A crise climática global continua a se agravar, com previsões de que as temperaturas aumentarão pelo menos 1,5 graus Celsius em relação aos níveis pré-industriais até o final deste século. Esse aquecimento está provocando destruição severa e, em grande parte, irreversível em várias regiões do planeta, afetando tanto ecossistemas quanto economias. No entanto, apesar da gravidade da situação, os esforços para mitigar os impactos climáticos permanecem insuficientes. Estudos indicam que, para evitar as consequências mais desastrosas, será necessário atingir um fluxo de financiamento climático global de US$ 5,4 trilhões anuais até 2030.
O papel das instituições no enfrentamento da crise climática
De acordo com Mariana Mazzucato, a crise climática não é um fenômeno acidental, mas resultado direto da maneira como as economias e instituições foram estruturadas, principalmente no que tange às relações entre setores públicos e privados. “Isso nos dá a agência para redesenhar essas instituições de modo a priorizar o planeta e as pessoas”, afirmou Mazzucato em recente publicação.
Em sua visão, para que seja possível combater as mudanças climáticas de forma eficaz, as políticas econômicas devem ir além de corrigir falhas de mercado ou lacunas de financiamento. Devem, antes, moldar os mercados, enfocando a qualidade dos investimentos e políticas públicas que direcionem as economias para objetivos sustentáveis.
Redefinindo o crescimento econômico
A ideia de crescimento econômico sustentável e inclusivo é central na visão de Mazzucato sobre a política industrial moderna. Para ela, não basta fomentar o crescimento: é preciso orientá-lo de maneira que os empregos gerados não contribuam para a exploração dos trabalhadores nem para o agravamento da crise climática. “O crescimento tem uma taxa, mas também uma direção”, pontuou Mazzucato.
Para enfrentar as mudanças climáticas, as políticas governamentais devem orientar o crescimento e a inovação em todos os setores, promovendo a criação de novas soluções e tecnologias que ajudem a reduzir as emissões de gases do efeito estufa. “Sem crescimento, não há empregos; sem direção, os empregos podem contribuir para o aquecimento global”, acrescenta.
Colaboração público-privada e condicionalidades
Uma das propostas centrais para o enfrentamento da crise climática, segundo Mazzucato, é a redefinição das parcerias entre governos e empresas privadas. Para ela, o desenho dos contratos de colaboração público-privada deve incluir condicionalidades que garantam o alinhamento das ações empresariais com metas de desenvolvimento sustentável. Essas condicionalidades podem incluir, por exemplo, a obrigatoriedade de reinvestimento dos lucros em atividades produtivas, como pesquisa e desenvolvimento, em vez de recompra de ações.
Um exemplo prático dessa abordagem pode ser observado no resgate da Air France pelo governo francês durante a pandemia de COVID-19, condicionado à redução das emissões de carbono por passageiro. Nos Estados Unidos, o CHIPS and Science Act, aprovado na gestão de Joe Biden, também estabelece que as empresas só poderão acessar financiamentos públicos se comprometerem com metas ambientais e trabalhistas.
Investimento público e inovação direcionada
Outro elemento fundamental na proposta de Mazzucato é o uso estratégico das finanças públicas para promover a inovação e moldar mercados. Instituições como bancos de desenvolvimento devem ser vistas como ferramentas centrais na promoção de investimentos voltados para a sustentabilidade. Com US$ 20,2 trilhões sob gestão, os bancos nacionais de desenvolvimento, por exemplo, possuem o potencial de catalisar investimentos em projetos que enfrentem desafios globais, como a transição energética.
Segundo Mazzucato, “é preciso que os governos assumam riscos e adotem uma postura proativa para estimular a inovação”. Ela defende que a abordagem orientada por missões — semelhante à que foi aplicada na corrida espacial da NASA na década de 1960 — pode ser uma forma eficiente de mobilizar tanto o setor público quanto o privado em direção a metas ambiciosas, como o atingimento de emissões líquidas zero.
A necessidade de um setor público dinâmico e inovador
A implementação de políticas industriais orientadas para a missão requer, segundo Mazzucato, um setor público dinâmico e competente, capaz de assumir riscos e colaborar de forma efetiva com o setor privado. No entanto, ela alerta que muitos governos enfrentam dificuldades para implementar essas políticas devido à falta de capacitação e à dependência excessiva de grandes consultorias privadas.
“Para que a política industrial cumpra seu papel transformador, é necessário investir em capacidades governamentais e no desenho institucional adequado”, ressalta Mazzucato.
Ela defende que o setor público deve estar preparado para atuar como um empreendedor e catalisador de mudanças, investindo em tecnologias e soluções inovadoras que ajudem a enfrentar os desafios globais.
Conclusão
A política industrial moderna, tal como defendida por Mariana Mazzucato, não se limita a consertar falhas de mercado. Ela propõe uma abordagem mais ambiciosa e orientada para missões, onde os governos assumem um papel ativo na modelagem dos mercados e na promoção de um crescimento econômico sustentável e inclusivo. Para que isso ocorra, é necessário repensar as parcerias público-privadas, redesenhar contratos com condicionalidades e adotar uma postura proativa na promoção de inovação. Além disso, a construção de um setor público dinâmico e capaz de assumir riscos é essencial para o sucesso dessa nova política industrial.
Quem é Mariana Francesca Mazzucato
Mariana Mazzucato é uma economista ítalo-americana, reconhecida por suas contribuições no campo da inovação, crescimento econômico e políticas públicas. Professora de Economia da Inovação e Valor Público na University College London (UCL), ela também é diretora do Institute for Innovation and Public Purpose (IIPP), um instituto que promove o estudo sobre o papel estratégico do setor público na criação de valor e inovação.
Mazzucato é amplamente conhecida por seu trabalho sobre a importância do Estado na economia, especialmente em seu livro The Entrepreneurial State: Debunking Public vs. Private Sector Myths (O Estado Empreendedor: Desmascarando Mitos sobre o Setor Público e Privado), onde argumenta que o governo tem sido o verdadeiro motor de inovações tecnológicas significativas, como o iPhone e a internet. Seu conceito de “Estado empreendedor” desmistifica a ideia de que a inovação depende exclusivamente da iniciativa privada.
Além disso, ela é uma defensora da ideia de que as políticas públicas devem ser orientadas por missões ambiciosas, como resolver a crise climática ou promover inovações tecnológicas que beneficiem a sociedade. Mazzucato trabalha junto a governos e instituições internacionais, como a Comissão Europeia e as Nações Unidas, ajudando a formular políticas que alinhem inovação com desenvolvimento sustentável e crescimento inclusivo.
Alguns dos principais temas de seu trabalho incluem:
- Inovação e Crescimento Econômico: Explora como o Estado pode liderar processos de inovação e direcionar o crescimento econômico.
- Política Industrial Moderna: Defende que os governos devem moldar mercados e criar direções específicas para o crescimento, orientadas para metas sociais e ambientais.
- Valor Público: Discute como o valor é criado na economia e propõe uma redefinição da ideia de valor, destacando a contribuição do setor público.
Com ampla influência global, Mazzucato é frequentemente convidada a aconselhar governos e lideranças sobre políticas que promovam inovação e sustentabilidade.
Fonte bibliográfica
O artigo “Política com um propósito”, de autoria de Mariana Mazzucato, defende a tese de que a política industrial moderna deve moldar os mercados, e não apenas corrigir suas falhas.
A reportagem Política industrial moderna como catalisadora de mercados; Nova perspectiva para enfrentar a crise climática é abordada pela pesquisadora Mariana Mazzucato, é parte da série de publicações do Jornal Grande Bahia com o tema ‘Fundamental Para Quem Pensa’.
Leia +
Share this:
- Click to print (Opens in new window) Print
- Click to email a link to a friend (Opens in new window) Email
- Click to share on X (Opens in new window) X
- Click to share on LinkedIn (Opens in new window) LinkedIn
- Click to share on Facebook (Opens in new window) Facebook
- Click to share on WhatsApp (Opens in new window) WhatsApp
- Click to share on Telegram (Opens in new window) Telegram
Relacionado
Discover more from Jornal Grande Bahia (JGB)
Subscribe to get the latest posts sent to your email.




