A desigualdade social persiste como um desafio significativo no Brasil, suscitando debates e estudos contínuos entre pesquisadores de diversas áreas. Recentemente, a revista Brazilian Political Science Review (v. 9 n. 2, 2015) abordou essa questão crítica em seu artigo “State transfers, taxes and income inequality in Brazil,” escrito pelo sociólogo e economista da Universidade de Brasília (UnB), Marcelo Medeiros, em colaboração com o sociólogo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Pedro Souza.
O objetivo do estudo foi apresentar avaliação sobre a influência do fluxo de renda líquida de e para o Estado na ampliação da desigualdade de renda no Brasil, com base em dados fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na “Pesquisa de Orçamentos Familiares” (POF) de 2008 a 2009.
Os resultados do estudo indicam que o Estado desempenha um papel significativo no aumento da desigualdade de renda no país. Os pesquisadores identificaram três principais fatores que contribuem para essa desigualdade:
- Elite do Setor Público: O estudo apontou que a manutenção de uma elite trabalhadora no setor público com altos salários e pensões contribui para a concentração de renda. Essa elite do setor público ganha mais do que a maioria da população, exacerbando a desigualdade.
- Desfavorecimento dos Trabalhadores Não Formais: A pesquisa também destacou a presença de benefícios de pensão e seguro-desemprego apenas para funcionários formais do setor privado, o que desfavorece os trabalhadores não formais, que enfrentam dificuldades econômicas semelhantes.
- Políticas Públicas Progressivas de Impacto Limitado: Embora o Estado brasileiro implemente políticas públicas consideradas progressivas, como o programa Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), essas políticas têm um impacto limitado na redução da desigualdade de renda.
De acordo com os cálculos dos autores, os fluxos diretos de recursos entre o Estado e os indivíduos contribuem com um terço da desigualdade de renda no Brasil, e apenas os funcionários com altos salários e pensões do setor público representam um décimo dessa desigualdade.
Os autores argumentam que a análise da desigualdade social deve ser feita com cuidado, considerando o contexto específico, pois nem todo aumento na desigualdade é prejudicial. Por exemplo, o aumento dos salários de professores do ensino primário, para contratar profissionais mais qualificados, é desejável, embora isso possa aumentar a desigualdade, uma vez que esses professores ganham mais do que a maioria das pessoas com educação inferior.
Em entrevista, Marcelo Medeiros, um dos autores do estudo, destaca que o Estado brasileiro desempenha um papel crucial na desigualdade, pois a maioria da população tem uma relação direta com o Estado, que contribui tanto para reduzir quanto para aumentar a desigualdade. Os salários dos trabalhadores do setor público, que são mais qualificados, e a complexa previdência brasileira são os principais impulsionadores da desigualdade.
Marcelo Medeiros enfatiza que as decisões tomadas hoje terão impactos nas próximas décadas, e destaca a importância de abordar a desigualdade de forma abrangente, considerando o equilíbrio entre as políticas públicas, a previdência, a tributação e o investimento em educação.
Perfil dos autores
Marcelo Medeiros é um economista e sociólogo brasileiro que se dedica ao estudo da pobreza, desigualdade e políticas sociais. Ele tem uma vasta experiência acadêmica e profissional, tendo atuado como pesquisador e professor em diversas instituições nacionais e internacionais. Ele é autor de vários livros e artigos sobre temas como renda básica, Bolsa Família, mobilidade social, gênero e raça. Ele também é consultor de órgãos como o Banco Mundial, a ONU e o TCU. Marcelo Medeiros é um dos principais especialistas em sua área de conhecimento e uma referência para quem se interessa por questões sociais no Brasil e no mundo.
Pedro Ferreira de Souza é um sociólogo e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), especializado em temas como pobreza, desigualdade e distribuição de renda no Brasil. Ele é autor do livro “Os ricos no Brasil: Censo 2014 e história” (Hucitec, 2018), que analisa a evolução da concentração de renda entre os mais ricos no país desde 1926 até 2013, usando dados do Imposto de Renda. Ele também é colaborador do World Inequality Database, coordenado por Thomas Piketty, que reúne informações sobre a desigualdade global.
Souza é formado em jornalismo pela PUC-Rio, mestre em sociologia pelo IUPERJ e doutor em sociologia pela UnB. Ele recebeu diversos prêmios por sua pesquisa, como o Prêmio Capes de Tese 2016, o Prêmio Tesouro Nacional 2012 e o Prêmio “O Brasil que sai do Censo”, da Fundação Ford/Anpocs (2012). Ele é pesquisador do IPEA desde 2009 e atualmente integra a Diretoria de Estudos e Políticas Sociais do instituto.
Souza tem participado de debates públicos sobre as causas e as consequências da desigualdade social no Brasil, bem como as políticas públicas necessárias para reduzi-la. Ele defende que a desigualdade brasileira é resultado de uma estrutura tributária regressiva, de uma baixa mobilidade social e de uma elite econômica que se beneficia de subsídios e privilégios do Estado. Ele também critica a falta de transparência da Receita Federal, que dificulta o acesso aos dados sobre a renda dos mais ricos.
Souza é um dos principais especialistas em desigualdade no Brasil e um dos poucos que utiliza os dados do Imposto de Renda para estudar o tema. Seu trabalho contribui para o conhecimento sobre a realidade social brasileira e para o debate sobre as reformas necessárias para tornar o país mais justo e democrático.
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