A publicação “Eleições mostram esquerda diante de enigmas que podem devorá-la: Não será fechando os olhos e apostando na volta a uma normalidade perdida que os problemas serão resolvidos”, assinada por Rodrigo Nunes e publicada no jornal Folha de S.Paulo em 26 de outubro de 2024, discute o desempenho das candidaturas de esquerda nas recentes eleições municipais e os desafios enfrentados pelo movimento progressista no Brasil e no exterior. Segundo Nunes, o quadro político atual evidencia dificuldades internas e externas da esquerda para transformar a vitória presidencial de 2022 em avanços na política local, refletindo um cenário mais amplo de crise para a esquerda global.
As eleições de 2024 indicam uma dificuldade da esquerda em consolidar apoio em diferentes regiões, como evidenciado pela contínua presença do centrão e do bolsonarismo na política brasileira. Esse contexto revela uma fragmentação da base de apoio do governo Lula, especialmente pela ausência do otimismo característico das primeiras administrações do Partido dos Trabalhadores. Nunes observa que as lideranças evangélicas, alinhadas à direita e com crescente influência do crime organizado, formam uma coalizão conservadora que questiona a viabilidade de expansão da influência da esquerda em certos redutos políticos do país.
Em âmbito internacional, Nunes argumenta que a crise da esquerda não se limita ao Brasil. Governos social-democratas ou progressistas, como o de Emmanuel Macron na França e o de Joe Biden nos Estados Unidos, enfrentam dilemas na reconciliação entre as demandas populares e as pressões do sistema financeiro global. No Brasil, a tentativa de recriar essa base de apoio enfrenta obstáculos, incluindo o desmantelamento de estruturas sindicais que historicamente sustentaram o discurso progressista e as dificuldades impostas pela nova realidade do mercado de trabalho, marcada pela informalidade e pela falta de proteção social. Essa precarização do trabalho cria um ambiente em que a noção de identidade coletiva dos trabalhadores se esvai, dificultando a organização e mobilização sindical tradicional.
Entre as poucas vitórias para a esquerda nessas eleições, Nunes menciona a eleição de Rick Azevedo para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, representante do movimento “Vida Além do Trabalho”, que promove políticas de apoio aos entregadores de aplicativos. A plataforma econômica neoliberal consolidou-se de tal forma que, segundo Nunes, mesmo os trabalhadores explorados se identificam com a figura de “empreendedores”, o que impede uma visão coletiva de direitos e deveres no âmbito laboral e social.
Além dos desafios econômicos, Nunes aponta o impacto da plataformização da política, exemplificado pelo sucesso eleitoral de figuras como Pablo Marçal e Nikolas Ferreira, que utilizam as redes sociais para converter notoriedade digital em poder político. A presença dominante das redes sociais, muitas vezes marcada por conteúdos polarizadores, cria dificuldades para a organização política coletiva e alimenta uma nova forma de clientelismo digital, promovendo a fragmentação da base progressista.
Por fim, Nunes salienta a crise ecológica como o maior desafio estrutural, não apenas para a esquerda, mas para toda a humanidade. O modelo econômico atual, baseado no crescimento ilimitado, entra em conflito com a necessidade urgente de sustentabilidade ambiental. Para Nunes, a esquerda global precisa reformular sua abordagem econômica, introduzindo propostas de tributação mais rígida sobre atividades poluentes e repensando o crescimento econômico em termos de justiça distributiva e responsabilidade ambiental.
Resumo biográfico do autor do artigo
*Rodrigo Guimarães Nunes nasceu no Rio de Janeiro, em 1978, e é um filósofo e escritor com atuação internacional. Graduado em ciências jurídicas e sociais pela UFPel, fez mestrado na PUCRS e doutorado em filosofia no Goldsmiths College, University of London, com bolsa da Capes. Com pós-doutorados na PUCRS e na Brown University, também foi professor visitante em diversas instituições de destaque na Europa e no Brasil. Colabora regularmente com publicações como Les Temps Modernes, Jacobin, The Guardian e Folha de S.Paulo. Em 2023, tornou-se professor de teoria política na University of Essex, no Reino Unido.
Fonte bibliográfica
O artigo “Eleições mostram esquerda diante de enigmas que podem devorá-la”, de autoria de Rodrigo Nunes, foi republicado no Jornal Folha de S.Paulo, no dia 26 de outubro de 2024 (sexta-feira).
A reportagem “Eleições de 2024 expõem desafios estruturais e impasses ideológicos da esquerda no Brasil” é parte da série de publicações do Jornal Grande Bahia com o tema ‘Fundamental Para Quem Pensa’.
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