Inelegibilidade Reflexa ameaça candidatura de Sheila Lemos em Vitória da Conquista e levanta debate sobre sucessão familiar no poder durante as Eleições 2024

Sheila Lemos, prefeita de Vitória da Conquista assumiu o poder após a morte de Herzem Gusmão. Ela enfrenta julgamento de inelegibilidade com base em norma constitucional que impede a continuidade de mandatos familiares sucessivos no Executivo.
Sheila Lemos, prefeita de Vitória da Conquista assumiu o poder após a morte de Herzem Gusmão. Ela enfrenta julgamento de inelegibilidade com base em norma constitucional que impede a continuidade de mandatos familiares sucessivos no Executivo.

A disputa pela prefeitura de Vitória da Conquista, um dos principais municípios do interior da Bahia, está marcada por um imbróglio jurídico envolvendo a prefeita Sheila Lemos, cuja candidatura à reeleição foi colocada em xeque pela aplicação do princípio da inelegibilidade reflexa. Esse conceito, previsto na Constituição Federal, tem o objetivo de impedir que grupos familiares perpetuem-se no poder por meio de sucessões no Executivo, e já foi aplicado em situações semelhantes no passado.

O caso mais emblemático é o de João Dourado, também na Bahia, em 2020. Naquele ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) impugnou a candidatura de Rita de Cássia Amaral, que concorria ao cargo de vice-prefeita ao lado de Di Cardoso. Rita, que havia sido vereadora entre 2016 e 2020 e presidente da Câmara Municipal, assumiu a prefeitura após a morte de seu companheiro, o então prefeito Dr. Celso, poucos meses antes da eleição. A candidatura de Rita foi barrada pelo TSE, que entendeu que o vínculo familiar – mesmo após o falecimento do prefeito – configurava uma tentativa de continuidade política vedada pela Constituição. Com a impugnação, nem mesmo Di Cardoso pôde assumir a prefeitura, e a cidade foi administrada pelo presidente da Câmara até a realização de uma nova eleição suplementar em 2021.

O fundamento jurídico para esse tipo de decisão está no artigo 14, parágrafo 7º, da Constituição Federal, que trata da inelegibilidade reflexa. A norma impede que cônjuges, companheiros ou parentes consanguíneos até o segundo grau dos chefes do Poder Executivo concorram ao mesmo cargo, na mesma jurisdição, caso o chefe do Executivo tenha exercido suas funções nos seis meses anteriores à eleição. O dispositivo visa a evitar que uma mesma família ocupe o cargo de prefeito, governador ou presidente por meio de sucessivas reeleições ou transferências de poder, respeitando o princípio de alternância no comando do Executivo.

No caso de Sheila Lemos, a situação é similar. Ela foi eleita vice-prefeita em 2020 na chapa liderada por Herzem Gusmão, que veio a falecer em março de 2021 em decorrência de complicações da Covid-19. Com a morte de Herzem, Sheila assumiu a prefeitura e, agora, busca a reeleição. Entretanto, a legislação sobre inelegibilidade reflexa pode ser um obstáculo, uma vez que sua mãe, Irma Lemos, já havia exercido o cargo de prefeita interinamente em duas ocasiões. Em outubro de 2019, Irma assumiu durante as férias de Herzem, e em dezembro de 2020, quando o então prefeito precisou se afastar para tratamento de saúde. Esse histórico familiar levou a questionamentos sobre a legalidade da candidatura de Sheila Lemos, que pode ser considerada uma continuidade familiar vedada pela legislação.

Na segunda-feira (16/09/2024), o Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA) deu um passo importante ao julgar o processo de inelegibilidade de Sheila Lemos. Com quatro votos a favor de sua inelegibilidade, o tribunal formou maioria para barrar sua candidatura. A desembargadora Maíza Seal Carvalho, relatora do caso, comparou a situação de Sheila com o precedente de João Dourado, enfatizando que, apesar do falecimento do ex-prefeito Herzem Gusmão e do intervalo entre as gestões de mãe e filha, a candidatura de Sheila fere a norma constitucional. “A mãe assumiu como substituta, e, na eleição subsequente, a filha concorre como gestora do município. Essa tentativa de reeleição encontra um impeditivo na Constituição”, declarou a desembargadora.

Apesar da formação de maioria, o julgamento foi suspenso após o pedido de vista do desembargador eleitoral Moacyr Pitta Lima Filho. Esse pedido adia a decisão final, e Sheila Lemos ainda aguarda o desfecho do processo para saber se poderá continuar na disputa pela prefeitura.

O caso de Vitória da Conquista atraiu a atenção de juristas e políticos, uma vez que a aplicação da inelegibilidade reflexa tem implicações diretas para o cenário político brasileiro, onde é comum a formação de “dinastias” políticas em nível municipal e estadual. Fabrício Veiga dos Santos, analista judiciário do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, escreveu um artigo detalhando a importância dessa norma no contexto eleitoral. Segundo Santos, a inelegibilidade reflexa tem o objetivo de evitar que o controle do Executivo seja mantido por membros de uma mesma família por meio de sucessivas candidaturas e reeleições. “O principal objetivo desta norma é vetar três mandatos sucessivos no Poder Executivo por membros da mesma família, evitando-se, assim, a burla ao dispositivo constitucional que permite apenas uma reeleição consecutiva, bem como a participação de parentes do titular do Poder Executivo nos pleitos dentro da mesma jurisdição”, explicou o analista.

A decisão do TRE-BA também pode influenciar outras cidades e políticos que se encontram em situações semelhantes, ampliando o debate sobre a necessidade de impedir a perpetuação de famílias no poder, um tema que sempre gera polêmica nos cenários político e jurídico. Caso Sheila Lemos tenha sua candidatura definitivamente impugnada, a disputa eleitoral em Vitória da Conquista sofrerá uma reviravolta, com novos candidatos emergindo e redesenhando o cenário político da cidade.

O que é Inelegibilidade reflexa

Inelegibilidade reflexa é um conceito jurídico no Brasil que se refere à situação em que uma pessoa se torna inelegível (ou seja, impedida de disputar eleições) em função de uma relação familiar com alguém que ocupa ou ocupou um cargo público. Esse impedimento visa evitar o abuso de poder político ou econômico e garantir a imparcialidade nas eleições.

A inelegibilidade reflexa está prevista na Constituição Federal e na Lei Complementar nº 64/1990, também conhecida como a Lei de Inelegibilidades. Um exemplo clássico ocorre quando um político em cargo executivo (como presidente, governador ou prefeito) tenta influenciar a candidatura de seus parentes diretos.

Exemplos:

  • Cônjuges e parentes: O cônjuge ou parentes até o segundo grau de um chefe do Poder Executivo (presidente, governador ou prefeito) se tornam inelegíveis para cargos na mesma jurisdição que o titular, durante o mandato deste.
  • Mandatos subsequentes: Se o chefe do Executivo renuncia ao cargo em prazo inferior a seis meses antes do pleito, seus parentes também podem ser atingidos pela inelegibilidade reflexa.

A ideia é evitar que o poder de um detentor de mandato seja transferido ou utilizado para eleger membros de sua família, promovendo maior equilíbrio nas disputas eleitorais.


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