A Constituinte da pandemia | Por Luiz Holanda  

Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara dos Deputados.
Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara dos Deputados.

A ideia de convocação de uma nova Assembleia Constituinte tem origem no plebiscito chileno, que optou pelo fim da Carta deixada pelo general Pinochet. Pegando carona no plebiscito chileno, o líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR), defendeu que o mesmo seja feito por aqui, pois, segundo ele, nossa carta atual “só tem direitos” para os cidadãos e sem “deveres com a nação”, e que isso nos levou a uma crise financeira: “Eu pessoalmente defendo nova Assembleia Nacional Constituinte, acho que devemos fazer um plebiscito, como fez o Chile, para que possamos refazer a Carta Magna e escrever muitas vezes nela a palavra deveres, porque a nossa carta só tem direitos”.

Antes dele, o senador Confúcio Moura (MDB-RO), em junho passado, defendeu a elaboração de uma nova Carta Magna, afirmando ser melhor fazer uma nova Constituição “organizada, repensada e dentro da realidade brasileira, pois precisamos simplificar as leis que são elaboradas pelo Congresso, pelas Assembleias e pelas Câmaras Municipais, bem como as normas oriundas dos chefes dos executivos”.

A Constituição de 1988 -fruto de uma Assembleia Nacional Constituinte-, resultou de um pacto que reuniu as mais variadas correntes do pensamento politico da época. Detalhista e extensa, possui 245 artigos, muitos dos quais alheios a assuntos constitucionais, que bem poderiam ser objetos de leis ordinárias.

O problema é que alguns senadores acham que ela interfere demais nos destinos da economia, o que enseja uma mudança para menos Estado e mais liberdade. Esquecendo que o sistema por eles pretendido (de liberdade econômica), já consta da atual Constituição, a exemplo dos arts. 5º e incisos, 1º, IV, combinado com o art. 170, assegurando a propriedade privada, o direito à herança e outros, querem a todo custo uma nova Carta Magna.

A descrença no sistema permanece, principalmente devido à velocidade das mudanças no texto constitucional. Segundo o senador Confúcio Moura, o país tem “uma torre de babel de leis, portarias, resoluções e decretos quase impossível de conhecer, especialmente na área tributária, que confunde e prejudica produtores e empresários”.

O que talvez não entendam é que, na época, os constituintes tiveram que fazer inúmeras concessões para ter um modelo político diferente do modelo liberal americano, embora dele traga alguns componentes. De igual modo, não se adotou o modelo socialista então vigorante no mundo oriental. Prevaleceu o modelo europeu, baseado na Social Democracia.

Nossa Carta possui traços parlamentaristas. Com ela desenvolveu-se um padrão de governança denominado de “presidencialismo de coalizão”, notadamente no que se refere às relações entre os Poderes Executivo e Legislativo. Não há nada de errado nessas relações. O que existe é o exercício de poderes legislativos pelo Governo e o seu protagonismo nas atividades parlamentares, misturando presidencialismo com parlamentarismo.

Todas as Constituições do Brasil nasceram em período de crise. A de 1824 veio em consequência de nossa independência. A de 1891 com a Proclamação da República.   Depois veio a Revolução de 1930 e a Constituição de 1934; em seguida, a de 1937, com o Estado Novo, que revogou a de 1934. A de 1946 veio com o fim da ditadura do Estado Novo e durou até a de 1967. Por fim, veio a de 1988, que reimplantou a democracia no Brasil e está dando certo, apesar dos pesares. A crise da pandemia pode justificar tudo, menos uma Assembleia Nacional constituinte.

*Luiz Holanda, advogado e professor universitário.


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