A Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, declina as modalidades de violência contra a mulher, inclusive as de natureza doméstica, familiar, de cunho sexual, físico, moral ou patrimonial. Entre as mais conhecidas está a ridicularização pública da mulher, principalmente no caso de estupro.
As cenas do julgamento do empresário André de Camargo Aranha, filho de um famoso advogado e acusado de ter estuprado a promoter Mariana Ferrer em uma festa na cidade de Florianópolis, causaram indignação geral. Segundo o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, “As cenas da audiência de Mariana Ferrer são estarrecedoras. O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram”.
O estupro ocorreu em 2018, quando a vítima trabalhava no Café de la Musique, ponto de encontro dos que apreciam a vida noturna daquela cidade. Em seu depoimento ela afirmou que na noite de 15 de dezembro daquele ano foi dopada e estuprada pelo empresário, sem possibilidade de qualquer defesa.
O juiz da 3ª Vara Criminal da capital, ao acatar a argumentação do Ministério Público, acabou absolvendo o acusado sob a justificativa de que o crime por ele praticado foi intencional, denominando-o de “estupro culposo”, ou seja, sem intenção de estuprar.
A gravação da audiência mostra o advogado do acusado atacando a vítima, expondo fotos sensuais e fazendo comentários desairosos sobre o seu caráter, dizendo, entre outros impropérios, que “jamais teria uma filha do nível” da padecente. O fato passou a ser o assunto mais comentado nas redes sociais, mobilizando, inclusive, os meios jurídicos e políticos.
A sentença aplicada pelo juiz contra o empresário foi de “estupro culposo”, tipo penal inexistente em nossa legislação. O réu foi absolvido e a vítima desmoralizada, o que não deixa de ser uma condenação. Esse fato lembra o ocorrido há quatro décadas quando outra vítima, Ângela Diniz, foi brutalmente assassinada pelo seu amante, um playboy chamado Doca Street. No tribunal, Ângela foi tratada como culpada e adjetivada pelo advogado do assassino de “vênus lasciva”, “prostituta de alto luxo da Babilônia” e “pantera que arranhava com suas garras os corações dos homens”.
O causídico definiu o assassinato como um crime passional típico: “um cidadão de bem que mata em um momento de descontrole emocional provocado pela vítima”. Seu argumento foi que o réu agiu em “legítima defesa da honra”. De lá para cá nada mudou: as mulheres continuam a ser assediadas, estupradas e culpadas dos crimes sofridos.
A submissão da mulher faz parte da construção da identidade feminina marcada pela ideologia patriarcal. Os danos por ela sofridos, físico, psicológico, sexual ou patrimonial tem por motivação principal o gênero, ou seja: sofrem porque são mulheres.
As várias formas de violência contra a mulher permanecerão se não mudarmos nossa cultura desigualdade e manutenção da dominação masculina. Realmente, as mulheres sufocam no peito o grito de suas dores, pois, neste país, elas são sempre culpadas das dores sofridas.
*Luiz Holanda, advogado e professor universitário.
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