Os desafios no desenvolvimento de vacinas para Covid-19 | Por Ângelo Augusto Araújo

Infográfico apresenta etapas do desenvolvimento da vacina.
Infográfico apresenta etapas do desenvolvimento da vacina.

Diversos centros de estudos ao redor do mundo estão desenvolvendo pesquisas no intuito de encontrar soluções profiláticas e medicamentosas contra a infecção pelo novo coronavírus. Diariamente os veículos de comunicação (JGB, 2020) noticiam experimentos de vacinas que estão sendo desenvolvidas, relatando informações sobre estágios avançados de testes em voluntários, e acendem as perspectivas humanas na busca de solução que ponha fim a essa tragédia.

As ansiedades despertadas podem proporcionar diferentes posicionamentos, desde os que exibem total confiança na ciência, outros que se colocam em situações de vulnerabilidade e desconhecimento, até os que se manifestam céticos e contrários as vacinas como os antivaxxers [1]. Contudo, os órgãos que controlam a produção de ciências e seus experimentos, estão atentos com os protocolos que deverão ser seguidos e aplicados, antes mesmo que os testes passem de uma fase experimental para uma fase de produção e utilização em massa, no caso as vacinas. Então, quais serão os desafios que a ciência tem que percorrer até imprimir os protocolos e produção das vacinas?

O desenvolvimento das vacinas

Diferente das ciências exatas, as ciências biológicas, especificamente, a ciências da saúde, quando se relaciona aos controles das variáveis de estudo, determinam que esses aspectos não são tão fáceis de manusear, ou seja, não são tão precisos a ponto de prever com exatidão os resultados esperados.

A ciência da saúde está envolta por uma diversidade de questões que, mesmo delimitando e tentando fazer o controle das variáveis, as respostas para os problemas poderão ser diversas e necessitarão de um processo de amadurecimento que requererá tempo.

Inicia, nesse momento, o primeiro problema a ser enfrentado, o TEMPO. Não existem mecanismos que acelerem o processo biológico da natureza. Esse desafio a ciência tenta driblar, utilizando formas de vidas diferentes nos experimentos iniciais para que sejam observados os efeitos brutos e as respostas as intervenções propostas.

Rotineiramente, antes de começar qualquer tipo de pesquisa, os estudos deverão ser analisados teoricamente, simulados, passados por uma comissão de ética para o que se propõe, e por fim ser proposto como experimento a ser testado. Depois da análise “in vítreo” (simulação laboratorial), passam a ser analisados em formas de vidas diferentes, até chegar aos mamíferos, preferencialmente os primatas [2], e finalmente o ser humano. Todas essas etapas requerem TEMPO e análises dos resultados.

Os desafios na produção de vacinas que foram relatados de forma resumida na abordagem anterior não param. Quando ouvimos que um centro de pesquisa ultrapassou todo esse processo e estão testando vacinas para Covid-19, acende em todos a esperança da proximidade da profilaxia. Contudo, existirão etapas muito importantes a serem ultrapassadas antes de anunciar uma produção segura de vacinas. Destaca-se que antes de se testar a vacinas em humanos, a última espécie utilizada nos experimentos foram mamíferos, preferencialmente primatas.

O próximo estágio de desenvolvimento a ser observado serão as respostas e reações nos seres humanos, uma espécie específica dentro dos mamíferos que tem características bio-estruturais diversa, e dentro da própria espécie existem diversidades intrínsecas. Então, mais uma vez o conhecimento na produção de vacinas irá requerer TEMPO de observação, conhecimento e busca de uma resposta padrão.

Vacinas

As vacinas têm o sentido de estimular o organismo, que está experimentando o uso, a produzir a sua própria defesa contra o agente agressor e invasor, processo conhecido como imunização. As vacinas são produzidas a partir de fragmentos de vírus ou vírus atenuados (que tiveram o seu código genético modificado para não se reproduzir) e quando injetadas, ou pulverizadas, ou em gotas em suas diversas maneiras de administração, promovem uma cadeia de reações biológicas relacionadas com o não reconhecimento do agente estranho pelo o organismo do indivíduo, estimulando o corpo a produzir as próprias defesas que são partículas conhecidas como imunoglobulinas e suas reações de complementos.

Imunoglobulinas (anticorpos)

As imunoglobulinas, especificamente aqui tratadas relacionadas com a imunização à Covid-19, são basicamente de dois tipos: IgM e IgG. As IgM são imunoglobulinas grosseiras, pouco elaboradas e que estão prontas para atuarem no 3º ao 5º dia da infecção. Normalmente, após o décimo dia, os níveis de IgM começam a cair e, depois do 15º dia, são substituídas aos poucos por imunoglobulinas mais elaboradas e mais eficazes chamadas IgG. Em todo esse processo, ocorrerão reações complementares que auxiliam na destruição e limpeza do organismo dos restos da disputa.

Produção de vacinas e questionamentos

As vacinas estão sempre mirando a produção das imunoglobulinas IgG. Mas, as perguntas relacionadas as imunoglobulinas que precisam ser respondidas são:

a)      Essas imunoglobulinas são realmente eficientes para destruir o vírus da Covid-19? Sim, em partes pode se afirmar que sim. Pelo ao menos, teoricamente é o que se espera. Artigos (GONG, 2020; HANCOCKS; SEO; HOLLINGSWORTH, 2020) demonstram que essa informação ainda está sendo questionada, pois indivíduos que pareciam imunizados apresentam quadros de reinfecção.

b)      Existe uma questão qualitativa na forma das imunoglobulinas que estão relacionado com uma melhor imunização? Parece que sim. Existem estudos (WANG; ZAND, 2020) que estão sendo feitos em crianças e adolescente com a finalidade de responder esse questionamento. A chave para essa resposta será a abertura para vários outros tipos de vacinas em desenvolvimento.

c)      Se existe um qualitativo importante, é possível que o quantitativo da produção de imunoglobulinas seja também importante? Sem dúvidas. Mas ainda não se sabe qual será esse quantitativo. Essa informação estará exposta a diversidade e entrecruzada com a qualidade das imunoglobulinas e as cargas virais de infecção.

d)      Quanto tempo essas imunoglobulinas ficarão circulando e oferecendo proteção ao organismo? Essa questão ainda não se sabe ao certo. Esse é um grande desafio que estará relacionado com o TEMPO. Estudos de reinfecção (GONG, 2020; HANCOCKS; SEO; HOLLINGSWORTH, 2020) suspeitam da curta duração do processo de imunidade.

e)      Existem riscos na imunização, uso de vacinas? Certamente. O que se procura no desenvolvimento é atenuar ao máximo esses riscos. Estudos teóricos (WANG; ZAND, 2020) demonstram que alguns anticorpos poderão apresentar e formar complexos de ligações, chamados ADE [3], que se pode ligar as células da pessoa que está sendo imunizada e agir contrariamente, facilitando a entrada do vírus.

Conclusão

Os processos de desenvolvimento e testagem das vacinas são muito longos, devido ao curso, etapas científicas, que deverão ser seguidas até mostrarem segurança e eficácia para o uso humano. As urgências que temos não podem ser superiores aos protocolos científicos que necessitarão de TEMPO, que é uma variável que não pode ser acelerada para os estudos observacionais, e estará relacionada com a vida e seus mecanismos.

O salto de etapas importantes e a falta de amadurecimento da ciência no passado, deu vozes para o surgimento dos grupos antivacinas, os antivaxxers. A segurança nos órgãos que controlam os sistemas de produção será um direcionamento muito importante para a certificação da qualidade da informação e do produto que será elaborado. Vidas humanas estão em jogo, a medicina está fundada nos princípios da ciência, não deve ser exposta a situações de tentativas e erros.

*Ângelo Augusto Araújo (angeloaugusto@me.com), médico, pesquisador, doutor em saúde pública e doutorando em Bioética pela Universidade do Porto.

Referências

GONG, Se Eun. In South Korea, A Growing Number Of COVID-19 Patients Test Positive After Recovery : Coronavirus Live Updates : NPR. Disponível em: <https://www.npr.org/sections/coronavirus-live-updates/2020/04/17/836747242/in-south-korea-a-growing-number-of-covid-19-patients-test-positive-after-recover&gt;. Acesso em: 23 abr. 2020.

HANCOCKS, Paula; SEO, Yoonjung; HOLLINGSWORTH, Julia. Recovered coronavirus patients are testing positive again. Can you get reinfected? – CNN. Disponível em: <https://edition.cnn.com/2020/04/17/health/south-korea-coronavirus-retesting-positive-intl-hnk/index.html&gt;. Acesso em: 23 abr. 2020.

REDAÇÃO JGB. Suíça espera ter vacina contra Covid-19 em outubro de 2020 | Jornal Grande Bahia (JGB), portal de notícias com informações de Feira de Santana e Salvador. Disponível em: <https://jornalgrandebahia.com.br/2020/04/suica-espera-ter-vacina-contra-covid-19-em-outubro-de-2020/&gt;. Acesso em: 23 abr. 2020.

REYNOLDS, Emma. Anti-vaxxers: Coronavirus is changing some minds about vaccinations – CNN. Disponível em: <https://edition.cnn.com/2020/04/20/health/anti-vaxxers-coronavirus-intl/index.html&gt;. Acesso em: 22 abr. 2020.

WANG, Jiong; ZAND, Martin S. Potential Mechanisms of Age Related Severity of COVID-19 Infection: Implications for Development of Vaccines, Convalescent Serum, and Antibody Therapies. OSF Preprints, n. 585, 2020.

[1]  Movimento de pessoas contra o uso de vacinas devido aos efeitos colaterais (REYNOLDS, 2020).
[2] Estrutura biológica mais próxima ao ser humano.
[3] Antibody-Dependent Enhancement

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Sobre Ângelo Augusto Araújo 54 artigos
Dr. Ângelo Augusto Araujo (e-mail de contato: angeloaugusto@me.com), médico, MBA, PhD, ex-professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS), especialista em oftalmologia clínica e cirúrgica, retina e vítreo, Tese de Doutorado feita e não defendida na Lousiana State University, EUA, nos seguintes temas: angiography, fluorescent dyes, microspheres, lipossomes e epidemiologia. Doutor em Saúde Pública: Economia da Saúde (UCES); Doutorando em Bioética pela Universidade do Porto; Master Business Administration (MBA) pela Fundação Getúlio Vargas; graduado em Ciências Econômicas e Filosofia; membro do Research fellow do Departamento de Estatística da Universidade Federal de Sergipe; membro da Academia Americana de Oftalmologia; da Sociedade Europeia de Retina e Vítreo e do Conselho Brasileiro de Oftalmologia; e diretor-médico da Clínica de Retina e Vítreo de Sergipe (CLIREVIS), em Aracaju, Sergipe.