Não é fácil entender o motivo pelo qual os magistrados julgam casos semelhantes de forma diferente. O mais apropriado, talvez, seja aquele que confirma que, no Brasil, não existe uma regra, norma ou lei que proíba os juízes julgarem de formas diferentes situações semelhantes. Até os tribunais diferem em casos iguais, a depender do julgador, e cada magistrado pode proferir sua decião da forma que entender, ou sej, a seu critério.
Veja-se, por exemplo, o caso Maiorana, ocorrido em Belém do Pará. O empresário Giovani Maiorana foi preso em flagrante por homicídio culposo e lesão corporal culposa. Testemunhas disseram que ele estava bêbado quando atropelou e matou duas jovens na periferia da capital. Entretanto, poucas horas depois do crime, Maiorana já estava solto. O juiz Heyder Tavares da Silva Ferreira, encarregado de julgar o processo, entendeu, na audiência de custódia, que “restaram dúvidas” quanto ao estado de embriaguez do empresário, apesar dos relatos de quatro testemunhas confirmando que ele estava bêbado. Na decisão, o magistrado concedeu liberdade ao réu mediante fiança de R$ 500 mil e o cumprimento de medidas cautelares.
Seis meses antes desse caso, o mesmo juiz decretou a prisão preventiva de um homem responsável por matar um menino ao dirigir em alta velocidade e bêbado. O caso foi resgatado pelo promotor de justiça Luiz Márcio Teixeira, da 2ª Promotoria de Controle Externo da Atividade Policial do Pará, que, em recurso da decisão, apontou a contradição do magistrado contrariando os próprios precedentes judiciais. Segundo o promotor, o mesmo juiz já havia decidido pela conversão em flagrante em prisão preventiva em caso semelhante.
O caso resgatado pelo promotor foi o de um cidadão conhecido como Tiago Leal de Oliveira, que teve a prisão em flagrante convertida em prisão preventiva pelo mesmo juiz, ocorrido seis meses antes do episódio envolvendo o empresário Maiorana. A irmã do menino, de cinco, e a mãe das crianças foram arremessadas com o impacto. De acordo com a Polícia Militar do Estado do Pará e testemunhas, Tiago apresentava sinais de embriaguez. Após o acidente, foi encaminhado para a Seccional de São Brás, em Belém, onde foi autuado em flagrante por condução de veículo sob efeito de álcool, lesão corporal culposa e também pela morte da criança. Ao decidir pela prisão preventiva de Tiago, o juiz considerou o relato de testemunhas e a gravidade da conduta do indiciado ao dirigir em alta velocidade e sob influência de álcool. A decisão do magistrado foi a seguinte: “(…) Conforme relatos dos ouvidos em sede policial, após causar acidente de trânsito envolvendo outro veículo, em tese, [Tiago Leal de Oliveira] deu causa ao dirigir embriagado e desenvolvendo velocidade além da permitida para a via, resultando danos patrimoniais e lesões de natureza gravíssimas em múltiplas vítimas, além da morte de uma criança, demonstrando que sua conduta teve resultados mais graves”.
Ao questionar o motivo pelo qual o magistrado aplicou um entendimento diferente do que teve ao julgar Tiago Leal de Oliveira, o promotor assim se manifestou: “Nos autos do processo (…) referente ao flagrante do Tiago Leal de Oliveira houve somente um óbito, e mesmo assim, o juízo, com os rigores devidos, acertadamente decretou a prisão preventiva do mesmo, adotando, agora, diferente posicionamento em relação ao flagrante do Giovanni Ricardi Chaves Maiorana, onde o mesmo matou duas pessoas, lesionando uma, assim como, causando danos em quatro veículos”. O promotor ainda afirmou que a decisão compromete a “segurança jurídica” do sistema judiciário, e que “Outros réus, diante das mesmas circunstâncias fáticas, estão presos; e qual a razão de mantê-los presos, se o juízo (…) modificou seu entendimento, comprometendo a segurança jurídica em casos análogos?”. O recurso não foi aceito e Giovanni Maiorana nunca voltou à prisão nem foi denunciado pelo Ministério Público.
No final de 2023, Maiorana foi beneficiado por um acordo proposto pelo próprio Ministério Público, que prevê que ele não será preso por matar duas jovens e deixar outras duas pessoas feridas, desde que cumpra as condições impostas pela justiça. O acordo foi celebrado depois que testemunhas do acidente mudaram o depoimento sem explicações e passaram a negar que o empresário estava bêbado. Se houve injustiça ou não nas duas decisões, jamais saberemos; se houve, resta-nos apenas lembrar que “As grandes injustiças só podem ser combatidas com três coisas: silêncio, paciência e tempo”.
*Luiz Holanda, advogado e professor universitário.
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