A indicação de Gabriel Galípolo para a presidência do Banco Central (BC) a partir de 2025 é vista como um dos movimentos mais significativos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva no cenário econômico. Galípolo, de 42 anos, substitui Roberto Campos Neto em um momento de desafios cruciais para a política monetária brasileira, marcado por pressões inflacionárias, necessidade de ajustes fiscais e o compromisso com a estabilidade macroeconômica. Sua formação acadêmica heterodoxa e sua proximidade com o governo Lula colocam-no em uma posição que exigirá habilidade técnica e política para garantir a independência da instituição.
A Trajetória Acadêmica e Profissional
Formado em economia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Galípolo construiu uma carreira que combina a teoria crítica da economia com uma atuação pragmática no setor público e privado. Durante sua graduação, Galípolo chamou a atenção por seu perfil intelectual, destacando-se como aluno aplicado e leitor voraz. Sua relação com o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, iniciada ainda na universidade, consolidou-se em uma parceria intelectual que resultou em artigos acadêmicos e publicações que criticam o papel do capital financeiro na economia global e defendem maior intervenção estatal no controle do setor.
Entre as obras mais conhecidas da dupla, o livro Dinheiro: o Poder da Abstração Real, de 2021, destaca-se por abordar as crises econômicas como oportunidades para reestruturar o sistema financeiro e socializar o investimento. Tais ideias, embora polêmicas no mercado financeiro, evidenciam uma linha de pensamento que valoriza o papel do Estado na economia, em oposição à predominância do setor privado. Apesar disso, aqueles que convivem com Galípolo o descrevem como alguém que não se enquadra em rótulos. Economistas como Igor Rocha e Paulo Gala destacam sua capacidade de adaptação e a amplitude de sua cultura econômica.
A Versatilidade Profissional
Galípolo construiu sua carreira profissional em diferentes esferas, o que o capacitou a navegar tanto no ambiente técnico quanto no político. Entre 2007 e 2008, durante o governo de José Serra em São Paulo, atuou como chefe da assessoria econômica da Secretaria de Transportes Metropolitanos, onde foi responsável por projetos de concessões e privatizações. Essa experiência no setor público preparou Galípolo para lidar com o pragmatismo necessário para gerenciar interesses públicos e privados, algo que ele demonstrou novamente ao assumir a presidência do Banco Fator em 2017.
Sua rápida ascensão no Banco Fator, onde assumiu a presidência aos 35 anos, evidencia a confiança de investidores em sua capacidade de liderança. Sob sua gestão, o banco foi protagonista em importantes projetos de privatização, como a modelagem da venda da Cedae, a companhia de saneamento do Rio de Janeiro, e da distribuidora de gás de Mato Grosso do Sul. A liderança de Galípolo nessas negociações mostrou seu talento para superar resistências, principalmente em setores que envolvem o poder público e grandes interesses privados.
Nos últimos anos, sua atuação se aproximou do governo federal. A colaboração com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na formulação do novo arcabouço fiscal destacou sua influência nos rumos da política econômica do governo Lula. Essa relação próxima levanta questões sobre sua capacidade de garantir a autonomia do Banco Central, um desafio constante para os presidentes da instituição, especialmente quando lidam com governos que buscam maior controle sobre a política monetária.
Os Desafios à Frente do Banco Central
A principal expectativa em torno da presidência de Galípolo no Banco Central está ligada à sua capacidade de manter a independência da instituição frente ao governo federal. A autonomia do BC, garantida pela Lei Complementar nº 179 de 2021, será colocada à prova, especialmente considerando a proximidade de Galípolo com Lula e Haddad. A experiência de seu antecessor, Roberto Campos Neto, mostra os desafios de navegar entre as pressões do governo e as demandas do mercado.
Campos Neto, nomeado durante o governo de Jair Bolsonaro, também enfrentou situações de tensão entre o BC e o Executivo, principalmente no controle da inflação e nas críticas à política fiscal do governo. O cenário atual não é muito diferente. O Brasil enfrenta pressões inflacionárias que podem exigir a elevação da taxa básica de juros, a Selic, medida impopular tanto no governo quanto entre setores do empresariado. Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, destaca que a primeira grande decisão de Galípolo será justamente sobre a condução da política de juros, e se ele terá liberdade para agir de acordo com os sinais da economia, mesmo que isso contrarie os interesses do governo.
Além disso, o BC enfrenta desafios internos, como a falta de servidores. Atualmente, a instituição opera com pouco mais de 3.000 funcionários, quase a metade do número previsto pela legislação. Esse déficit pode comprometer a implementação de projetos estratégicos, como o desenvolvimento do Drex, a moeda digital brasileira, e a expansão do sistema de pagamentos instantâneos, o Pix. Galípolo terá de lidar com essas questões administrativas, ao mesmo tempo que se ajusta à complexa dinâmica política e econômica do país.
O Processo de Transição
A transição de comando no Banco Central será acompanhada de perto por agentes econômicos e políticos. A sabatina de Galípolo no Senado, necessária para sua confirmação no cargo, será um dos primeiros testes de sua gestão. A expectativa é que ele também indique novos nomes para ocupar diretorias importantes do BC, como a Diretoria de Política Monetária, que ficará vaga com sua promoção, e a de Regulação, atualmente ocupada por Otavio Damaso. A composição dessa nova diretoria será fundamental para garantir o equilíbrio nas decisões colegiadas, que envolvem questões cruciais como a definição da Selic.
Enquanto aguarda sua confirmação no cargo, Galípolo já enfrenta o desafio de provar ao mercado sua capacidade de liderança e de articulação com os outros membros da diretoria do BC. Sua habilidade de dialogar com diferentes atores será testada constantemente, especialmente em um ambiente onde decisões técnicas podem entrar em conflito com os interesses políticos do governo.
*Com informações da edição nº 2908 da Revista VEJA, de 30 de agosto de 2024.
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