Na manhã de segunda-feira (23/12/2024), a Polícia Federal (PF), em conjunto com o Ministério Público Federal (MPF), deflagrou a segunda fase da Operação Overclean, voltada ao enfrentamento de uma rede criminosa que atuava no desvio de recursos públicos e no superfaturamento de obras e serviços.
A operação alcançou simultaneamente Brasília (DF), Salvador (BA), Lauro de Freitas (BA) e Vitória da Conquista (BA), cidades que concentravam operadores, beneficiários e contratos fraudulentos. Foram cumpridos 10 mandados de busca e apreensão, quatro prisões preventivas, além do afastamento de servidor público de suas funções.
Além das prisões e buscas, houve bloqueio de R$ 4,7 milhões em contas bancárias e o sequestro de veículos de luxo, confirmando a ostentação dos envolvidos.
Estrutura do esquema
As apurações revelam que o grupo criminoso movimentou aproximadamente R$ 1,4 bilhão por meio de contratos fraudulentos, direcionamento de licitações e obras superfaturadas. A rede utilizava empresas de fachada, “laranjas” e operadores regionais para canalizar recursos públicos em benefício próprio.
O modelo envolvia a manipulação de emendas parlamentares, que deveriam financiar projetos de infraestrutura e serviços essenciais. Em vez disso, os recursos eram desviados, criando um ciclo de corrupção sistêmica em administrações municipais e estaduais.
Outro ponto sensível foi a descoberta de uma célula de apoio informacional, formada por policiais federais que recebiam propina para repassar dados sigilosos sobre diligências, inclusive a identificação de agentes da PF em operações.
Nomes e cargos atingidos
Entre os principais alvos da segunda fase, estão figuras de expressão política e administrativa:
- Vidigal Galvão Cafezeiro Neto (Republicanos), vice-prefeito de Lauro de Freitas (BA);
- Lucas Moreira Marins Dias, secretário de Mobilidade Urbana de Vitória da Conquista (BA), ex-chefe de gabinete municipal e ex-presidente da Comissão de Combate à Corrupção da OAB local;
- Rogério Magno Almeida Medeiros, policial federal, ex-superintendente de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública da Bahia nos governos de Jaques Wagner e Rui Costa, acusado de repassar informações em troca de mesada de R$ 6 mil;
- Carlos André, identificado como operador financeiro do esquema;
- Lara Betânia Lelis Oliveira, servidora da Prefeitura de Vitória da Conquista, afastada por ordem judicial.
O perfil dos investigados mostra como o esquema atingia diferentes esferas — política municipal, órgãos de segurança e operadores financeiros.
Origem das investigações
O caso teve início em 2023, com denúncia de lavagem de dinheiro ligada a contratos do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs). A partir disso, a PF e a Controladoria-Geral da União (CGU) mapearam contratos fraudulentos desde 2017, identificando empresas de fachada e operadores políticos como articuladores do desvio.
A investigação também mostrou como o esquema evoluiu: inicialmente concentrado em contratos isolados, ele passou a se estruturar em núcleos regionais, expandindo a atuação e a capacidade de captação de verbas. Em 2024, o grupo celebrou contratos no valor de R$ 825 milhões, consolidando o padrão de crescimento ilícito.
Conexões partidárias e disputas narrativas
Um dos aspectos que ampliou o impacto político da Overclean foi a revelação de vínculos entre os investigados e oito partidos diferentes: MDB, PP, PSD, PSDB, PT, Republicanos, Solidariedade e União Brasil.
O empresário Marcos Moura, conhecido como “Rei do Lixo” e ligado ao União Brasil, já havia sido preso em fase anterior. Seu papel foi descrito como central no financiamento e coordenação das atividades ilícitas, com influência direta em administrações municipais e estaduais.
Também foram identificadas conexões com aliados do deputado Félix Mendonça (PDT-BA), além de prefeitos e ex-prefeitos baianos afastados de seus cargos. Esse cenário gerou disputa política: enquanto petistas buscaram associar o esquema a opositores do União Brasil, adversários destacaram a participação de quadros ligados ao PT em Lauro de Freitas e municípios vizinhos.
Impactos econômicos e institucionais
O desvio de R$ 1,4 bilhão comprometeu diretamente recursos que poderiam financiar políticas de saúde, educação e infraestrutura em municípios carentes. O montante desviado representa uma perda significativa para a população, já que os contratos fraudulentos envolviam serviços essenciais como pavimentação, coleta de lixo e saneamento.
No campo institucional, a presença de um policial federal ativo no esquema fragiliza a credibilidade da PF, uma das principais instituições de combate à corrupção. A revelação de uma rede infiltrada em órgãos de controle acende alerta sobre a necessidade de reforçar mecanismos de integridade e compliance no setor público.
A Operação Overclean também pressiona o debate sobre a governança das emendas parlamentares, frequentemente criticadas pela falta de transparência. O modelo atual, que concentra poder de destinação em parlamentares sem mecanismos eficazes de monitoramento, abre espaço para esquemas semelhantes.
Esquema se ramificava
O detalhamento biográfico dos alvos presos mostra que o esquema se ramificava entre diferentes esferas do poder público, atingindo desde vice-prefeitos até servidores de médio escalão. Essa diversidade de perfis indica que a rede criminosa se sustentava em uma lógica capilarizada, adaptando-se às estruturas políticas locais.
A presença de agentes de segurança pública como Rogério Magno amplia a gravidade do caso, pois sugere que a organização tinha acesso privilegiado a informações sigilosas, fator que pode ter retardado ou frustrado etapas das investigações.
Politicamente, a Overclean expõe uma realidade incômoda: a corrupção atravessa partidos de diferentes espectros ideológicos, fragilizando narrativas de culpabilização seletiva. Ao mesmo tempo, evidencia a falta de mecanismos de controle das emendas parlamentares, cuja destinação permanece vulnerável ao uso patrimonialista.
No plano institucional, o desafio será reestruturar o sistema de repasses e reforçar a integridade do funcionalismo público, sobretudo em áreas estratégicas como a segurança e a fiscalização de contratos.
Sistema híbrido
A Operação Overclean escancara a fragilidade do sistema de repasses por emendas parlamentares e a vulnerabilidade de administrações locais diante de operadores políticos. O esquema investigado reproduz um padrão histórico de captura do orçamento público por grupos organizados, em detrimento da prestação de serviços à sociedade.
O envolvimento de policiais federais e servidores municipais reforça a noção de que não se trata apenas de corrupção política, mas de um sistema híbrido, que une operadores privados, gestores públicos e até agentes encarregados de fiscalizar o cumprimento da lei.
Embora a operação tenha avançado com prisões e bloqueios de bens, o desafio maior será a reforma estrutural do modelo de emendas e a criação de instrumentos de transparência e rastreabilidade dos recursos, sob pena de o ciclo de fraudes se repetir em diferentes formatos.
Perfil dos alvos da Operação
Vidigal Galvão Cafezeiro Neto (Republicanos)
Vice-prefeito de Lauro de Freitas (BA), Vidigal foi eleito em 2020 na chapa da prefeita Moema Gramacho (PT). Apesar da aliança inicial, rompeu com o grupo petista e, nas eleições de 2024, apoiou a candidata Débora Regis (União Brasil), vitoriosa contra Rosalvo (PT).
A PF aponta que Vidigal tinha papel de articulação no Fundo Municipal de Saúde, direcionando contratos e facilitando pagamentos para empresas ligadas ao esquema. Interceptações mostram pedidos de quitação de dívidas pessoais por empresários investigados. Sua prisão lança dúvidas sobre as alianças eleitorais recentes em Lauro de Freitas e expõe o entrelaçamento de Republicanos, União Brasil e PT na gestão local.
Lucas Moreira Marins Dias (sem partido declarado)
Secretário de Mobilidade Urbana de Vitória da Conquista (BA) desde 2022, Lucas iniciou carreira na advocacia, destacando-se na subseção da OAB do município, onde presidiu a Comissão de Combate à Corrupção. Foi chefe de gabinete da Prefeitura antes de assumir a pasta da mobilidade, ampliando sua visibilidade política.
Sua prisão teve impacto imediato na administração municipal, já que a pasta sob sua responsabilidade concentra contratos vultosos de transporte e obras de mobilidade urbana. A investigação sugere que Lucas operava como intermediário político no esquema, conectando lideranças locais e empresários ao núcleo central da organização criminosa.
Rogério Magno Almeida Medeiros (sem filiação partidária)
Agente da Polícia Federal, Rogério Magno teve papel controverso ao longo da carreira. Foi superintendente de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública da Bahia durante os governos de Jaques Wagner (PT) e Rui Costa (PT). Exonerado em 2020, seu nome já havia sido citado na Operação Faroeste, que investigava venda de sentenças no Judiciário baiano.
Na Overclean, documentos mostram que Rogério recebia uma “mesada” de R$ 6 mil mensais para repassar informações sobre investigações da PF. Planilhas apreendidas indicam que era identificado pela sigla “MAG” nos registros do grupo criminoso. Sua prisão expõe a infiltração de agentes de segurança em esquemas de corrupção e lança questionamentos sobre a permeabilidade institucional da PF.
Carlos André (operador financeiro)
Apontado como operador do grupo criminoso, Carlos André seria responsável pela movimentação financeira das empresas de fachada utilizadas para lavar recursos desviados. Embora menos conhecido no cenário político, desempenhava papel estratégico, articulando transferências e blindando empresários e gestores públicos de exposição direta.
Sua prisão ajuda a revelar a engenharia financeira do esquema, que envolvia tanto movimentações em espécie como contratos simulados para ocultar a origem ilícita dos valores.
Lara Betânia Lelis Oliveira (servidora pública)
Servidora da Prefeitura de Vitória da Conquista, Lara foi alvo de mandado de busca e afastada por decisão judicial. É acusada de dar suporte administrativo a contratos fraudulentos, atuando como elo técnico dentro da estrutura burocrática municipal.
Embora não tenha o peso político de outros alvos, sua participação reforça como servidores de médio escalão eram cooptados para garantir a fluidez do esquema.
Conexões partidárias
A amplitude da Overclean se reflete na presença de investigados ligados a múltiplos partidos:
- PT — Lauro de Freitas, governada por Moema Gramacho, aparece como um dos epicentros do esquema, já que contratos do Fundo Municipal de Saúde abasteciam empresas investigadas.
- Republicanos — o vice-prefeito Vidigal Cafezeiro, preso, é filiado à legenda e atuava como ponte entre diferentes grupos políticos.
- União Brasil — o empresário Marcos Moura, o “Rei do Lixo”, figura central da operação, é ligado ao partido e próximo de ACM Neto. Também há citações ao deputado Elmar Nascimento, embora ele não seja alvo direto.
- PDT — o deputado federal Félix Mendonça (PDT-BA) teve assessor afastado de suas funções após suspeita de operar emendas em benefício do grupo.
- MDB, PP, PSD e PSDB — gestores e vereadores dessas legendas foram citados em relatórios da PF, em cidades como Itapetinga, Jequié e Nazaré.
- Solidariedade — alvo identificado em Goiânia, onde o ex-diretor da Secretaria de Educação teria dado suporte logístico ao grupo.
Disputa PT x União Brasil na Bahia
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A Overclean adquire contornos políticos mais nítidos por atingir figuras ligadas tanto ao PT quanto ao União Brasil.
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O PT enfrenta o desgaste pelo envolvimento de aliados em Lauro de Freitas e pelo histórico de proximidade de Rogério Magno com governos petistas.
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O União Brasil, por sua vez, carrega o peso de ter como alvos Marcos Moura (“Rei do Lixo”) e Francisquinho Nascimento, além da ligação indireta com Elmar Nascimento e a liderança de ACM Neto.
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O embate narrativo reflete o cenário eleitoral: de um lado, o PT tenta blindar sua base no governo estadual; de outro, o União Brasil busca se consolidar como principal força de oposição.
Esse leque de conexões partidárias demonstra que o esquema não tinha cor única, sendo alimentado por diferentes espectros políticos que convergiam no acesso às emendas parlamentares e na gestão de contratos públicos.
Linha do tempo da Operação Overclean
- 10/12/2024 — 1ª fase: deflagração inicial, com prisão do empresário Marcos Moura (“Rei do Lixo”), apreensão de valores em espécie e revelação de contratos fraudulentos.
- 19/12/2024 — decisões judiciais: Justiça concede habeas corpus a Marcos Moura e amplia a lista de investigados, alcançando nomes de oito partidos.
- 23/12/2024 — 2ª fase: prisões de Vidigal Cafezeiro (vice-prefeito), Lucas Dias (secretário), Rogério Magno (policial federal) e Carlos André (operador). Afastamento de servidora de Vitória da Conquista.
A cronologia mostra que a Overclean evoluiu rapidamente, atingindo núcleos municipais, operadores políticos e figuras do setor de segurança pública.
Dossiê: Linha do Tempo Estendida da Operação Overclean
2023 – O início da investigação
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A Polícia Federal recebe denúncia de lavagem de dinheiro envolvendo empresas contratadas pelo Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas) em projetos de infraestrutura executados desde 2017.
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A CGU e a Receita Federal identificam contratos superfaturados e empresas de fachada, inaugurando a primeira trilha de provas.
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O inquérito revela que parte dos recursos vinha de emendas parlamentares, levantando suspeitas sobre participação de deputados e prefeitos baianos.
10/12/2024 – 1ª fase da Operação Overclean
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Deflagrada a fase inicial, com cumprimento de mandados em cidades da Bahia.
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O empresário Marcos Moura, apelidado de “Rei do Lixo” e ligado ao União Brasil, é preso. Ele é acusado de coordenar contratos fraudulentos na área de coleta de resíduos.
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Durante a operação, o vereador Francisco “Francisquinho” Nascimento (União Brasil), primo do deputado Elmar Nascimento, joga uma sacola com R$ 220 mil em dinheiro vivo pela janela antes de ser preso.
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O episódio atinge diretamente o União Brasil, partido que faz oposição ao governo Lula na Bahia, sob liderança de ACM Neto.
19/12/2024 – Repercussões políticas
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A Justiça concede habeas corpus a Marcos Moura, liberando o “Rei do Lixo”.
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Documentos da PF citam pessoas ligadas a oito partidos diferentes: MDB, PP, PSD, PSDB, PT, Republicanos, Solidariedade e União Brasil.
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A narrativa política começa a se polarizar: setores do PT tentam associar o esquema ao União Brasil, enquanto adversários lembram que o vice-prefeito de Lauro de Freitas (Republicanos), aliado da petista Moema Gramacho, também era alvo.
23/12/2024 – 2ª fase da Operação Overclean
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A PF cumpre 10 mandados de busca, prende quatro pessoas e afasta uma servidora.
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Entre os alvos:
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Vidigal Cafezeiro (Republicanos), vice-prefeito de Lauro de Freitas, eleito na chapa de Moema Gramacho (PT), mas que em 2024 apoiou a candidata Débora Regis (União Brasil).
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Lucas Moreira Dias, secretário de Mobilidade de Vitória da Conquista, ex-presidente da Comissão de Combate à Corrupção da OAB local.
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Rogério Magno Medeiros, policial federal e ex-superintendente de Inteligência da SSP-BA nos governos de Jaques Wagner (PT) e Rui Costa (PT), acusado de receber mesada de R$ 6 mil para repassar informações sigilosas.
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Carlos André, operador financeiro do grupo.
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O sequestro de R$ 4,7 milhões em bens de luxo reforça a dimensão econômica da operação.
*Com informações do Poder360, CNN Brasil e O Globo.
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