O ex-presidente da República e ex-senador José Sarney, uma das figuras mais emblemáticas da política brasileira, voltou a destacar a importância do Parlamento para a manutenção e fortalecimento da democracia no Brasil. Em entrevista concedida à TV Senado, Sarney, que completa 70 anos de vida pública em 2024, afirmou que “o coração da democracia é o Parlamento”. Ele reforçou que a existência de um Parlamento forte é condição sine qua non para a garantia da democracia.
“Se não existe Parlamento, não existe democracia. Quando o Parlamento não existe, a democracia não existe”, afirmou Sarney, que ocupou a cadeira de senador por 38 anos, sendo presidente da Casa por quatro mandatos, um recorde na história da República. Aos 94 anos, Sarney permanece como uma referência na defesa das instituições democráticas e relembra com detalhes os momentos mais marcantes de sua trajetória, que se confunde com a história recente do Brasil.
O Sacro Colégio dos Cardeais e a resistência parlamentar
Natural de Pinheiro, no Maranhão, Sarney iniciou sua carreira política em 1954, como deputado federal. Posteriormente, foi governador do Maranhão e, em 1971, chegou ao Senado Federal, em plena ditadura militar. Embora fosse um novato na Casa, Sarney rapidamente foi acolhido pelo denominado “Sacro Colégio dos Cardeais”, um grupo de senadores experientes que se comprometeu a garantir a continuidade do funcionamento do Congresso durante o regime militar.
Esse grupo, composto por nomes como Daniel Krieger, Amaral Peixoto, Magalhães Pinto e Franco Montoro, foi responsável por uma articulação política que, segundo Sarney, prestou um serviço inestimável ao Brasil.
“Fizemos um pacto: quando a coisa ficasse paroxística, em uma luta entre o Congresso e os militares, nós não deixaríamos fechar o Congresso. Abdicaríamos o que fosse possível, mas não deixaríamos fechar o Congresso”, relembrou Sarney.
O Pacote de Abril e os senadores biônicos
Apesar dos esforços do grupo, o Congresso foi fechado temporariamente pelo então presidente Ernesto Geisel em 1º de abril de 1977, após a rejeição da proposta de reforma do Judiciário. Durante o recesso, o governo militar elaborou o “Pacote de Abril”, um conjunto de medidas que buscava garantir a maioria governista no Senado, incluindo a criação dos “senadores biônicos”, que eram eleitos indiretamente. Sarney recorda que essa medida foi uma tentativa do governo de evitar a ascensão da oposição, representada pelo MDB, nas eleições de 1978.
“O Geisel queria fazer a reforma do Judiciário, mas havia uma grande resistência. Ninguém queria fazer essa reforma no Congresso, então nós, na surdina, trabalhamos para rejeitá-la, e o Geisel decretou o recesso”, relembrou Sarney. Esse episódio marcou uma das fases mais críticas da ditadura militar, com impactos duradouros sobre o funcionamento do Legislativo brasileiro.
A extinção dos atos institucionais e a transição democrática
Sarney teve um papel crucial na extinção dos atos institucionais que sustentavam o regime militar. Em 1978, como relator da proposta de emenda à Constituição que deu origem à Emenda Constitucional nº 11, ele foi responsável por articular a medida que extinguiu os atos institucionais e restabeleceu a pluralidade partidária no Brasil. “Eu nunca fiz discurso de defesa do regime militar. Sempre defendi projetos específicos”, afirmou Sarney, ressaltando que via o fim do governo militar como um processo inevitável.
Para ele, o melhor caminho para o retorno à democracia seria pela via institucional, evitando rupturas violentas. “Nós não queríamos chegar pela revolução, e sim pela reforma”, declarou Sarney, que também destacou a sua colaboração com Ulysses Guimarães, então um dos principais líderes da oposição ao regime, na condução de discursos e ações no Parlamento.
Diretas Já e a construção da nova República
A campanha das Diretas Já, em 1984, foi outro marco na vida política de Sarney. Na época, ele era presidente do PDS, partido que sucedeu a Arena, e se posicionou contra a emenda Dante de Oliveira, que previa o retorno das eleições diretas para presidente. No entanto, seu filho, Sarney Filho, votou a favor das diretas, gerando uma situação inusitada.
“Fiz discurso contra as diretas. Meu filho votou pelas diretas, e eu fui ao presidente da República para entregar meu cargo de presidente do partido. Para minha surpresa, ele me disse: ‘Sarney, hoje nós não controlamos mais nossos filhos'”, contou.
A trajetória de Sarney culminou com sua eleição como vice-presidente na chapa de Tancredo Neves, em 1985. Com a morte de Tancredo, ele assumiu a Presidência da República, tornando-se o primeiro presidente civil após 24 anos de regime militar. Sarney liderou o Brasil durante o processo de transição democrática e foi responsável pela promulgação da nova Constituição em 1988.
“Sem Constituição não teríamos transição democrática. Fizemos a Constituição e eu entreguei a transição democrática”, ressaltou.
O legado legislativo e cultural de Sarney
Após deixar a Presidência, Sarney retornou ao Senado, onde continuou sua atuação legislativa por mais 25 anos, até 2015. Durante esse período, ele foi autor de importantes projetos, como o PLS 158/1996, que garantiu a distribuição gratuita de medicamentos para o tratamento do HIV pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
“Apresentei o projeto e ele foi aprovado. Houve uma reação para vetar, mas eu disse ao Fernando Henrique: ‘Não vete, senão o senhor vai me ter como adversário'”, relembrou Sarney.
A cultura sempre foi uma das principais bandeiras de Sarney. Durante seu mandato como presidente, ele conseguiu aprovar a Lei 7.505, conhecida como Lei Sarney, que permitia a dedução de impostos para investimentos em cultura, sendo o embrião da Lei Rouanet. Além disso, ele foi o primeiro a propor uma política de cotas para negros no Congresso, com um projeto de lei apresentado em 1999 que previa a reserva de 20% das vagas em concursos públicos e instituições de ensino.
Modernização e contribuição para o Senado Federal
Durante seus mandatos como presidente do Senado, Sarney foi responsável por modernizar a estrutura da Casa, implementando sistemas de comunicação e criando o Instituto Legislativo Brasileiro (ILB) e o Centro de Consulta Popular. “Eu sairia frustrado se eu não dissesse que fui o modernizador do Senado. Convoquei a Fundação Getúlio Vargas duas vezes para fazer reformas na atividade legislativa e na área administrativa”, afirmou Sarney.
Ele ressaltou que o Senado se tornou uma repartição exemplar durante sua gestão, com melhorias significativas na eficiência e transparência. Para Sarney, a modernização do Senado foi fundamental para fortalecer o papel do Parlamento na democracia brasileira.
*Com informações da Agência Senado.
Share this:
- Click to print (Opens in new window) Print
- Click to email a link to a friend (Opens in new window) Email
- Click to share on X (Opens in new window) X
- Click to share on LinkedIn (Opens in new window) LinkedIn
- Click to share on Facebook (Opens in new window) Facebook
- Click to share on WhatsApp (Opens in new window) WhatsApp
- Click to share on Telegram (Opens in new window) Telegram
Relacionado
Discover more from Jornal Grande Bahia (JGB)
Subscribe to get the latest posts sent to your email.




