No bairro Jiquiá, zona oeste do Recife, Elisangela Jesus da Silva, conhecida como Janja, vive em uma ocupação organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) há oito anos. Junto ao companheiro e dois filhos, a agricultora encontrou uma solução para a dificuldade financeira na Ocupação Aliança em Cristo. A ocupação, no entanto, carece de regularização fundiária, gerando insegurança quanto à possibilidade de despejo. A prefeitura do Recife informou que a área onde Janja vive está fora das Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) e localizada em uma Área de Preservação Ambiental (APA), o que inviabiliza a regularização.
O direito à moradia, garantido pela Constituição Federal, está em debate com a aproximação das eleições municipais. No primeiro turno, em 6 de outubro, eleitores de todo o país escolherão prefeitos e vereadores que terão papel fundamental na implementação de políticas habitacionais. A moradia é um direito assegurado pelo Artigo 6º da Constituição, enquanto o Artigo 23 determina que a promoção de programas de construção de habitações é uma responsabilidade comum da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
O déficit habitacional no Brasil, que afeta milhões de pessoas como Janja, foi estimado em 6,2 milhões de domicílios, de acordo com um levantamento realizado em 2022 pela Fundação João Pinheiro (FJP). A pesquisa revela que o déficit habitacional inclui questões como a necessidade de substituir ou construir moradias e a sobrecarga financeira com aluguéis. Além disso, aproximadamente 42% dos domicílios brasileiros apresentavam inadequações estruturais ou carência de infraestrutura urbana, de acordo com a FJP.
O problema dos despejos forçados agrava ainda mais o cenário habitacional no país. A Campanha Despejo Zero estima que 1,5 milhão de pessoas foram afetadas por despejos ou remoções forçadas. Organizações como a Habitat Brasil têm atuado para mitigar os impactos desse problema, construindo e melhorando moradias para milhares de brasileiros. A instituição defende o acesso à moradia digna e a regularização fundiária como políticas prioritárias para garantir a segurança das famílias.
A diretora executiva da Habitat Brasil, Socorro Leite, destaca que os municípios possuem um papel essencial na garantia do direito à moradia. Cabe aos governos municipais a criação de leis que regulamentem o uso do solo e a definição de áreas destinadas à habitação de interesse social. Ela também ressalta a importância de buscar fontes de financiamento, além dos recursos municipais, para viabilizar programas habitacionais.
Outro ponto central na política habitacional é o plano diretor, uma lei municipal que define como a cidade será ocupada e expandida. Previsto no Estatuto da Cidade, o plano diretor deve ser renovado a cada dez anos e busca garantir o uso adequado das propriedades urbanas, além de regularizar áreas ocupadas. Socorro Leite defende que o plano diretor deve incluir medidas para combater a especulação imobiliária e garantir que imóveis abandonados sejam destinados à construção de novas moradias.
A urbanista Paula Menezes Salles de Miranda reforça que vereadores também têm um papel importante na criação de leis relacionadas à moradia e ao saneamento básico. Ela sugere que os legisladores podem destinar recursos para projetos habitacionais e apoiar movimentos sociais que lutam por moradia digna. Além disso, destaca a importância de implementar instrumentos de controle sobre a especulação imobiliária, como o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) progressivo, para garantir que os terrenos urbanos cumpram sua função social.
O tema da moradia é um dos principais desafios que os novos prefeitos e vereadores eleitos enfrentarão a partir de 2024. Com o déficit habitacional elevado e milhões de brasileiros vivendo em condições precárias, a criação de políticas públicas que garantam o direito à habitação será uma das demandas mais urgentes nos próximos anos.
Urbanista analisa desafios para 2024
Em outubro de 2024, mais de 155 milhões de eleitores em 5.569 municípios irão às urnas para escolher novos prefeitos e vereadores. As atribuições desses representantes, tanto no Executivo quanto no Legislativo municipal, incluem a formulação e implementação de políticas públicas voltadas para o direito à moradia. Nesse cenário, o papel das prefeituras e câmaras municipais torna-se central na garantia de condições dignas de habitação, como exposto pela urbanista Paula Menezes Salles de Miranda, professora na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e com formação complementar na França, Paula Menezes enfatiza a necessidade de ações concretas que assegurem o direito à moradia. Segundo ela, esse direito não se limita ao provimento de habitação, mas envolve também o acesso a serviços essenciais, como saneamento básico, infraestrutura, lazer e oportunidades de emprego. A urbanista defende a atuação ativa dos municípios na implementação de legislações que promovam a habitação adequada e abordem os desafios impostos pela especulação imobiliária.
Os planos diretores, aprovados pelos vereadores, são uma das principais ferramentas municipais na gestão urbana. Essas diretrizes devem contemplar a criação de Áreas de Especial Interesse Social (Aeis), locais onde o poder público pode implementar projetos de habitação de interesse social e infraestrutura. A especialista destaca que, além da criação dessas áreas, é fundamental promover políticas que garantam a permanência dos moradores e impeçam que o mercado imobiliário expulse populações vulneráveis. A participação social, segundo Paula, é crucial para o sucesso de tais medidas.
Outro ponto abordado por Paula Menezes é a importância da regularização fundiária, que visa integrar núcleos urbanos informais ao contexto legal das cidades. A partir da regularização, os moradores adquirem a titularidade formal de suas residências, o que lhes garante maior segurança jurídica e contribui para a melhoria das condições de vida. No entanto, a urbanista alerta que a regularização deve ser acompanhada de políticas públicas que impeçam a valorização excessiva das áreas regularizadas, para evitar a expulsão dos moradores devido ao aumento dos preços imobiliários.
Além disso, Paula ressalta a necessidade de combater a especulação imobiliária, fenômeno que eleva o preço dos imóveis e exclui grande parte da população do acesso à moradia em áreas bem localizadas. Instrumentos como o IPTU progressivo, que prevê o aumento gradual da alíquota de terrenos ociosos, podem ser utilizados para frear esse processo. Segundo a especialista, os municípios devem priorizar a destinação de terrenos públicos para projetos de habitação social, em vez de permitir sua venda ao setor privado, o que tende a agravar a especulação imobiliária.
Para as eleições de 2024, Paula Menezes Salles de Miranda enfatiza que o poder público municipal deve atuar em várias frentes, incluindo a elaboração de planos habitacionais, a urbanização de favelas, a promoção de aluguel social e a utilização de prédios ociosos para fins de habitação social. O fortalecimento da legislação urbanística e a criação de mecanismos de controle sobre o mercado imobiliário são, em sua visão, essenciais para a garantia do direito à moradia no Brasil.
*Com informações da Agência Brasil.
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