Em um mundo em que os limites do CAOS e do cosmo1, da justiça e da liberdade, da construção dos novos conhecimentos científicos margeiam pontos de extensos debates, vivemos nos entremeios da ciência primitiva, quando se prospecta o futuro. As ciências naturais, particularmente a medicina, sobrevive das projeções estatísticas, do experimentalismo, que as conferem ordens de normalidades, “previsibilidades”, nos quais os fatores que reduzem as margens de erros das “assertividades”, estão diretamente relacionado com os conhecimentos das diversas variáveis implicadas na questão em foco, ou seja, quanto maior o meu conhecimento de determinado assunto e do seu comportamento, controle das variáveis, menor será o erro estatístico, das probabilidades. Todavia, aparece a palavra “erro”, destacado na linguagem popular como a margem que não contemplou o contingente maior dos acertos previstos, mas acerto dentro da aceitação científica das probabilidades positivas ou negativas, portanto traz um “falso cognato” entre a linguagem científica e popular, designando a probabilidade não desejada, rotulando e maculando os profissionais de saúde, que devem conviver com isso. Os 100% da certeza de probabilidades positivas, determinismo2, será uma busca infinita, a qual nem a medicina e nem outra ciência poderá ofertar, a sua apropriação é “distópica”.
O que identifica o ser são as suas semelhanças, características, semelhanças que vão desde as questões morfológicas, sentimentais, comportamentais etc. Porém, as coisas que nos distinguem das outras questões que nos assemelham, tornam-nos indivíduos, únicos e diversos, são as combinações multifatoriais que nos permitem sentir-se exclusivos nesse universo.
Vivemos em tempos difíceis, muitos avanços tecnológicos quando comparamos com o passado, entretanto, os 100% de assertividades permeiam os pensamentos, as expectativas dos resultados, para os atos propostos aos seres vivos, assemelham-se as trocas de peças de máquinas, coisificação. Porém, quando vislumbramos as possibilidades futuras que buscam esses propósitos, a ciência parece ainda ser muito remota e primitiva. Nos tempos atuais, a medicina é apresentada e fundamentada em probabilidades estatísticas, a qual estrutura o pensamento médico, hipotético-dedutivo, partindo das experiências dos outros (geral) para deduzir conclusões a respeito do indivíduo, combinação única no universo, não existe um ser totalmente igual ao outro. Mesmo assim, a medicina vem sobrevivendo através dos tempos, propondo mais acertos do que erros. Contudo, nos meios das tentativas dos acertos, existem as apropriações inadequadas, indevidas, tanto por parte dos pacientes, de alguns profissionais médicos, assim como do direito, das assertividades, dos determinismos, propostas pelos diversos atos diagnósticos, terapêuticos e “estéticos”. Nesses inteires, os profissionais iludidos, ou até propositalmente conduzidos a esses pensamentos, expectam uma falsa segurança para os indivíduos expostos, vulneráveis, segurança de 100% dos resultados, ou caso contrário, 100% da ação coercitiva que “prometerá” corrigir a conduta. As ações propostas são moduladas de forma estreitas, fundamentadas em uma ampla discussão: negligência; imperícia; imprudência; e meio ou fim, que margeiam os 4 princípios éticos3, os quais norteiam a medicina: autonomia, justiça, beneficência e não maleficência. Contudo, a principiologia norteia, mas a moderação não bem ponderada observada nos indivíduos, capitalistas, individualistas, coisificados, distorcem a utopia médica4, transformando em distopia, fortalecendo a falsa segurança de 100%, algo que será a busca infinita da ciência, atenuando as experiências que serão únicas.
Portanto, ninguém poderá medir, exatamente, a quantidade e a qualidade da “dor e do prazer”, da sua experiência. Poderão propor terapias e formas de atenuá-los ou ampliá-los, porém, a experiência de viver é única, as sensações e reações serão únicas, individuais, previsíveis, muita das vezes bem parecidas, no entanto, únicas. Um corte para cicatrizar, mesmo em condições semelhantes (profundidade, tamanho, instrumento, mesmo profissional, ambiente cirúrgico etc.) dependerá desde as condições genéticas e físicas do individuo, até mesmo das condições comportamentais, ambientais do sujeito e outras variáveis ainda não ponderadas. As medicações descrevem para-efeitos e resultados positivos ou negativos, mais comuns, porém a experiência de experimentá-las, as consequências, ocorrerá apenas testando.
A medicina de massa, atualmente praticada, parte da ideia da industrialização, escalonamento de produção, massificação de produtos, é delimitada em rangos de normalidade e efeitos mais comuns, deixando-se mais fácil a prática médica e tornando os indivíduos muito semelhantes. Todavia, a apropriação inadequada das certezas, distorce as interpretações dos fundamentos médicos, tornando-se distópicos. Favorece o crescimento da coerção, fundamentado nos interesses individuais e atos corretivos. Portanto, a experiência de viver é única, a dor será única e inigualável, assim como, o prazer. O individuo terá que passar pelas suas próprias experiências algum dia, porém, terá que lembrar que tudo já experenciado apenas lhe dará um norte, e você contará a sua própria história.
*Ângelo Augusto Araújo, MD, MBA, PhD (angeloaugusto@me.com).
Referências
1 – Disponível em: https://faced.ufba.br/caos-e-cosmos, acessado em 09/07/2023
2 – Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Determinismo, acessado em 09/07/2023.
3 – Disponível em: https://portal.cfm.org.br/images/stories/biblioteca/codigo%20de%20etica%20medica.pdf, acessado em 09/07/2023
4 – Disponível em: https://jornalgrandebahia.com.br/2023/03/a-doenca-da-medicina-utopica-distopica-e-degeneracao-por-angelo-augusto/, acessado em 09/07/2023
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