Capítulo 118 do Caso Faroeste: O pedido da PGR ao STJ para manter afastada a ex-chefe do Ministério Público da Bahia

Trechos do documento que fundamenta o pedido da PGR pela manutenção do afastamento de Ediene Santos Lousado, ex-chefe do Ministério Público da Bahia.
Trechos do documento que fundamenta o pedido da PGR pela manutenção do afastamento de Ediene Santos Lousado, ex-chefe do Ministério Público da Bahia.

O Caso Faroeste é bastante peculiar. Ao passo em que a disputa judicial envolvendo os 360 mil hectares de terras da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto, persiste de forma irresoluta no tempo, o processamento da maior investigação federal do país, envolvendo o próprio Sistema de Justiça, avança lentamente.

A letargia do Sistema Jurídico do Brasil promove prejuízo para todas as partes envolvidas, se não, vejamos:

  • Os acusados permanecem ‘Sob Judice’, ou seja, sem absolvição ou condenação;
  • O Estado não consegue a devolução dos recursos perdidos e, ainda, é obrigado a pagar remuneração aos servidores que estão afastados das funções, até o trânsito em julgado da ação;
  • Os autores das ações judiciais acumulam graves prejuízos financeiros e emocionais com o prolongamento ad perpetuam da causa; e
  • Por fim, a sociedade perde a capacidade de acreditar na resolução do conflito pela via judicial.

É neste contexto de desesperança na atuação do Poder Judiciários para resolução dos conflitos que o Jornal Grande Bahia (JGB) recebeu, de fonte, cópia do requerimento da Procuradoria Geral da República (PGR) encaminhado ao ministro Og Fernandes, no qual apresenta o pedido de manutenção do afastamento de Ediene Santos Lousado da função de promotora de Justiça.

O processo judicial tramita na Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Og Fernandes é relator da maioria das ações decorrentes das várias fases da Operação Faroeste.

A 6ª e 7ª fases da Operação Faroeste

Recapitulando, em 14 de dezembro de 2020, a PF deflagrou a 6ª e 7ª fases da Operação Faroeste que objetivou apurar, em tese, a prática dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, numa dinâmica organizada, em que gravitam 4 núcleos de investigados:

  • a) núcleo judicial, onde operam desembargadores, magistrados e servidores do Tribunal de Justiça da Bahia,
  • b) núcleo causídico, que tem advogados fazendo a intermediação entre os julgadores e produtores rurais,
  • c) núcleo econômico, que conta com produtores rurais, todos com a deliberada intenção de negociar decisões, em especial, para legitimação de terras no oeste da Bahia, não se perdendo de vista a descoberta posterior do
  • d) núcleo de defesa social, cuja provável missão era dar blindagem aos demais núcleos, tendo, em sua composição a então Procuradora-Geral de Justiça do Ministério Público da Bahia (MPBA), Ediene Lousado; e outros.

Ediene Lousado atuou, entre março de 2016 e março de 2020, como chefe do Ministério Público da Bahia (MPBA) e, quando a ação ostensiva foi deflagrada pela Polícia Federal, a promotora de Justiça era conselheira substituta no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), ao passo em que tinha sido aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal para o cargo de efetiva, com mandato de dois anos.

Panorama processual

Até 7 de dezembro de 2022, a Operação Faroeste resultou no ajuizamento de 10 denúncias criminais.

A investigação tem como fio condutor o Inquérito nº 1258/DF, o qual apura a prática dos crimes de lavagem de dinheiro e pertinência em organização criminosa, em que gravitavam quatro núcleos de investigados:

  • a) núcleo judicial, onde operaram desembargadores, magistrados e servidores do Tribunal de Justiça da Bahia,
  • b) núcleo causídico, que tinha advogados fazendo a intermediação entre os julgadores e produtores rurais, e
  • c) núcleo econômico, que contava com produtores rurais,
  • d) núcleo de defesa social, cuja provável missão era dar blindagem aos demais núcleos.

Segundo o MPF, todos eles tinham a manifesta intenção de negociar decisões, em especial, para legitimação de terras no oeste da Bahia, principalmente, situadas nos municípios de Formosa do Rio Preto e Santa Rita de Cássia.

O pedido de afastamento

O requerimento de manutenção de afastamento Ediene Lousado, encaminhado ao ministro OG Fernandes, é assinado pela vice-procuradora-geral da República, Lindôra Maria Araújo, e data de 7 de dezembro de 2022. Nele consta a seguinte identificação: Nº 1217 PGR/2022/AJCRIMSTJ/PGR/LMA, referente a Ação Penal (APN) n° 1025/DF (2021/0210809-0).

Por princípio da cautela e com a finalidade de aprofundar os dados apresentados nas 16 páginas do documento da PGR, a seguir, o Jornal Grande Bahia (JGB) expõe alguns dos principais trechos dos argumentos que fundamentam o pedido de renovação do afastamento da ex-chefe do MPBA.

— O Ministério Público Federal, pela vice-procuradora-geral da República signatária, vem à presença de Vossa Excelência, respeitosamente, expor e requerer o que adiante se segue.

— Superada a demonstração de que Ediene Lousado está afastada e com outras medidas alternativas decretadas de maneira justificada, a manutenção da suspensão do exercício de suas funções é imprescindível para o desfecho do presente caso, reafirme-se numa gramatura em que estão cristalizados a prova da materialidade dos crimes e os indícios de suas respectivas autorias.

— Tem-se, portanto, o incremento de evidências probatórias idôneas a demonstrar que os motivos para o afastamento do exercício das funções de Ediene Lousado estão incólumes e agravados, como se percebe da ratio decidendi [a razão para a decisão] adiante talhada:

    1. Em 7 de dezembro de 2020, no bojo da denominada Operação Faroeste, foi determinado o afastamento cautelar de Ediene Santos Lousado do exercício da função de promotora de Justiça do Ministério Público da Bahia, pelo prazo de um ano. Em 26 de fevereiro de 2021 e 15 de fevereiro de 2022, a Corte Especial do STJ renovou a ordem de afastamento.
    2. Prestes a se exaurir o prazo estipulado, persistem, de forma inequívoca, os motivos que deram causa à suspensão inicial.
    3. Na presente ação penal, o Ministério Público Federal (MPF) imputou à denunciada a prática dos crimes previstos nos artigos 321 (advocacia administrativa) e 325, § 2º (violação de sigilo profissional), ambos do Código Penal; e no artigo 2º, caput (pertencimento a organização criminosa) e § 1º (obstrução de investigação) ambos da Lei nº 12.850/13.
    4. Os fatos supostamente criminosos ainda não foram julgados. Os denunciados foram notificados para oferecer resposta à acusação, na forma do art. 4º da Lei nº 8.038/90, não tendo ocorrido, até o presente momento, a apreciação dos termos da denúncia por esta Corte Especial.
    5. Além disso, os acordos de colaboração premiada firmados até o momento resultaram em novos inquéritos, alguns deles remetidos à livre distribuição entre os membros desta Corte, o que pode eventualmente originar novas ações penais.
    6. Este panorama demonstra que, nada obstante as investigações estejam avançando, não é possível afirmar que a apuração dos graves fatos investigados foi concluída. Logo, não é recomendável permitir que a denunciada reassuma as atividades no Ministério Público do Estado da Bahia neste momento.
    7. Continuam plenamente válidos, dessa forma, os motivos que autorizam o afastamento inicial.
    8. Questão de ordem resolvida no sentido de se prorrogar a medida cautelar de afastamento do exercício da função, pelo prazo de um ano.

— Desse modo, cumpre salientar que a medida em voga é providência imperiosa, pois o afastamento do cargo representa perda do poder de obstrução ou permanência da atividade criminosa, satisfazendo os objetivos pretendidos, sobretudo, quando diversas são as frentes persecutórias em desfavor dos investigados, à luz do disposto nos art. 29 da LOMAN, art. 319, VI, do código de Processo Penal, e do art. 2º, § 5º, da Lei nº 12.850/13.

— Em conclusão, tem-se a existência de atos contemporâneos que legitimam as medidas cautelares contra a denunciada Ediene Lousado, a qual, exercendo o cargo máximo do Ministério Público baiano, deveria ter impedido a multiplicação jurídica criminosa das terras na região de Coaceral, bem como na região de Estrondo, que somadas devem ultrapassar 800.000 hectares.

— Por certo, a situação de pleno funcionamento da ORCRIM, integrada pela denunciada Ediene Lousado e seus demais comparsas, foi ratificada com a Ação Controlada (Pet n° 12.659/DF), que culminou com a prisão do empresário LUIZ SÃO MATEUS, em 17/06/2021, que, além de se colocar como negociador de vacinas contra o COVID 19, estava atuando, mesmo após a deflagração de 07 (sete) fases ostensivas da Operação Faroeste, no recebimento milionário de propina e potencial lavagem.

— Ao fim, sobreleve-se que a força da organização criminosa sindicada é de tamanha magnitude que sequer comissões de magistrados para apuração dos fatos conseguem ser formadas para atender determinação do Conselho Nacional de Justiça, ou seja, 13 e 11 desembargadores, sequencialmente, dão-se por suspeitos, positivando, assim, que a prisão dos réus é inevitável para manutenção da ordem pública, normal colheita de provas e aplicação da lei penal.

— Tal situação densifica-se, quando, em recente julgamento correcional, envolvendo magistrado que, também, atuou no oeste baiano, dessa feita, 22 desembargadores, novamente, declararam-se suspeitos, no dia 12 de outubro de 2022, a escancarar o abalo que os fatos em questão causam no órgão máximo do Poder Judiciário local.

Próximo capítulo

O Capítulo 119 (CXIX) do Caso Faroeste vai abordar a segunda parte do documento de 19 páginas da PGR, no qual a PGR narra fatos ‘Sob a investigada Ediene Santos Lousado’.

O requerimento dirigido ao ministro Og Fernandes, relator da ação criminal, objetiva a manutenção do afastamento, pelo prazo de um ano, de Ediene Santos Lousado do exercício da função de promotora de Justiça do Ministério Público da Bahia.

A investigação do MPF, no âmbito da Operação Faroeste, surgiu a partir de desdobramento do conflito judicial entre José Valter Dias, autor da Ação de Reintegração de Posse de nº 0000157-61.1990.8.05.0081, contra os acionados Grupo Econômico dos Okamoto e Grupo Bom Jesus Agropecuária, e contra o terceiro interessado, advogado Domingos Bispo.

O processo foi iniciado em meados da década de 1980 e discute a propriedade e posse dos cerca de 360 mil hectares de terras da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto, região oeste da Bahia.

As reportagens exclusivas publicadas pelo Jornal Grande Bahia demonstram que a investigação federal ultrapassou o caso inicial e passou a abranger outros processos em trâmite na Justiça Estadual da Bahia.

Leia +

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Capítulo 109 do Caso Faroeste: Os litigantes na disputa pelas terras da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto; Quem é José Valter Dias, “o borracheiro” — Parte 1


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