“…As crianças são levadas
Pela mão de gente grande
Quem me trouxe até agora
Me deixou e foi embora
Como tantos por aí…”
(É preciso dar um jeito meu amigo – Erasmo Carlos)
Antes de começar esse artigo, gostaria de questionar a todos os conselheiros do Conselho Federal de Medicina (CFM): Vocês já se perguntaram se o projeto de ser conselheiro é individual ou coletivo? Será que se fizéssemos um teste de proficiência, vocês realmente estariam aptos a debater assuntos éticos e serem conselheiros? Essas questões provocativas não estão sendo direcionadas a ninguém em particular, certamente existem conselheiros que além de serem proficientes, têm projetos coletivos. Sinceramente, esse não é o caso da maioria, pois, se fosse a maioria o problema estava em outra ordem, não explodiria como uma peneira da desilusão: geração de doenças mentais, ou os riscos de agravamento da doença da saúde pública.
Recentemente, quase todos os médicos atuantes no Brasil receberam uma enquete sobre a possibilidade de ser aplicado o exame nacional médico para proficiência dos recém-formados, ou seja, o exame terá como finalidade saber se os médicos recém-formado serão capazes de exercer a profissão médica no Brasil. Na verdade, vejo essa enquete como uma pergunta retórica: seria como perguntar se os lobos aceitam compartilhar as ovelhas sem uma prova de aptidão. O paralelo com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é inevitável.
Antes de divagar sobre a analogia, pergunta-se: Os problemas do sistema judiciário foram resolvidos com a certificação? Como está o judiciário atualmente? Pelo que se noticia, temos um sistema truncado, fóruns sobrecarregados com processos infundados e bacharéis de direito desempregados , muitos deles vivendo com os pais, aguardando aprovação em concursos públicos (poucas opções em medicina), ou trabalhando como auxiliares em escritórios de advocacia sem reconhecimento, enquanto outros recorrem as alternativas como o trabalho de motorista de aplicativo, amargando o peso de um diploma que não lhes serve de muito . Portanto, com base nestas argumentações, são possíveis identificar problemas de diversas ordens:
a) Sistema sobrecarregado com aumento da demanda, judicializações excessivas (diagnósticos / problematizações) e, muitas vezes, desqualificadas (exames e condutas sem lógica).
b) A população exposta as más prestações de serviços, com possíveis demandas induzidas pelo fornecedor dos serviços, compensação de honorários (Advogados / Médicos).
c) O próprio bacharel (Advogado / Médico) vivenciando problemas de ordem mental devido as frustações das expectativas, retroalimentando o sistema com os seus problemas.
Assim como na advocacia, a solução encontrada pelo CFM, ponderando as aberturas de novos mercados aos cursos preparatórios para a prova de “proficiência médica”, questiona-se: um exame isolado resolverá os problemas de ordem prática e ética, apontados? Não parece uma solução superficial, pouco pensada e planejada, para um problema conhecido e já testado? Será que não foram percebidos os efeitos em cascata que estavam sendo criados (Por esse motivo as perguntas do primeiro tópico aos conselheiros)?
O Conflito Ético e o Exame de Proficiência
A ética principialista, fundamentada nos princípios da beneficência, não maleficência, justiça e autonomia, é uma base sólida para discutir o tema, além de tudo é o norte do código de ética médica e das práticas deontológicas. Contudo, a ideia de aplicar um exame nacional de proficiência médica parece que estar mais alinhada a uma ética utilitarista, que busca minimizar danos para a sociedade . Mas até que ponto essa abordagem considera a complexidade humana ?
O dilema é evidente:
- Permitir que médicos recém-formados atuem sem uma certificação adicional, confiando na qualidade da formação acadêmica?
- Ou condicionar o exercício profissional à aprovação no exame, assumindo que as faculdades, em muitos casos, não garantem uma formação adequada?
O objetivo declarado é a segurança dos pacientes, assim como, os impactos para o sistema de saúde. No entanto, os próprios formandos, que também serão pacientes em algum momento, são frequentemente ignorados nesse debate. Portanto, se formos debater ética, aos moldes ao qual estamos acostumados, partiremos para os princípios da ética do “Dever”, tão apaixonante e que fundamenta a nossa ética principialista, ou debateremos a ética utilitarista, a qual aprendemos facilmente com o sistema macroeconômico atual, já fomos educados para isso.
Os conflitos éticos estão nas questões humanas e do sistema de saúde. Ao considerar a questão humana, dos médicos recém-formados, percebe-se, então, nesse dilema ético que repete as histórias de outras profissões, aos quais se criam sujeitos heterônomos, cheios de conflitos (ansiedade, depressão, suicídio), será que o CFM pensou nos moldes principialistas que emolduram os princípios deontológicos? será que pensou na ética do “Dever” e seu imperativo categórico, assim como nos princípios da não maleficência, beneficência, justiça e autonomia? Agora vejo o pesar de uma ética utilitarista a qual valorizará o princípio do menor dano. Então, proponho uma viagem sobre a causa, da causa, da causa, da causa…
*Ângelo Augusto Araújo, MD, MBA, PhD (angeloaugusto@me.com).
*O artigo irá continuar em outra publicação… Parte III
Referências
Disponível em: https://pesquisas.cfm.org.br/exame-proficiencia, acessado em 01/01/2025.
Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/editoriais/a-ineficiencia-do-judiciario-custa-caro/, acessado em 01/01/2025.
Disponível em: https://www.google.com/url?sa=t&source=web&rct=j&opi=89978449&url=https://revistapgbc.bcb.gov.br/revista/article/download/948/6/548&ved=2ahUKEwidmpOy29SKAxUarpUCHdjgIdgQFnoECBEQAQ&usg=AOvVaw2Z_HPkJSMq3E10TBDuPmyW, acessado em 01/01/2025.
Disponível em: https://www.politize.com.br/judiciario-lento-motivos/, acessado em 01/01/2025.
Disponível em: https://g1.globo.com/sp/santos-regiao/noticia/2022/06/17/bacharel-em-direito-esta-entre-os-13-milhao-de-desempregados-com-ensino-superior-nao-dou-uma-de-coitadinho-tenho-saude-para-trabalhar.ghtml, acessado em: 01/01/2025.
Disponível em: https://pt.quora.com/Existem-mais-de-1-milhão-de-bacharéis-em-Direito-no-Brasil-muitos-desempregados-ou-com-subempregos-Diante-disso-qual-sua-visão-do-futuro-da-advocacia-no-Brasil-dos-profissionais-das-áreas, acessado em: 01/01/2025.
Disponível em: https://www.scielo.br/j/bioet/a/qbp99PRbx6CZk4wCCF5p3jQ/, acessado em: 01/01/2025.
Disponível em: https://www.google.com/url?sa=t&source=web&rct=j&opi=89978449&url=https://www.cremers.org.br/pdf/codigodeetica/codigo_etica.pdf&ved=2ahUKEwif4O_esdWKAxWhE7kGHRkUOu0QFnoECBAQAQ&usg=AOvVaw0_z58g_K3hM_Wbzzn8ceow, acessado em: 01/01/2025.
Disponível em: https://www.brasilparalelo.com.br/artigos/etica-utilitarista, acessado em: 01/01/2025.
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