O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, resolveu, por decreto, acabar com a cidadania americana “por direito de nascença”, concedida a qualquer pessoa nascida nos EUA. A ordem executiva de Trump aborda a definição de cidadania por direito de nascença, mas já começou a ser contestada em muitos estados governados pelos democratas. A cidadania por direito de nascença está prevista na 14ª Emenda da Constituição americana, que afirma que “todas as pessoas nascidas” nos Estados Unidos “são cidadãos dos Estados Unidos”. Trump sabia que sua decisão enfrentaria obstáculos legais significativos, mas sua personalidade forte o fez contrariar a primeira frase da 14ª Emenda à Constituição dos EUA, que estabelece o princípio da “cidadania por direito de nascença:
“Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas à sua jurisdição, são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado em que residem.”
A 14ª Emenda foi adotada em 1868, após o fim da Guerra Civil, e resolveu a questão da cidadania de ex-escravos libertos nascidos nos Estados Unidos. Essa emenda anulou uma decisão da Suprema Corte (Dred Scott vs Sandford, de 1857), que afirmava que os afro-americanos nunca poderiam ser cidadãos dos EUA.
Em 1898, a mesma Suprema Corte decidiu que a cidadania por direito de nascença se aplica aos filhos de imigrantes. A decisão veio no julgamento do caso de Wong Kim Ark vs Estados Unidos, no qual Wong, de 24 anos, filho de imigrantes chineses e nascido nos EUA, teve sua entrada no território americano negada ao retornar de uma visita à China. Wong argumentou, com sucesso, que, independentemente da raça ou do status de imigração dos pais, todas as pessoas nascidas nos Estados Unidos tinham direito a todos os direitos que a cidadania oferecia”.
Considerando que os tribunais podem contrariar a decisão de Trump, ele só tem um caminho: propor uma emenda constitucional à 14ª Emenda, contrariando o direito automático à cidadania por nascimento, aí incluídos os filhos de imigrantes ilegais. Não é fácil aprovar uma emenda à Constituição americana, pois, apara sua aprovação, faz-se necessário o voto de dois terços dos senadores e a ratificação por três quartos dos estados (38 de 50), o que não é fácil acontecer. O que Trump pretende com o seu decreto é reinterpretar a 14ª Emenda, inscrita há mais de 150 anos.
O decreto de Trump também afeta os brasileiros que vivem ou nasceram nos Estados Úmidos. A Constituição americana permite que brasileiros nascidos nos Estados Unidos tenham cidadania americana. Dessa maneira, se uma turista brasileira grávida tiver seu bebê em solo americano, a criança terá dupla cidadania: brasileira e americana. O mesmo acontece com imigrantes legais e ilegais que tiverem filhos nos EUA. Com a medida Trumpista, somente filhos de imigrantes legais se tornam cidadãos americanos.
Segundo o American Immigration Council, o conceito de cidadania baseada no local de nascimento está estabelecido há mais de 400 anos, especialmente no âmbito do direito consuetudinário inglês. A jurisprudência consolidando esse fato surgiu com o célebre Calvin’s Case, que foi uma decisão jurídica inglesa de 1608, que influenciou a compreensão americana sobre a cidadania baseada no local de nascimento. Esse caso determinou que uma criança nascida na Escócia seria considerada súdita inglesa sob o direito consuetudinário, e teria direito aos benefícios das leis inglesas.
O texto ainda relata que, uma ação de 1844, ajuizada em Nova York (Lynch v. Clarke), foi uma das primeiras a abordar o conceito de cidadania baseada no local de nascimento nos Estados Unidos. Julia Lynch nasceu em Nova York, filha de pais irlandeses que eram visitantes temporários nos Estados Unidos. Pouco depois de seu nascimento, Lynch e sua família retornaram à Irlanda sem declarar a intenção de se naturalizar americano. Apesar de ter permanecido na Irlanda por vinte anos após seu nascimento, um tribunal dos EUA utilizou o princípio do jus soli (cidadania baseada no local de nascimento) para decidir que ela era cidadã americana desde o nascimento.
“Não posso ter dúvidas de que, pela lei dos Estados Unidos, toda pessoa nascida dentro dos domínios e sob a lealdade dos Estados Unidos, qualquer que fosse a situação de seus pais, é cidadã nato”, escreveu, em 1844, o juiz Lewis Sandford.
Em 1898, a Suprema Corte americana confirmou que a cidadania por direito de nascimento se aplica aos filhos de imigrantes. Um juiz de Seattle, John C. Coughenou, acolheu o questionamento apresentado pelos Estados de Arizona, Illinois, Oregon e Washington e declarou que a ordem de Trump é “uma ordem flagrantemente inconstitucional”. Diante disso, só nos resta esperar para saber até onde vai o poder de um decreto de Trump.
*Luiz Holanda, advogado e professor universitário.
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