A partir de entrevista concedida pelo sociólogo Marcelo Medeiros à Mariana Schreiber, da BBC News Brasil, o Jornal Grande Bahia (JGB) produziu reportagem na qual aborda os principais aspectos do livro autoral “Os ricos e os pobres: O Brasil e a desigualdade”. A seguir, confira o resultado da pesquisa elaborada pelo professor da Universidade de Brasília (UnB) e relatada na publicação científica.
Como ocorre e é ampliada a desigualdade estrutural no Brasil
Que o Brasil é extremamente desigual não é novidade para ninguém. Mas como exatamente essa desigualdade se distribui na sociedade? E o que isso significa para traçar melhores estratégias de distribuição de renda e redução da pobreza?
Essas são algumas das questões centrais do livro “Os ricos e os pobres: O Brasil e a desigualdade” (Companhia das Letras), nova obra do sociólogo Marcelo Medeiros, pesquisador no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que há décadas estuda o tema e atualmente é professor visitante na Universidade Columbia, em Nova York.
Ao tentar explicar quem, afinal, são os ricos e os pobres brasileiros, Medeiros constata que o Brasil é formado por uma grande massa de pessoas de baixa renda, que compõe cerca de 80% da população.
Dentro desse grupo, descreve o sociólogo, a desigualdade é relativamente pequena. Há, claro, diferenças de renda dentro dessa massa, mas numa proporção muitíssimo menor do que a desigualdade que se vê no topo da pirâmide.
Para se ter uma ideia, analisando a distribuição de renda em valores de 2021, o livro destaca que metade dos adultos brasileiros não ganha mais de R$ 14 mil ao ano (menos de R$ 1.200 na média mensal).
Isso acontece porque o topo da pirâmide tem renda tão mais alta que puxa a média da renda para muito acima do que a maioria ganha de fato.
No caso do grupo dos 10% mais ricos, a renda não começa tão elevada. Os “mais pobres” desse grupo ganham em torno de R$ 50 mil por ano. Isso equivale ao salário aproximado de R$ 3.800 mensais de um trabalhador formal, que recebe décimo terceiro e adicional de férias, ressalta o autor.
A partir daí, porém, os patamares de renda começam a crescer num ritmo super acelerado, constata o livro. O 1% mais rico, por exemplo, é um grupo de pouco mais de 1,5 milhão de pessoas que ganham, no mínimo, R$ 340 mil por ano – quase sete vezes mais que aqueles que estão no começo dos 10% mais ricos. Mas as rendas do topo desse grupo vão muito além, enfatiza o autor.
“A maior parte da desigualdade do Brasil está nos 10% mais ricos. Eles são um grupo terrivelmente desigual”, resumiu, em entrevista à BBC News Brasil.
E a desigualdade no topo não é apenas de nível de renda, mas de como essa renda é taxada, destaca Medeiros. Trabalhadores assalariados, por exemplo, tendem a pagar um imposto mais alto que profissionais liberais ou investidores.
“Aumentar a progressividade da tributação – ou seja, cobrar mais de quem ganha mais – é uma das medidas necessárias para promover a distribuição de renda”, defende o sociólogo, mas nem de longe é suficiente.
Na sua visão, enfrentar a colossal desigualdade brasileira tem que estar em toda a política de Governo.
O próprio crescimento da economia, defende, precisa ser pensado como um crescimento pró-pobre. Ou seja, um crescimento que puxe a renda da base ao invés de beneficiar essencialmente o topo, como vem ocorrendo.
“Mais ou menos metade de todo o crescimento brasileiro está indo para as mãos só de 5% da população”, crítica.
Medeiros reconhece que é uma tarefa para décadas, que provocará muita resistência das elites e depende de “mobilizar um capital político monstruoso”.
“Reduzir dramaticamente a desigualdade e a pobreza no Brasil vai envolver muita mobilização política porque o problema é político antes de ele ser enfrentado do ponto de vista de políticas públicas”, enfatiza.
A obra, que acaba de ser lançada, reúne uma série de trabalhos do autor sobre a desigualdade brasileira, que foram publicados ao longo dos últimos 20 anos. É uma parceria entre Med, o Ipea e o projeto Desigualdade Mundial, coordenado pelo economista francês Thomas Piketty.
O sociólogo destaca que o livro não é de fácil leitura, e reconhece que suas conclusões são complicadas. Mas acredita que o esforço vale a pena, pois a obra ajuda a entender melhor o Brasil.
“Ele (o livro) tenta mostrar as desigualdades brasileiras para além dos trópicos, ou seja, explicar que a desigualdade brasileira não é simplesmente uma desigualdade trópica, que é natural de países quentes. Ela é uma desigualdade que é maior que a média mundial e que é maior que a média de países em desenvolvimento, embora o Brasil seja um país em desenvolvimento”, afirmou.
É, por sinal, um problema que, em sua opinião, ajuda a perpetuar a desigualdade, por impedir a compreensão completa do que se passa no Brasil e, com isso, dificultar a ação no sentido de mudar.
Para a pesquisa que deu origem ao livro, Medeiros utilizou os microdados da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), uma pesquisa de campo realizada regularmente pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), além do Cadastro Único do governo federal e o Imposto de Renda.
O autor espera que a obra seja útil, mas não alimenta ilusões sobre a rapidez com que poderá provocar mudanças.
“O Brasil é um país profundamente desigual há muito tempo. Quando vai aterrar essa desigualdade? Não vai. Isso é para o médio e longo prazo. São processos que levarão 30, 40 anos para ocorrer.”
Desigualdade de renda no Brasil
- O Brasil é um país com uma alta desigualdade de renda.
- Segundo o estudo “Os ricos e os pobres: O Brasil e a desigualdade”, metade do crescimento do Brasil está concentrado nas mãos dos 5% mais ricos.
- No topo da pirâmide, a desigualdade de renda é muito alta, com um pequeno grupo ganhando rendas muito superiores ao restante da população.
- Para se ter uma ideia, o 1% mais rico da população ganha pelo menos R$ 340 mil por ano, quase sete vezes mais do que os 10% mais ricos.
- A desigualdade de renda não se limita apenas ao nível de renda, mas também à forma como essa renda é tributada.
- Aumentar a progressividade da tributação, cobrando mais de quem ganha mais, é uma das medidas defendidas para combater a desigualdade de renda.
- No entanto, enfrentar a desigualdade no Brasil requer mudanças profundas em toda a política de governo, bem como um crescimento econômico que beneficie a base da pirâmide, em vez de favorecer apenas o topo.
- Reduzir a desigualdade no Brasil é um desafio de longo prazo e exigirá mobilização política e resistência das elites.
O livro “Os Ricos e os Pobres: O Brasil e a Desigualdade”
Ano após ano, a desigualdade social permanece no epicentro das discussões nacionais. A disparidade extrema de renda não apenas submete uma parcela significativa da população a condições de vida precárias, mas também desafia os princípios éticos fundamentais da sociedade e prejudica o crescimento econômico. Nesse contexto, o renomado sociólogo Marcelo Medeiros, cuja carreira de décadas se dedica ao estudo da desigualdade, surge como uma das principais autoridades do mundo sobre o tema.
Em sua obra “Os Ricos e os Pobres: O Brasil e a Desigualdade”, Marcelo Medeiros realiza uma profunda investigação sobre a natureza da desigualdade no Brasil, oferecendo uma análise sólida e crítica que não apenas descreve os protagonistas dessa realidade, ou seja, os ricos e os pobres, mas também explora as possibilidades e limitações das soluções frequentemente propostas para enfrentar esse desafio.
A obra se destaca por sua concisão, embasamento sólido, rigor filosófico, caráter didático e abordagem polêmica. Medeiros desconstrói conceitos de senso comum, estabelecendo uma conexão inegável entre pobreza, desigualdade e política. Ele demonstra como é possível debater essas questões com base em fundamentos científicos, evitando o excesso de jargões tecnocráticos e priorizando o que é genuinamente essencial por trás das estatísticas.
Uma das mensagens-chave do livro é que as evidências que temos sobre desigualdade não são neutras, mas são moldadas por escolhas políticas. Medeiros desafia a noção de que o status quo é inevitável e mostra como ações políticas podem desempenhar um papel fundamental na redução da desigualdade e na promoção da justiça social.
“Os Ricos e os Pobres: O Brasil e a Desigualdade” não apenas oferece uma análise aprofundada da realidade brasileira, mas também serve como um guia essencial para aqueles que desejam abordar a questão da desigualdade de maneira mais informada, crítica e eficaz.
Quem é Marcelo Medeiros
Marcelo Medeiros é graduado em Economia pela Universidade de Brasília (UnB), mestre e doutor em Sociologia pela mesma instituição. Atualmente, é pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor na UnB. Além disso, leciona anualmente na UNSAM – Buenos Aires. Foi pesquisador no International Poverty Centre – UNDP, pesquisador-visitante no CSC – Cambridge University, no Institute for Human Development – Delhi, no Indira Ghandi Institute – Mumbai, na Sophia University – Tóquio, no CNRS-Cermes3 – Paris e na University of California – Berkeley, além de especialista em avaliação de políticas do TCU.
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