transformou o território em centro de interesse estratégico para grandes grupos do agronegócio.
As reportagens do JGB são essenciais para compreender os desdobramentos recentes que envolveram prisões e afastamentos de desembargadores, juízes e servidores do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), além do indiciamento de advogados e empresários, em um esquema iniciado na década de 1990 que se prolonga até o presente.
Nesse contexto, delações premiadas de investigados passaram a revelar novos personagens e conexões criminosas, indicando que o Caso Faroeste não se resume à disputa pela terra. Há expectativa de novas operações da Polícia Federal, com possível identificação de novos agentes públicos e privados envolvidos em práticas ilícitas. O JGB publica reportagens com base documental, permitindo verificação e rastreabilidade dos fatos, assegurando compromisso com a verdade histórica dos acontecimentos.
A legítima aquisição das terras
Em 29 de março de 1985, em reunião no município de Santa Rita de Cássia, o empresário José Valter Dias adquiriu dos herdeiros de Delfino Ribeiro de Barros e Brasília Barreiras Soares a Fazenda São José, registrada sob as matrículas 3193 e 3194, posteriormente unificadas na matrícula nº 1037, totalizando aproximadamente 366 mil hectares.
O registro foi certificado por Corina Bitencourt Moura, oficial do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Santa Rita de Cássia. O título menciona o inventário de Eustáquio Ribeiro de Souza, pai de Delfino, encerrado por sentença de 1º de setembro de 1905, proferida pelo juiz Antonio Rodrigues e lavrada pela escrivã Antonina Turibio Nogueira de Carvalho.
À época, tratava-se de uma região pouco explorada comercialmente, com valor de mercado reduzido. Entretanto, anos depois, o cenário se alterou profundamente com o aumento do preço das terras no Sul e Sudeste, a expansão tecnológica da agricultura mecanizada e o crescimento da demanda internacional – sobretudo China e Índia –, fazendo do Oeste baiano uma nova fronteira agrícola nacional.
Com grandes áreas planas, clima propício e disponibilidade hídrica, Formosa do Rio Preto e Santa Rita de Cássia tornaram-se o equivalente à “nova Serra Pelada” do agronegócio – porém não pela extração mineral, mas pela capacidade de produção agrícola em larga escala. A posse da terra passou a significar controle de riqueza.
Assassinato de reputações
A ofensiva contra José Valter começou pelo assassinato de sua reputação. Grupos interessados em sua expropriação passaram a descrevê-lo como borracheiro, apagando deliberadamente sua condição de empresário, comerciante e pecuarista. O objetivo era simples: desqualificar o proprietário para justificar, perante autoridades e a opinião pública, tentativas de tomada irregular da Fazenda São José.
Destruir a imagem da vítima é etapa clássica em esquemas de corrupção fundiária. A estratégia envolve compra de servidores, manipulação documental e construção de narrativas artificiais para legitimar o desvio patrimonial. Foi exatamente esse o caminho adotado contra o proprietário legal da área.
Quem é José Valter Dias
Nascido em Barreiras, casado com Ildeni Gonçalves Dias e pai de três filhos, José Valter manteve residência e atividade comercial na cidade por décadas. Documentos oficiais comprovam sua atuação como pecuarista, comerciante e dono da Retífica de Motores Pernambuco Ltda, fundada em 17 de março de 1982 e associada à FIEB sob nº 5.082 (registro de 26 de janeiro de 1994).
Outro documento, datado de 9 de abril de 1985 e constante na Escritura Pública de Cessão de Meação de Direitos Hereditários (processo nº 0000100-43.1990.8.05.0081), o registra formalmente como comerciante. Seis anos após a compra da fazenda, em 1991, José Valter foi homenageado pela ACIBA, AEBA e pela Associação Brasileira de Produtores de Soja, recebendo o Diploma de Personalidade do Centenário por sua contribuição ao desenvolvimento de Barreiras. A cerimônia contou com apoio da representante Ford Autovisa.
Mais tarde, em 25 de março de 1997, o Termo de Adjudicação das Terras, constante à folha 85 do inventário nº 0000100-43.1990.8.05.0081, reafirmou novamente sua profissão de comerciante.
Documentos oficiais e reconhecimento público confirmam que José Valter Dias foi empresário de destaque regional, com atuação relevante no desenvolvimento local – e não o borracheiro em que tentaram transformá-lo para usurpar suas terras.
Caso Faroeste 2: Júlio César, prisão, denúncia e delação decorrente da Operação Faroeste
Antes da deflagração da primeira fase da Operação Faroeste, denúncias envolvendo corrupção no Poder Judiciário da Bahia já estavam sob apuração formal no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). À época, o atual presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, exercia o cargo de corregedor nacional de Justiça, tendo como relatora do processo a conselheira Maria Tereza Uille Gomes, com acompanhamento do então procurador-geral da República, Augusto Aras.
O inquérito conduzido pelo CNJ identificou indícios da existência de uma organização criminosa ativa na Bahia entre 2013 e 2019, cujo principal operador seria Adaílton Maturino dos Santos, apresentado em documentos como falso cônsul e articulador de decisões judiciais voltadas ao domínio de terras no Oeste baiano.
Em 19 de novembro de 2019, a Polícia Federal deflagrou a Operação Faroeste, alcançando diretamente o advogado e ex-servidor do TJBA Júlio César Cavalcanti Ferreira. Segundo a investigação, ele atuava como corruptor do esquema, responsável por intermediar pagamentos e comprar decisões judiciais de magistrados do Tribunal de Justiça da Bahia.
Poucas semanas depois, em 10 de dezembro de 2019, Adaílton Maturino, Júlio César e outras 13 pessoas foram denunciadas criminalmente por fatos apurados na primeira fase da operação. Entre os denunciados estavam quatro desembargadores e três juízes estaduais, que passaram a responder no STJ por organização criminosa (ORCRIM), corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e tráfico de influência.
O avanço das investigações levou, em 31 de março de 2020, à homologação da delação premiada de Júlio César pelo ministro do STJ Og Fernandes. A colaboração, segundo a decisão judicial, apresentou relatos que envolvem novas figuras públicas e privadas em práticas criminosas e expande os limites do Caso Faroeste original, inaugurando o que passou a ser denominado Caso Faroeste 2, atualmente tema recorrente das publicações investigativas do Jornal Grande Bahia (JGB).
O Termo de Colaboração possui 25 anexos, cada um reunindo elementos que apontam para possíveis crimes relacionados a empresários do agronegócio, assessores de magistrados, servidores, juízes, desembargadores e grandes escritórios de advocacia, os quais, segundo o delator, teriam atuado como bancas privadas de negociação de sentenças e fabricação de documentos fraudulentos.
Diante da complexidade das novas provas e do conteúdo revelado na delação, os investigadores solicitaram ao ministro Og Fernandes a ampliação das apurações, a fim de aprofundar a investigação sobre pessoas e eventos não incluídos na denúncia criminal de 10 de dezembro de 2019, garantindo o aprofundamento da responsabilização penal dos envolvidos.
Um espelho das fragilidades institucionais
A história exposta vai além de um litígio de terras. Revela um sistema vulnerável à corrupção, capaz de destruir reputações, validar certidões falsas e paralisar o direito de propriedade por décadas.
O Caso Faroeste mostra que, quando terra, poder e influência se cruzam, o Estado pode ser usado para despojar um cidadão de seu patrimônio. O episódio obriga o Brasil a refletir sobre:
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a responsabilidade do Ministério Público em fiscalizar fraudes,
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a integridade do sistema cartorial,
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o papel do Judiciário na proteção do direito de propriedade,
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os riscos da politização das decisões jurídicas em disputas milionárias.
Nenhuma democracia sobrevive quando a verdade documental pode ser substituída por versões convenientes. O Caso Faroeste não é apenas um processo — é uma ferida aberta na confiança institucional do país.
Capítulo II – Origem das fraudes e compra de sentenças
O segundo capítulo deste dossiê investigativo expõe o início das fraudes documentais e negociações de decisões judiciais. Uma das irregularidades mais claras é o caso da “dupla morte”: a mesma pessoa teria morrido duas vezes, permitindo a abertura de um inventário falso, base para a criação de matrículas cartoriais que bloquearam o direito de José Valter.
Surge o questionamento: por que o Ministério Público da Bahia não anulou a certidão fraudulenta? Por que repetiu e sustentou a versão depreciativa de “borracheiro”? Por que não investigou servidores e magistrados envolvidos?
A Operação Faroeste, conduzida pela PGR e deflagrada pela Polícia Federal, prendeu e denunciou advogados, empresários, juízes e desembargadores por ORCRIM, corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de influência. No processo, Adaílton Maturino, o falso cônsul, e Júlio César Cavalcanti Ferreira tiveram papel central na compra de sentenças.
Em 31 de março de 2020, o ministro Og Fernandes (STJ) homologou a Colaboração Premiada de Júlio César, contendo 25 anexos com relatos de crimes, envolvendo escritórios de advocacia, assessores, magistrados e empresários. A delação originou o Caso Faroeste 2, ampliando o alcance investigativo.





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