Capítulo 120 do Caso Faroeste: À espera de Justiça

Em 19 de dezembro de 2022, a Corte Especial do STJ realizou a sessão de encerramento do Ano Judiciário. Prazos serão retomados em 20 de janeiro de 2023. Processos criminais do Caso Faroeste estão na pauta da instância do Judiciário aguardando julgamento.
Em 19 de dezembro de 2022, a Corte Especial do STJ realizou a sessão de encerramento do Ano Judiciário. Prazos serão retomados em 20 de janeiro de 2023. Processos criminais do Caso Faroeste estão na pauta da instância do Judiciário aguardando julgamento.

É o 23º ano do Século 21, ainda assim, o Estado Brasileiro permanece, em muitos aspectos, atrasado na marcha civilizatório, por ser incapaz de prover dignidade de vida à maioria dos cidadãos e, ou, prestar-lhes um serviço público digno.

Persiste no país um anticultura do serviço público, com a patrimonialização para fins de enriquecimento pessoal. Desta forma, parte do setor público concede “recesso” a um significativo número de servidores, por períodos que variam de 20 a 90 dias por ano, e esse longo tempo afastado do trabalho é remunerado, além de não contar como férias.

Neste contexto, o Estado perpetua diferentes formas de desigualdade estrutural, com servidores e povo ocupando estamentos sociais e benefícios de 1ª, 2ª… e 5ª classe.

A ideia de direitos universais e equiparados entre público e privado é uma utopia no Brasil. Ao atingir pouco mais de 50 anos, muitos servidores estão aposentados. Enquanto, parte considerável do povo trabalha até a exaustão física, mental e emocional para prover-lhes, através dos impostos, o “paraíso perdido” entre os mortais, com aposentadorias dignas de marajás oriundos de castas da Índia.

O sistema de promoção da desigualdade estrutural está legalmente instituído no país. Os parlamentares, eleitos para beneficiar o povo, terminam desviando os recursos públicos para duas finalidades: primeiro, transferência de renda por meio de juros extorsivos para as 500 famílias mais ricas do país; segundo, benefícios para servidores que minam a capacidade do Estado em realizar a função de redistribuir a riqueza da sociedade por meio de investimentos em infraestrutura, saúde, educação, habitação e promoção de emprego e renda. Vários destes servidores recebem subsídios de até R$ 41.650,92, cerca de 33 vezes o que recebe o trabalhador que é remunerado com o salário-mínimo nacional (R$ 1,3 mil). Além deste fato, extrapolam o teto remuneratório ao receberem diárias que atingem mais de um salário-mínimo, e acúmulo de funções, como se por dia ultrapassassem dezenas de vezes a jornada de 8 horas.

Neste contexto, pouco mais de 200 mil servidores estaduais ficam com cerca de 50% do orçamento do Estado da Bahia, que, para 2023, é projetado em R$ 63,9 bilhões.

A população baiana é estimada em cerca de 15,2 milhões de habitantes, que, por sua vez, são responsáveis pelos R$ 63,9 bilhões do orçamento. Mas, apenas, em 2023, R$ 1,7 bilhão serão destinados para o investimento. Ao passo em que mais de R$ 7 bilhões serão gastos com aposentadorias e pensões de pouco mais de 30 mil servidores.

Para além disso, o recesso de transição de ano, decretado pelo Poder Judiciário e Ministério Público, teve início em 20 de dezembro e foi até o dia 6 de janeiro de 2023, com retomada dos prazos processuais em 20 de janeiro. São 30 dias, nos quais os jurisdicionados aguardam pelo trâmite e ou desfecho das demandas apresentadas. Literalmente, demandantes e demandados estão ‘à espera de Justiça’.

Caro, ineficiente e patrimonializado não são adjetivos que qualificam o Estado. Eles expressam a desconcertante desigualdade estrutural que está instituída pelo sistema de Leis, aprovadas pelos parlamentares, que impede os governantes do Poder Executivo de prover os investimentos necessários à ‘Marcha Civilizatório do País’.

Caso Faroeste, o que esperar

O contexto argumentativo apresentado pode ser percebido no Caso Faroeste.

Iniciado na década de 1980, o conflito fundiário-jurídico resultou na Ação de Reintegração de Posse de nº 0000157-61.1990.8.05.0081, cujo trâmite ocorre no Poder Judiciário Estadual da Bahia (PJBA).

A disputa pelos 360 mil hectares de terra, área equivalente ao município de Salvador, é de longa trajetória no tempo e, até o presente momento, o Poder Judiciário não decidiu quem é o verdadeiro proprietário e a quem deve ser dada a posse.

A exploração das terras ocorre a partir de um sistema de posse precária, fundada em decisões judiciais em contestação. Fato que cria obstáculos à expansão agrícola e a paz social.

Quem disputa as terras da antiga Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto

Atualmente, existem três polos reivindicando a propriedade da área, a saber:

    • O primeiro polo é composto por José Valter Dias e a esposa, que alegam ter adquirido a Fazenda São José pela matrícula nº 1037.
    • O segundo polo é composto pelo Grupo Okamoto e os sucessores, que adquiriram os imóveis de matrícula nº 726 e 727.
    • Por fim, quem também reivindica a propriedade da área é o advogado Domingos Bispo, alegando ser o representante dos sucessores de Suzano Ribeiro de Souza (†1890), com a matrícula nº 54, registrada em 20 de junho de 1887.

Domingos Bispo ingressa na disputa judicial com atraso de três décadas em relação a demanda de José Valter Dias e de mais de um século, se levado em consideração a data da morte e abertura do inventário do casal Souza.

Os primeiros registros cartoriais das terras da antiga Fazenda São José

Datada do final do Século 19 (XIX), a compra das terras da Fazenda São José, em Formosa do Rio Preto, município situado no oeste da Bahia, ocorreu em 20 de junho de 1887 e foi formalizada por Suzano Ribeiro de Souza, que adquiriu de Anna Felícia de Souza Miranda. Este fato consta no Registro Cartorial de nº 54, lavrado no antigo livro de Transcrição dos Imóveis, no qual está lançada a compra e venda da Fazenda São José, pelo Tabelionato de Notas da Comarca de Santa Rita de Cássia. Na época, a Comarca abrangia, também, o município de Formosa do Rio Preto.

    • Em janeiro de 1890, morre Suzano Ribeiro de Souza e em 18 de fevereiro de 1890 é iniciado o processo de inventário dos bens.
    • Em 1908, faleceu Maria da Conceição Ribeiro, viúva de Suzano Ribeiro de Souza, e um novo inventário foi aberto.
    • O casal deixou como herdeiros: Antônia Ribeiro de Souza (à época, casada com Luiz Ribeiro de Souza); Raimundo Ribeiro de Souza, 18 anos; Joana Ribeiro de Souza, 17 anos; Maria Ribeiro de Souza, 8 anos; e Domingos Suzano Ribeiro, 6 anos.

O resultado da insegurança jurídica

Com o passar das décadas e a ampliação das técnicas e tecnologias produtivas para o setor rural, as terras da antiga Fazenda São José, cuja posse e propriedade permanecem sem definição pelo Poder Judiciário, passaram a valer milhões de reais, fato que recrudesceu a disputa pelo imóvel rural, ao passo em que manteve sob conflito a região. O resultado desta perversa equação são os assassinatos, a corrupção e a insegurança jurídica.

Na outra ponta, na busca por Justiça, parte dos litigantes passaram a participar do Sistema de Corrupção que vai muito além do conflito fundiário-jurídico em si.

A magnitude da disputa foi de tal ordem que, em 19 de novembro de 2019, baseado nas evidências e provas do Inquérito nº 1258/DF, conduzido pela Procuradoria-geral da República (PGR), foi deflagrada a 1ª fase da Operação Faroeste pela Polícia Federal (PF), por ordem do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Og Fernandes.

Um verdadeiro cataclisma se abateu sobre o mundo jurídico da Bahia, com reflexo sob o Brasil, haja vista que fontes do Jornal Grande Bahia (JGB) são categóricos em afirmar que o que ocorreu no estado se reproduz em outras unidades da federação e instâncias de Poder.

À época dos fatos, o presidente e a segunda-vice-presidente do Poder Judiciário Estadual da Bahia (PJBA), além de outros, foram afastados da função. A corrupção de agentes públicos, patrocinados por empresários, por meio de advogados foi descoberta e as investigações, com o passar do tempo, foram se tornando ainda mais sigilosas.

Após a primeira fase da operação, seguiram-se outras e parte do Sistema de Corrupção Faroeste foi desvendado, ao passo em que, antes de fazer ruir as bases elementares do Poder, o ímpeto investigatório foi detido e o número de ações policiais reduzido.

No dia 19 de dezembro de 2022, completou três anos desde a primeira fase da operação, que resultou na primeira Ação Penal, de nº 940/DF, outras vieram depois, mas, é de plasmar que até o presente momento, mesmo tramitando na poderosa Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, nenhuma delas tenham chagado ao fim, seja para condenar, ou absolver os réus das ações criminais. Eles estão, literalmente, ‘à espera de Justiça’. 

Da mesma forma que os litigantes e litigados das terras da antiga Fazenda São José, a população que vive na região oeste da Bahia e, de maneira mais ampla, o povo brasileiro, que tem o desejo utópico por um Estado eficiente e competente, cuja Justiça seja célere e ética.

Próximo capítulo

A partir de um documento do Ministério Público Federal (MPF), o Jornal Grande Bahia traz, no Capítulo 121 (CXXI) do Caso Faroeste, o resumo das Ações Penais decorrentes do Inquérito nº 1258/DF, que resultaram nas Operações deflagradas pela PF, que, por sua vez, conformam o conjunto de fatos e julgamentos que tramitam na Justiça, Ministério Público e Polícia Federal.

Em síntese, por um lado persiste a disputa pelas terras no âmbito da Justiça Cível, enquanto em outra vertente, os envolvidos nessa e em outras situações, que foram apanhados no transcurso da Operação Faroeste, passam a ser investigados, processados e julgados, em situações que vão além do conflito fundiário-jurídico original, todos, ‘à espera de Justiça’, em latim, ‘Expectans Iustitiam’.

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